domingo, 25 de abril de 2010

Capítulo 7 - *Surpresas:

- Ainda dói quando eu encosto aqui? – Camille me perguntou ainda olhando para perna que ela estava retirando os pontos.

- Não – eu disse pacientemente enquanto a olhava fazer o seu trabalho.

- Impressionantemente você se recuperou mais rápido do que o previsto. – ela limpou a ferida recém curada com álcool e anticéptico.

Eu assenti enquanto ela levantava a outra perna e repetia o processo. Eu poderia dizer que minha recuperação rápida foi por parte minha culpa, mas eu tinha certeza que uma parte foi devido o dom de cura de Camille. Ela fora um dos principados que treinaram no Instituto, mas diferentes deles, que preferiram ir colocar suas habilidades em prova, ela tinha preferido continuar no Instituto e se focar em desenvolver seu dom de cura. Não se sabe muito sobre o quanto que um dom possa se desenvolver, mas alguns casos já foram retratados durante a história como milagrosos.

Ela sorriu para mim e andou ate a cabeceira da cama.

- Como vai seu pulso? – ela falou enquanto o segurava e tirava a gaze.

- Ele esta ótimo. Até te mandou um oi! – eu disse rindo da expressão sem graça dela. Camille tinha o cabelo negro até o ombro, um pouco repicado nas pontas e com uma franja. Ela usava uma calça jeans branca, uma blusa azul-clara com gola V e um jaleco branco por cima. Ela era uma perfeita enfermeira.

Eu me forcei a parar de rir.
– Ta bom, Camille. Eu já te disse que melhorou.
Pra falar a verdade o meu pulso ainda doía um pouco, mas nada que eu não pudesse ignorar. Eu estava ansiosa demais pra continuar naquele quarto.

- Eu sei que já te perguntei – ela disse fazendo uma careta – mas não tem nada de mal perguntar de novo!

Eu rolei os olhos.
- Ta bom Camille. – eu disse rindo enquanto ela ainda mexia no meu pulso.

Ela soltou o meu pulso momentaneamente para pegar o álcool e voltou a segurá-lo. Passou o álcool e o soltou.

- Pronto. Agora posso trazer seu café da manhã? – ela disse com uma das mãos na cintura.

-Isso depende. – eu cruzei meus braços com mesmo ar contestador que o dela – tem bolo com recheio de brigadeiro?

Ela deu um breve riso.
- Tem.
- Então traga-me o bolo, mulher. – eu disse me forçando a ficar séria.

Dessa vez foi ela que revirou os olhos.
- Sinceramente... Espero que você nunca mais sofra qualquer tipo de lesão, menina mimada – ela saiu rindo do quarto. Eu também ri considerando o que ela falou. Eu também esperava que isso nunca mais acontecesse, mas algo me dizia que isso não ia ser a última vez.



Houve alguns tropeços e risos do lado de fora do meu quarto.

-Faz assim, eu e a Celina entramos primeiro e depois vocês entram. – uma voz bem parecida com a da Moira soou fraca através da pequena janela que dava para o corredor.

- Por quê? –soou uma voz estridente e chateada. Definitivamente era o Jeremi.

-Porque, oi, nós somos as melhores amigas dela e tem uma semana que a gente não vê ela.

- Não a vê – uma voz calma disse. Celina. Eu pude imaginar nitidamente a cara de descrença da Moira nesse exato momento. – O que? Foi você que falou errado, sua analfabeta.

- Ta Celina. Tem uma semana que nós não a vemos, querido Jeremi. – mesmo com a janela entre nós eu pude sentir a nota de sarcasmo na voz da Moira – e tem coisas que vocês não podem ouvir.

- Tipo o quê? – Jeremi disse todo irritado.

- Tipo: o que aconteceu depois do boca-a-boca com o Lucius! – Moira tinha um ponto aí. Eu me contorci na cama pensando no tipo de perguntas que ela ia fazer. E mais, como ela sabia do Lucius?

- Ta, eu já entendi. – Jeremi disse mais convencido dessa vez.

Houve algum tempo de silêncio até a Moira falar.

- E vocês ainda continuam aqui por que...

- Bem você quer que a gente espere a onde, Moira – a voz era mais forte e determinada.

- Em qualquer lugar longe dessa janela, Sam – Moira disse friamente – e não precisa fazer essa cara não. Pode deixar que nós não vamos falar nada pra despurificar sua delicada Celina. Agora vão.

- Eu acho que a Celina não é tão pura... – a voz de Jeremi soou divertida – Aí! Sam, eu to falando alguma mentira?!

Nesse momento ouve vários sons, mas o mais evidente foi um soco.

- Ta bom Sam. No vou falar mais nada. – Jeremi disse magoado. Enquanto isso a Moira e a Celina riam descontroladamente. E eu também ri. Um dia o Jeremi ia falar uma coisa dessas pra alguém que não tinha tanta paciência assim e aí...

Alguns passos foram dados, e eu percebi que os meninos tinham ido. Eu pude ouvir um breve “até que enfim” da Moira e então passos foram dados até a porta.

Toc.

- Pode... – A porta foi escancarada rapidamente e eu pude ver minhas duas melhores amigas entrar no quarto da enfermaria carregando minha bandeja de café da manhã. Elas sorriram para mim.

- SURPRESA! – eu ri brevemente. É, grande surpresa.

- Gente, sério, eu nunca esperei por isso – eu disse colocando minhas mãos juntas sob meu tórax. Celina não pareceu entender meu deboche, já Moira...

- Pára de ser chata, pelo menos nós trouxemos seu café da manhã, isso sem contar o esforço que a gente fez pra convencer a Camille pra deixar a gente vir aqui. –Moira me entregou a bandeja e se sentou ao meu lado. Ela parecia mais arrumada do que o normal. Ela usava um jeans preto básico, uma camiseta longa justa branca com uma escrita dourada ‘We are golden’ e um scarpin vermelho. Seu cabelo preto estava solto em contato com seu rosto moreno que não tinha nenhuma maquiagem. Arrumada demais pro meu gosto.

- Não vai comer o seu bolo? – Moira disse percebendo que eu estava olhando demais pra ela. Eu olhei meu bolo, quer dizer, eu olhei pra metade do meu bolo.

- Você comeu meu bolo? – eu disse acusadoramente pra Moira. Porque, sinceramente, eu sabia que só podia ser ela a fazer isso. Ou o Jeremi, mas como ele foi expulso.

- Não me olha assim. Eu tava com fome. – ela disse com ar de inocência. Meu bolo de brigadeiro. Eu chorei silenciosamente enquanto olhava para o bolo.

- Não culpa ela, Claire. Você sabe como ela fica ansiosa quando ela tem encontros – Celina sorriu ligeiramente para Moira – com o Irial.

Eu encarei Moira embasbacada. Eu passei UMA semana fora e ela já teve um encontro com Irial? Isso explica a roupa. Eu abri um pouco mais minha boca. Eu me ergui na minha cama e me sentei, olhando bem dentro dos os olhos da Moira.

- Você teve um E-N-C-O-N-T-R-O com o Irial? – eu disse incrédula.

- Não foi bem um encontro. – Moira disse, pela primeira vez na sua vida, sem graça.

- Pode ate não ser um encontro, mas quando a Moira ficou sabendo anteontem que o Irial queria falar com ela hoje de manha, ela teve um treco. – Celina cruzou os braços sob seu vestido branco com rosas vermelhas e sorriu pra mim. E eu percebi que ela estava tão divertida com essa situação como eu.

- Eu preciso de detalhes amiga. – eu disse olhando da Celina para a Moira, esperando que uma das duas me falassem alguma coisa.

- Ele não falou só comigo, infelizmente – Moira acrescentou, emburrada, olhando pra Celina – e nem sobre mim.
Eu a olhei confusa. Celina riu da expressão da Moira.

- Pra falar a verdade no outro dia o Irial falou que queria falar comigo e com a Moira - Celina descruzou os braços e encostou as duas mãos na grade no final da minha cama e me encarou – sobre você.

- Sobre mim?! – eu disse surpresa.

- É. Sobre você! – agora a Moira parecia mais feliz. Trocar o foco dela pra mim teve esse efeito – Claire eu não sei se fico mais chocada com o fato que um espectro conseguiu entrar no Instituto só pra matar você ou com o fato do Lucius fazer uma respiração boca-a-boca em você!

- Ou com o fato que você vai se mudar pro dormitório do Lucius – Celina completou.

- Ou isso! – Moira gesticulou para mim.

Eu olhei para as duas que pareciam esperar alguma explicação. Como se eu soubesse! Mas o pior não era isso. Cara, se elas sabiam disso, todo o Instituto sabia e se todo Instituto sabia, eu tava fodida. Droga!

- Eu não pedi por isso, ta bom! – eu disse na defensiva.

- Não pediu, mas ta adorando – Moira disse sorrindo e se recostando na cadeira.

- Não to não – eu disse afundando mais minhas costas na cabeceira da cama. – Dessa vez é diferente.

- Diferente? – Celina arqueou uma sobrancelha.

- Ela ta se referindo quando ela morava no orfanato, Celina – Moira olhava para Celina, divertida. – Era só ela chegar com aquele papinho ‘I see dead people’ e o Lucius, romanticamente, consolava ela.

- Aaaah. Diferente – disse como se não acreditasse em mim.

- Não é bem assim, ne Moira! – eu disse zangada. Papinho ‘I see dead people’, o cú dela.

- Ta, tanto faz. Agora raciocina comigo. Imagina acordar todos os dias sabendo que o deus grego, Lucius, ta bem no quarto ao lado.

- E não poder fazer nada. – eu acrescentei.

- Você sempre olhando pelo lado negativo, Claire.

Celina riu da nossa discussão, como sempre. E como sempre ignorou.

- Voltando o foco para o que interessa... – Celina tirou seus braços da grade e cruzou os braços novamente – O fato é que o Irial nós chamou pra avisar que soube através da Camille que você já tinha se recuperado e que devido os recentes ataques você ia mudar do nosso dormitório pro do Lucius, amanhã!

- Amanhã?! – eu disse novamente incrédula. Eu esperava pelo menos uma semana de preparação psicológica antes de ir pro outro dormitório e não amanhã. – Eu podia ter me afogado na piscina.

- Não fala assim, amiga – Moira disse fingindo estar ofendida – Esse é um jeito muito não-diva de morrer. Além do mais quem vai dançar ‘Single Ladies’ com a gente na festa de iniciação?

Eu revirei os olhos. Ela estava escutando Beyoncé de mais.

- Eu já disse que não vou dançar!

- Como se você tivesse escolha – Celina me disse debochadamente.





- Você tem certeza que não quer ajuda? – Jeremi deu ênfase no ‘certeza’ como se isso fosse mudar alguma coisa.

- Tenho Jeremi – eu disse com descrença – Você sabe como o Lucius é. Ele disse que não queria ninguém no quarto.

- É. Além de você, é claro – Jeremi disse sarcasticamente. Eu o encarei com uma expressão brava, como se dissesse ‘já-passou-da-hora-de-você-ir’, mas ele não entendeu a indireta.

Eu passei quase a tarde inteira carregando caixas, com a ajuda da Moira, Celina, Jeremi e o Sam, até o quarto quase-inexistente do Lucius. Mais o final da tarde descarregando tudo e arrumando o que dava pra arrumar. Agora só faltava a parte mais difícil: montar a cama e o quarda-roupa. E quando eu disse que essa parte o Lucius iria fazer todo mundo entendeu, pra falar a verdade, alguns até vibraram com a notícia. Mas não o Jeremi.

- Deixa a caixa aqui e vai embora Jeremi – eu disse brava.

-Ta bom... Ta bom. – Ele se abaixou do lado da porta e deixou a caixa com as partes da minha cama.

- Tchau, sua ingrata – ele disse todo ofendido. Eu rolei os olhos com essa declaração.

- Boa noite Jeremi – eu beijei seu rosto e fechei a porta do quarto. Eu pude ouvir os resmungos e passos fortes que o Jeremi dava. Ele me perdoaria amanhã, eu tinha certeza.

Encostei minha testa na porta e respirei. Eu to no dormitório do Lucius – eu pensei rapidamente. Dormitório não era bem a palavra certa pra definir onde o Lucius dormia. Durante toda minha estadia no Instituto eu nunca pensei onde o Lucius dormia, isso até a semana passada. Depois que os meninos entraram na enfermaria e me fizeram à visita, Sura veio oficializar minha mudança do outro dia. Ela já tinha explicado para os meninos que o Lucius dormia na parte inferior do Instituto, dentro da quadra das piscinas olímpicas. Especificamente no corredor lateral da quadra. Eu já tinha visto uma porta bem no fim do corredor, mas nunca imaginei que alguém vivesse ali. Mas a maior surpresa não foi essa.
Eu posso lembrar do rosto da Moira e da Celina claramente. Assim como eu elas ficaram admiradas com o lugar. A primeira parte tinha uma pequena sala com um sofá preta de couro sintético e uma televisão. Mais a frente uma banqueta de granito que separava a sala da mini-cozinha que ficava ali. Na cozinha tinha quase tudo: geladeira, cafeteira, microondas, uma pia e um fogão. O que me fez pensar se Lucius cozinhava, mas isso não importava naquele momento.
Ao lado tinha um pequeno corredor que dava pra três quartos: o primeiro era o banheiro, um era o quarto do Lucius e outro era um quarto vago, todo sujo e desarrumado. Bem esse era o meu quarto.
Eu suspirei novamente pensando em toda a bagunça que eu teria que arrumar até que o quarto ficasse do jeito que eu queria. Eu desencostei minha testa da porta dando graças a Deus do Jeremi ter ido, já me bastava ter que suportar o Lucius durante a arrumação do meu quarto.
E quando eu ia me virar...

- Expulsando as crianças do playground? – Lucius disse atrás de mim.

Eu pulei com o susto e tentei me afastar, mas ele me sustentou no lugar. Sua boca estava a centímetros do meu ouvido e sua mão estava em minha cintura, segurando levemente. Minha pele queimou sob sua mão e minha respiração acelerou. Eu tinha meus olhos fechados quando coloquei minha mão sobre a dele tentando o afastar. Algo se quebrou dentro de mim quando nossas mãos se encostaram e então ele se afastou. Eu me virei pra ele.

- Essa é a caixa? – ele perguntou rapidamente.

- An? – eu disse sem entender o que ele tinha dito.

- A caixa com a sua cama? – ele disse com um sorriso aparecendo em seu rosto.

Eu tinha entendido só a parte ‘sua cama’, mas mesmo assim eu assenti. Ele veio em minha direção me olhando duramente e ficou próximo, próximo de mais. Ele se abaixou e pegou a caixa. Então ele se afastou e foi em direção ao meu quarto com a minha cama. Deus, eu não ia aquentar muito disso!
Eu o segui insegura até o meu quarto e encostei o meu ombro no batente da porta com os braços cruzados e o observei. Ele usava uma daquelas calças de algodão branca solta e uma blusa preta que teimava a se ajustar a seu corpo. Eu me forcei a olhar em seu rosto. Ele tinha a mesma feição de antes, mas seu cabelo tinha crescido alguns centímetros. Ele olhou pra mim bem nesse momento.

- Vai me ajudar ou só vai ficar olhando? – disse com o ar de sério. Independentemente disso eu me senti corar. Droga! Eu odeio corar.

Ele baixou os olhos ao chão e riu disfarçadamente. Se ele estava tentando melhorar a situação, não estava funcionando. Ele voltou a olhar pra mim.

- Você quer que eu comece com a cama ou com o quarda-roupa?

Eu tentei me desvencilhar da idéia da cama, sem considerar o fato que eu tinha que dormir daqui a pouco.
- Com o quarda-roupa – eu disse mais como uma pergunta do que um a afirmativa. Ele assentiu em afirmativa.

- Qual das caixas? – ele perguntou ainda agachado.

- Aquelas ali. – eu apontei ao fundo do quarto onde ficaria meu quarda-roupa.

Ele se levantou e foi em direção à caixa. Eu sai da porta e o segui até ficar atrás dele. Ele se agachou e abriu uma das caixas. Seu corpo se enrijeceu e eu pude sentir que ele fechava seus punhos em volta de algo. Eu tentei ver o que era, mas suas costas eram grandes de mais para eu ver alguma. Eu encostei uma das minhas mãos espontaneamente em suas costas tentando me aproximar e ver o que era. Mas antes que eu pudesse ver ele se levantou e se virou tão rapidamente que eu nem pude ver. Ele segurou o pulso da mão que tinha o encostado e, infelizmente, era o mesmo que estava machucado. Na outra mão tinha o objeto que causava tanta raiva: a garrafa de água do Lucius. Merda!

- Foi você! – ele disse apertando o maxilar – Você pegou minha garrafa?

Depois que ele meio que gritou isso e apertou meu pulso de novo, não teve como eu mentir aqui.

- É só uma garrafa! – eu gritei de volta – Fazia parte de uma brincadeira...

-Você não tem noção do que faz, menina! – Ele se aproximou forçando meu pulso. Eu gemi sob seu aperto tentando não demonstrar medo e nem dor.

- Da próxima vez que você mexer nas minhas coisas... – ele soltou meu pulso em um empurrão e a garrafa em outro. E olhou fixamente para mim. – Não haverá próxima vez.

Ele disse isso mais pra si mesmo do que para mim. Eu tentei me desculpar, mas ele já tinha ido. Eu pude ouvir o som da porta de seu quarto ser fechada e então um surdo som de algo ser quebrado. Eu peço desculpa pra ele amanhã. Eu encarei o quarto. Ele estava tão sujo e desarrumado como antes. Eu vi a garrafa girar e se encostar no meu colchão que ainda estava no meio do quarto. Eu me deitei nele e olhei o teto. Eu não tinha montado nem minha cama e nem meu quarda-roupa, não tinha tomado banho e nem escovado os dentes. Eu considerei seriamente ir ao banheiro, mas passar na frente do quarto do Lucius não era uma opção. Não tinha outra hora pro Lucius brigar comigo, sei lá, depois de arrumar meu quarto, por exemplo.



Eu acordei vagarosamente, me espreguiçando e sentindo um gosto amargo na boca. Eu precisava tomar um banho urgentemente. Eu me sentei no colchão e passei as mãos no meu cabelo.

- A meu Deus – eu encarei o quarto que estava totalmente arrumado. Tudo. Quarda-roupa. Roupa dentro do quarda-roupa. Cama. Colchão em cima da cama. Eu em cima do colchão que estava... Enfim, tudo arrumado. Eu teria, além de pedir desculpa, que agradecer eternamente o Lucius pelo o que ele fez aqui.

Eu andei ate uma cadeira, que estava em uma escrivaninha perto da cama, e peguei minha toalha que estava lá. Eu já tinha deixado minha escova no banheiro, então...
Eu fui ao banheiro com minha toalha e observei que não tinha ninguém no dormitório. Entrei, escovei meus dentes e fui tomar banho.
De banho tomado eu me enxuguei e me enrolei na minha toalha. Eu preciso de um café – eu pensei sonolentamente. Eu andei até a cozinha mais dormindo que acordada e...

- Aí! – eu reclamei. Eu olhei o que eu tinha chutado acidentalmente e então... A.Meu.Deus!!!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Capítulo 6 - *Sangue:

- Você quase a matou! – a voz era grossa e estrondosa.

- Não foi minha culpa. – as palavras escorriam magoa e ódio.

- Não é isso que Gabriel ira pensar... – a voz variou mostrando seu total entendimento sobre o assunto.

- Ele que se foda! – a voz fina e feminina estava cheia de raiva – eu não mudarei minha decisão por causa dele. Ela ira morrer, independente que ele queira ou não.



******


- Aaaaah! – Eu senti meu coração acelerar e minhas mãos suarem. Eu me levantei pelo sobressalto e pelo medo. Me debate sobre a cama e tentei sair dali, mas mãos me seguraram e me impediram. Eu tentei me desvencilhar de suas mãos desesperadamente e me lançar fora da cama.

- Me solta! – meu grito ecoou pelo quarto – Me solta... – minha voz mudou e pude ver as lágrimas voltarem. – Não! Por Favor, não!


- Claire! – a voz soou forte e controlada – Olha pra mim – Mãos circundaram meu rosto e eu senti tudo dentro de mim se acalmar. Eu encarei seus olhos e o reconheci.

- Lucius – eu soletrei cada letra tentando me convencer de que ele realmente estava ali. Minhas expectativas estavam certas, logo eu o abracei e o apertei intensamente. Eu senti suas mãos se espalharem sobre minhas costas e me abraçar com a mesma intensidade que eu o abraçava. Ele respirou entre meus cabelos, mas não disse nada.




Eu senti um leve formigamento em meu braço esquerdo. Lentamente eu abri meus olhos tentando ajustá-los a fraca luz do quarto. A enfermaria. Eu poderia reconhecer aquele lugar em qualquer situação, afinal eu passei quase dois anos vivendo aqui. Suas paredes brancas e tons pastel eram inconfundíveis. Esse quarto era apenas uma parte da grande enfermaria. A parte inferior do Instituto era dividida em três partes: o ginásio, o pátio – que se interligava ao jardim externo – e a enfermaria. Ali tinha toda a parafernália que um hospital precisa, mas de um jeito mais compacto. Eu me lembro perfeitamente de todos os tubos e fios que se ligavam em mim quando eu acordei do coma, nesse exato lugar. Aquilo foi à coisa mais assustadora que eu já tinha visto e não pelo fato de me ver internada, sim pelo simples fato de eu me sentir tão perdida como agora.
Mas agora, para piorar, eu tinha sonhado com o Lucius, com uma época que tudo parecia se encaixar por mais que tudo estivesse errado. Era quando eu ainda vivia no orfanato e tudo em que eu poderia me segurar era na surreal idéia que um anjo cuidava de mim. Mas isso fazia parte do passado.
Dedos rolaram sobre meu antebraço. Eu encarei a figura que os faziam.

- Bianca!? O que você ta fazendo aqui? - minha voz soou acusadora.

- Bom dia pra você também! – Ela me disse calmamente.

Eu vi um lento sorriso surgir em seu rosto enquanto ela passava sua mão em meu rosto. Seus cabelos loiros brilhavam mesmo com a pouca luz do quarto, seus olhos tinham uma beleza diferente, eles eram de um azul-marinho e circundados por uma grossa linha negra. Por mais tempo que eu não a visse, eu podia reconhecer cada pequeno detalhe dela. Principalmente suas asas. Eu pude vê-las nitidamente do mesmo jeito que eu podia ver qualquer uma. Elas eram extremamente brancas, as penas se desvencilhavam pouco a pouco. Eu poderia tocá-las se elas fossem tão reais como eu as via, mas elas não eram. Esse era um dos males de ser um anjo na terra, elas estavam ali, mas não poderiam ser usadas. Uma fraca luz roxa se destacava em sua pele branca. Eu ri das lembranças que aquela fraca luz arroxeada me trazia.
Eu sempre pude vê-la, desde quando ainda vivíamos em São Joaquim em Santa Catarina. Foi ainda no orfanato que eu vi suas asas desabrocharem, elas eram tão pequenas quanto ela. Eu havia dito para madre superiora que minha irmã tinha se tornado um anjo, mas ela apenas me disse que todas nós éramos pequenos anjos. Ela não acreditou em mim da mesma forma que ela não acreditou quando eu disse que via monstros.
Eu vivi com Bianca por sete anos até ela ser ‘adotada’ e traga para o Instituto. Eu não poderia entender o porquê de sermos separadas na época, mas hoje eu entendia perfeitamente. Ela era um anjo e ainda por cima minha irmã.

- Eu pensei que você estaria ocupada com seu treinamento! – eu disse um pouco magoada.

- Eu tive que fazer uma exceção quando soube que minha irmã gêmea tinha quase morrido. – ela disse rindo. Eu apenas a encarei emburrada.

- Se isso é uma maneira de falar que você esta preocupada, você ta cinco meses atrasada.

Ela revirou os olhos e cruzou os braços.
- Claire, se é pra você fazer drama eu vou embora.

- Ta, desculpa. Eu fico um pouco mal humorada depois que alguém tenta me matar – eu disse sarcasticamente. Bianca balançou a cabeça e deu um riso abafado.

- Eu senti saudades de você – ela disse finalmente depois alguns minutos.

- Eu também – eu disse em resposta.

Toc Toc – A porta soou a nossa frente e foi aberta cuidadosamente. No pequeno vão que se formou entre a porta e a parede eu pude ver o rosto da Sura. Eu sorri involuntariamente.

- Eu posso entrar? – eu assenti em resposta.

Então ela abriu a porta rapidamente e entrou. Seus cabelos ruivos estavam volumosos e encaracolados. Seus olhos eram de um verde bem claro e ainda havia suas sardas. Ela representava ter no máximo uns 22 anos, mas eu sabia que ela tinha vivido muito mais que isso. Ela usava um vestido mula-manca comprido azul com detalhes verdes e uma sandália rasteira. E como sempre sem nenhum brinco ou maquiagem.
Ela sorriu para mim e então olhou para minha irmã.

- Bom dia Bianca – ela disse brevemente.

- Bom dia Sura – disse secamente.

- Eu espero não estar atrapalhando, mas eu gostaria de falar com a Claire a sós.

- Claro que não, fique a vontade. – Bianca se levantou de sua cadeira e então... Ela olhou para a pessoa que acabara de entrar no quarto e eu pude ver seu semblante se enrijecer. Houve uma pequena troca de olhares entre Bianca e Lucius.

- Bianca – ele disse ríspido.

- Lucius – ela disse no mesmo tom.

Eu olhei para as duas figuras que se confrontavam e pude notar que havia algo ali. Mas o quê?
Antes que pudesse perceber algo a mais ou falar qualquer coisa a respeito, Bianca se virou para mim.

- Minha hora de partir – ela me disse rindo se desvencilhando de toda aquela situação estranha – Semana que vem eu volto, Claire.

- Semana que vem?

- Eu sou uma pessoa ocupada, o que mais eu posso te dizer – ela disse enquanto me abraçava calorosamente. Alguns segundos depois ela beijou minha bochecha e desvencilhou do meu abraço.

- Então até semana que vem – eu disse com pouco animo.

- Até. – ela me disse isso e saiu do quarto se despedindo rapidamente de Sura e Lucius. Nesse exato momento eu pude ver a diferenciação de cores entre as asas da Bianca e da Sura. Bianca tinha suas asas brancas enquanto Sura tinha as suas negras. As asas eram tão diferentes que o contraste entra elas se tornou algo mais bonito. Anjos de nascimento e da morte. Cores que se diferenciavam e se completavam.

Bianca saiu do quarto, logo eu encarei as duas pessoas a minha frente. Sura ainda estava sorrindo enquanto caminhou em minha direção e sentou onde Bianca acabara de sentar. Já Lucius estava como sempre esteve. Misterioso, arrogante e definitivamente gostoso. Ele saiu do meio da sala e se recostou no batente da porta com os braços cruzados. Ele usava uma calça jeans azul um pouco surrada, uma camiseta cinza e um tênis. Eu voltei meus olhos para Sura.

- Posso ver que você já melhorou – ela me sorriu com segundas intenções. Se tinha uma pessoa que me conhecia tão bem era a Sura. E bem, não era tão difícil perceber porque eu olhava Lucius tão fixamente, mas eu não me culpava nem um pouco por isso.

-É. Acho que sim – disse um pouco sem graça. Lucius bufou ainda no batente da porta. Eu o encarei irritada. Cadê o cara que me salvou e disse que ia cuidar de mim? Idiota!

Sura olhou de mim para Lucius e riu.
- Eu acho que a notícia que eu vou dar vai ser bem interessante. – ela disse ainda sorrindo. Eu a encarei confusa.

- Eu acho que você se lembra que Lucius te salvou na piscina.

Eu assenti para ela. Logo ela continuou.

- Bem, eu também sei que você foi atacada por um espectro dentro do Instituto, Claire.

- Aham – eu confirmei.

- Se há algo indiscutível aqui é que você só sobreviveu devido a Lucius e a tatuagem – ela disse vagarosamente como se me preparasse para algo.

Eu não podia discordar dela. Pela décima vez Lucius tinha me salvado e isso me fazia me sentir pior, como se eu sempre estivesse em dívida com ele, como se sempre houvesse algo que nos interligasse. Já a tatuagem era outra história. Eu a havia recebido poucos dias depois de eu sofrer o acidente e entrar em coma. Ela foi à única coisa que manteve ligada nesse plano. Ela era linda com contornos grossos e espiralados. Um trisquel. Os principados só a recebiam no dia da sua formação, quando o seu treinamento tinha definitivamente terminado e fosse resignado a proteger seu anjo ou anjos. O trisquel é um símbolo com três braços girando em sentido contrário que simboliza a continuidade da vida e do crescimento espiritual, o fluir constante do físico, o mental e o espiritual. Era essa pequena tatuagem no pulso que faz os principados sobreviver pelo mesmo tempo que um anjo na terra, eternamente. Isso se não ocorresse algo, é claro. No meu caso era um pouco diferente. Ela não foi inteiramente impressa no meu pulso, o que significava que eu ainda não tinha vida eterna, mas também significava que eu era mais resistente que o resto.

Eu vi a Sura ficar mais séria e sua respiração ficar mais lenta. Agora eu tinha certeza que não era algo bom.

- Eu não posso mais negar que a situação piorou de alguns anos para cá e que por isso você foi traga para o Instituto, para sua segurança e pelo seu dom – ela disse segurando uma de minhas mãos – E eu não vou ser hipócrita com você, Claire. O seu dom é muito importante para o Instituto para ser perdido tão facilmente.

Ela apertou mais minha mão. E aí vinha a bomba!

- E é por isso que você vai ser protegida, o máximo de tempo possível, pelo Lucius e treinada por ele. E mais, você vai se mudar do seu dormitório para o dormitório do Lucius. – ela terminou me olhando fixamente, esperando minha reação.

Como assim eu vou me mudar pro dormitório do Lucius?! Eu encarei Lucius que ainda estava no batente da porta. Ele estava tão calmo e indiferente como antes. Pelo o jeito ele já sabia da notícia e estava adorando.

- Eu acho que essa não é uma boa decisão, Sura. – eu disse indignada.

- Isso não é um pedido, Claire. Isso é uma ordem minha e do conselho. – ela deu ênfase no conselho.

Colocando desse jeito não tinha muita coisa que eu pudesse fazer. Eu pensei como seria ótimo acordar com todo aquele bom humor do Lucius, a sua arrogância iria triplicar e eu poderia dizer que ele arranjaria formas diferentes e divertidas pra infernizar minha vida. Que maravilha!
Eu afundei minha cabeça mais um pouco no travesseiro e assenti.

- Eu acho que essa decisão é a mais sensata a se tomar mesmo, Sura – eu disse ironicamente. Ela riu, mas não comentou.

- As providências serão tomadas quando você sair da enfermaria e voltar a sua rotina – Sura riu divertida.

Eu olhei as fachas de gaze que estavam enrolados em volta do meu pulso e das minhas panturrilhas. Pela minha experiência eu sairia daqui no final da semana. Ótimo dia pra fazer uma mudança – eu pensei sarcasticamente.

- Acho melhor te deixar sozinha para você descansar e digerir as novas notícias – Sura me disse soltando minha mão e se levantando da cadeira. Eu sorri para ela com um sorriso forçado.

Fácil dizer! Eu não conseguiria descansar depois disso, não mesmo.

Sura beijou minha testa e se despediu. Eu vi seu calmo caminhar ate a porta e seu olhar para o Lucius, se despedindo silenciosamente. Ele olhou para Sura ate ela sair do quarto e sumir pelo corredor. Ele voltou seu olhar para mim e me encarou. Nesse instante meu coração acelerou e eu sabia muito bem que ele tinha percebido. Ele sorriu brevemente. Seus olhos desencontraram com os meus e logo ele começou a olhar todo o meu corpo que ainda estava sob o lençol, analisando. Eu senti algo dentro do meu corpo se esquentar. Ele sorriu abertamente e me encarou novamente. Eu ouvi um sussurro de um sorriso sair dos seus lábios.

- Eu não vejo à hora de ser seu colega de quarto, Claire.

E antes que eu pudesse dizer algo, ele saiu do quarto.

domingo, 18 de abril de 2010

Capítulo 5 - *Medos:

Eu olhei o relógio pela décima quinta vez. Seis horas. Bom, passar quatro horas em cima da minha cama não estava me fazendo muito bem. Eu me revirei em meu colchão e encarei a parede branca do dormitório. Eu revivi as imagens que ocorreram na quadra. Ele havia apertado meu braço como se eu tivesse realmente feito algo errado, olhou nos meus olhos e tentou me ferir intencionalmente, me humilhar. Você não! – ele tinha me dito em alto e bom som, para que todos ouvissem, todos me olhassem, então me julgou na frente de todos.
Eu fechei os olhos pesadamente e respirei profundamente. Ele realmente pensava que mandava em mim. Eu passei sete anos da minha vida dependendo dele, mas isso não significava que ele era dono dela. Durante minha vida no orfanato eu aprendi a conviver com tudo o que eu via e fingir que não estava ali, por mais difícil que aquilo fosse. Principalmente depois que minha irmã foi ‘adotada’, eu fiquei mais sozinha do que o normal. O peso das coisas ao meu redor tombaram sobre mim duplamente. Então ele apareceu. Eu posso relembrar essa lembrança perfeitamente: o parque coberto de neve, o banco de madeira branco, a inanimada gangorra vermelha e ele. Ele foi uma das visões mais bonitas que eu tive desde que eu pude ver além das outras pessoas, se não foi a única. As asas negras em destaque com a neve branca, suas unhas afiadas e, principalmente, seus olhos azuis. Foi a partir desse momento que ele entrou na minha vida e eu, incondicionalmente, deixei isso acontecer.
Olhei o relógio novamente. Seis horas e dez minutos. Eu calculei quantos minutos até eu trocar de roupa e chegar ao ginásio. Talvez mais dez minutos, no máximo quinze. Hora de colocar plano irritar-Lucius em ação.
Eu me levantei da cama rapidamente e me direcionei até o quarda-roupa que eu dividia com a Celina e com a Moira. Fiz uma anotação mental de fazer uma arrumação, mas isso, provavelmente, eu só faria semana que vem. Abri a porta lateral do quarda-roupa e abri a gaveta de calcinhas e sutiã, que nesse caso era só minha. E lá estava à parte essencial do plano, meu maiô. Cara, eu podia esquecer diariamente de pegar minha roupa de uniforme, mas nunca esqueceria de um maiô ou biquíni.
Desde que eu cheguei aqui e estive consciente de onde eu estava, a piscina era parte mais preciosa para mim, tanto fisicamente e mentalmente. Era o único lugar que eu podia colocar meus pensamentos em ordem. Agora fazia parte do um plano maléfico. Eu ri baixinho diante da minha infantilidade, mas, bem, se ele me tratava como uma criança, era uma criança que ele teria.
Eu tirei meu ‘lindo’ short preto e minha bata. Depois de tirar minha calcinha e meu sutiã eu vesti meu maiô preto. Ele era tomara-que-caia e sua parte inferior lembrava um shortizinho. Coloquei um vestido preto com detalhes florais brancos na barra e uma sandália rasteirinha. Penteei meus cabelos e o prendi em um rabo-de-cavalo. Me olhei no espelho. Eu acho que já é suficiente.
O relógio apitou atrás de mim. Seis e meia. Eu me olhei de novo no espelho. Bem, já estava na hora. Eu peguei minha bolsa que estava pendurada na cabeceira da minha cama e sai do quarto. Pude sentir o vento frio que bateu nas minhas pernas quando atravessei o jardim externo e entrei pela porta lateral do refeitório. Verifiquei se alguém havia saído da aula e já estivesse no salão, mesmo sabendo que a aula só terminaria às sete da noite e que Lucius nunca deixaria alguém sair antes disso. Avaliei o salão novamente só para ter certeza, a mesa de refeição ainda estava vazia, tendo se em vista que o jantar só seria servido as oito, as mesas de granito estavam mais negras já que as luzes ainda estavam apagadas e a porta que dava pro corredor do ginásio estava fechada.
Contei os ladrilhos marrom-acobreados ate chegar à porta, abri-a e a fechei rapidamente sem fazer barulho, continuei contando ate chegar à porta dupla. A encarei duramente. Não podia ficar pior do que... Bem, podia, mas foda-se!
Escancarei a porta lentamente e encarei a os alunos do treino. Alguns ainda estavam centrados em suas lutas e não perceberam que eu tinha aberto a porta, mas a maioria percebeu. Eu pude perceber que as duplas de treino pararam e me olharam abertamente. Alguns minutos depois todos já me olhavam. Alguns sussurros e risos á parte, eu vi como Celina e Moira me olhavam confusas, elas treinavam juntas então eu pude perceber o quanto cansadas e suadas elas estavam. Sam me olhava sério avaliando a situação. Jeremi se afastou de Juliana, que provavelmente era sua parceira nessa aula, e começou a andar em minha direção. Eu ergui minha mão esquerda e fiz sinal para que ele parasse. Ele obedeceu. Uma sombra escura se movimentou entre os alunos e então lá estava Lucius. Ele tinha passadas lentas e pesadas. Um canto de sua boca ergueu, mostrando um meio sorriso.

- Claire – ele disse enquanto caminhava em minha direção – Veio nos mostrar novamente como não se vestir para uma aula?

Uma das suas sobrancelhas se ergueu e seu sorriso aumentou. Eu tentei responder sua pergunta, mas ele me interrompeu.

- Infelizmente a aula já esta terminando, Claire. – Ele parou em minha frente e ficou sério. Eu senti toda a imensidão do seu corpo quando ele se aproximou, seu olhar duro e uma de suas mãos fechadas em punho. – Mas eu acho que você pode mostrar seu novo modelito lá no refeitório depois da aula.

Eu repensei em tudo em que eu estava fazendo e cheguei à conclusão que isso sim valeria a pena.

- Eu não sei o que você esta fazendo parado na minha frente, mas. . . – eu olhei em seus olhos e dei um passo à frente – eu estou indo pra piscina.
E como se ele não estivesse ali eu passei ao seu lado e... Ele segurou meu braço novamente, me relembrando a cena que vivenciamos mais cedo. Ele me puxou em sua direção e ficamos lado a lado. Eu o encarei e vi sua respiração ficar mais pesada.

- Eu acho que isso não é uma opção – Ele disse baixo para que só eu ouvisse.

- Infelizmente pra sua informação algum professor idiota me dispensou mais cedo da aula. E o que eu faço do meu tempo livre não é da sua conta. – eu puxei meu braço das suas mãos mais forte do que a última vez, mas não surtiu o efeito que eu queria.

- Eu discordo de você – ele apertou mais as mãos envolta do meu braço.

- Já eu acho que uma pessoa discordaria de você. A Sura não gostaria nem um pouco de saber que os treinadores estão interferindo no livre arbítrio dos alunos – eu puxei meu braço e lentamente me desfiz do seu aperto. Eu sabia que dessa vez, eu só consegui sair do perto dele por que ele deixou, mas eu havia tocado em um ponto delicado aqui, Sura. Ela havia sido resignada pra essa área, pra tomar conta do Instituto, por ordem do conselho. E, indiretamente, mexer com a Sura era mexer com o conselho.

Eu avancei diretamente em direção a parede de vidro que dava acesso às piscinas. Enquanto eu caminhava ate lá todos me olhavam, eu simplesmente aproveitei e andei lentamente até o vão que dava na piscina menor. Antes de eu chegar definitivamente à parede eu ouvi um assovio longo e uma salva de palmas. Eu sabia bem quem tinha sido o louco que fez isso. Moira.

Lá estava a imensa piscina. Eu a olhei e percebi, como toda às vezes eu percebia, que ela estava num azul anil-claro e que as divisórias que dividiam as raias não estavam lá. Felizmente eu também percebi que o aquecedor ainda estava ligado. Caminhei ate a borda e tirei minhas sandálias. Depois coloquei minha bolsa ao lado e tirei meu vestido. O frio me fez arrepiar, logo cruzei meus braços e tentei me esquentar. Olhei para trás, em direção ao vidro embaçado, e pude perceber que a aula havia acabado e que os alunos já estavam saindo da quadra. Celina e Moira possivelmente perceberam que nesse momento eu não estava muito a fim de conversar e não foram me ver. Fechei meus olhos e respirei fundo o ar frio que envolvia o local. Abri os olhos novamente e ajustei a escuridão que me cercava, tirando a luz que vinha da quadra ao lado. Sentei na beira da piscina e molhei meus pés na água morna. Como eu adorava este lugar. No próximo segundo eu me joguei na piscina e mergulhei, deixando tudo e todos para trás.


******


Eu absorvi a escuridão ao meu redor. A luz do ginásio ainda estava ligada, mas já havia escurecido muito pra eu ver alguma coisa além da água da piscina e a parede que separava o ginásio das piscinas. Eu mergulhei novamente e me recostei no fundo da piscina, contei os segundos segurando minha respiração e tentei me desligar de tudo que me cercava. Moira, Celina, Sam, Jeremi, Sura. . . Bianca e Lucius. Eu senti algo dentro de mim estremecer. Os pêlos da minha nuca se arrepiaram. E então uma agonia crescente se abrigou em mim. Eu senti essa sensação gélida continuar crescendo e me consumindo. Mau pressentimento. Eu abri os olhos ainda dentro da água. Um clarão me cegou e eu senti uma dor queimar meu pulso esquerdo. Eu submergi em busca de ar ainda sem poder enxergar nada. Uma pontada de medo começou a aparecer enquanto eu esperava desesperadamente que minha visão voltasse. Eu já tinha vivenciado isso e sabia que não era algo bom.
O desespero aumentou. Eu encarei a imagem que se formava a minha frente. Um espectro. Minha respiração ficou pesada e lenta. Eu pude sentir o medo afundar em mim e trazer varias sensações agonizantes. Eu busquei ar para meus pulmões, mas simplesmente nada vinha.
Eu observei novamente a criatura que estava a minha frente. Eu não precisava das aulas de filosofia pra saber como era um espectro. Ele estava vindo em minha direção com sua pele extremamente empalidecida e quebradiça, suas feições magras e mórbidas. Eu poderia contar as veias azuladas que surgiam em sua pele. Em suas mãos tinham unhas imensas e negras. Sangue, havia sangue nelas. Traços negros saiam de suas unhas e se uniam ate a parte inferior do seu pescoço, dali elas se perdiam e formavam mais veias azuis e pretas, que iam do seu pescoço ate sua cabeça calva. Seus olhos eram totalmente negros, sem pupila, íris, cílios ou pálpebras. Não havia nariz, apenas dois furos mal formados. E bem abaixo havia sua boca costurada com fios negros e pútridos. O voto de silêncio.
Espectros eram criaturas demoníacas que ficavam na terra como punição. Normalmente ninguém pode vê-los ou tocá-los. Em troca eles não poderiam nos machucar. Em alguns casos, dependendo da força demoníaca que os cercam, eles poderiam possuir um corpo humano, isso era o máximo que eles conseguiam. Mas isso era diferente com um Blind. Nós podíamos os ver, então, como penalidade, eles poderiam nós tocar, conseqüentemente, nos ferir.
A criatura deformada vinha em minha direção rapidamente, se arrastando sobre chão e se contorcendo em seu próprio eixo. Suas unhas negras agarravam o chão fortemente enquanto sua cabeça pendia em seu pescoço. Ele encarou meus olhos. Eu me senti tonta e débil. Não era hora para isso. Eu me debati na água tentando nadar ate a borda da piscina, mas sua dimensão era muito grande e ele era mais rápido que eu. Eu cheguei à beirada da piscina e tentei reunir forças em meus braços enquanto eu a subia. Mas não foi suficiente.
Uma dor inimaginável se alojou em minhas panturrilhas. Eu soltei um grito rouco e abafado. Algo me puxou para baixo e em questões de segundos eu estava em baixo da água novamente. Eu encarei o que estava me segurando. A criatura havia cravado suas unhas em minhas panturrilhas e estava me segurando ali. Eu vi seus olhos negros me observando e engolindo. Ele estava imóvel e me puxando mais e mais para o fundo da piscina. Ele enfiou mais suas unhas em mim. Eu soltei um grito agonizante e senti a água entrar em meus pulmões. Meu pulso queimou fortemente desta vez. A tatuagem.
Eu abri meus olhos e pude ver sangue se dissolver na água. Nesse instante eu soube que aquele era o meu sangue e que se eu não fizesse nada eu morreria.
Eu me debati sob seu aperto, mas nada aconteceu. Eu tentei subir a superfície, porém minhas forças estavam esvaindo. Eu engoli mais água durante esse processo. Meu corpo estava se cansando diante a dor e meu desespero. Eu senti algo ganhar espaço dentro de mim: desesperança. Eu fechei meus olhos e me deixei ir. Meus pensamentos estavam em um turbilhão até agora, mas então eu só consegui pensar em uma pessoa neste momento. Lucius.
Eu escutei um barulho fraco vindo de fora da piscina. Eu tentei abrir meus olhos e ver o que era, mas eu estava tão cansada. Outro barulho e então . . .
Eu senti minha pele sendo rasgada, mas não consegui reagir. Aquela sensação gélida foi diminuindo e pude sentir meus membros se entorpecerem. Algo puxou minha mão e eu me senti sendo levada por algo. Água bateu em meus calcanhares enquanto eu era retirada da piscina. O frio ar me acobertou e eu senti o chão enquanto eu era deitada nele. Algo apertou meu peito fortemente e então ar encheu meus pulmões. O procedimento foi repetido três vezes e água subiu em minha garganta. Eu tossia enquanto eu cuspia a água que estava nos meus pulmões no chão. Mas eu ainda não tinha forças para me sustentar naquela posição, logo eu me deitei novamente no chão frio.
Depois de voltar, à única coisa em que eu conseguia pensar era a dor que a minha panturrilha me causava e como meu pulso estava dolorido. Mãos envolveram meu corpo e eu me contorci diante a dor que golpeava meus sentidos. Meu pescoço e pernas foram sustentados, conseqüentemente eu envolvi meus braços em volta do pescoço dessa pessoa e a apertei em reprovação. Cada movimento que ele fazia enquanto me carregava fazia minha dor aumentar e afundar ainda mais minhas unhas em seu pescoço. Ele beijou minha testa rapidamente, mas suave.

- Shhh, Claire. Eu vou cuidar de você. – ele disso carinhosamente. Eu reconheci quem era antes mesmo de ele me falar isso. Ele havia me feito essa promessa várias vezes antes, e era sempre assim que eu me iludia. Ele era quem consumia meus pensamentos, até na hora em que eu estava a um passo de morrer.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Capítulo 4 - *Humilhações:

Eu observei a todos depois que eu terminei de contar minha pequena história. Não foi bem a reação que eu esperava. Eles estavam em uma espécie de transe temporário. Eu encarei a Moira que ainda estava em silêncio. Jeremi olhava o chão com um sorriso divertido no rosto. Ele parecia estar alheio ao mundo externo, como se pensasse em algo engraçado que só ele sabia. Típico do Jeremi. Então eu olhei para Celina e o Sam. Eles me encararam de volta.

- Por causa do cabelo? – Celina me perguntou meio aérea.

- Você ta no segundo nível, por causa do seu cabelo?! – Sam completou.

- Bem... eu acho que sim. – eu disse um pouco sem graça.

- Também não é o fim do mundo ficar no nível dois. Ta que o motivo é meio. . . burro, mas acontece – Jeremi interveio por mim – É como se fosse pra tirar a carteira de motorista, sabe, não passou só porque esqueceu de colocar o sinto de segurança ou quando...

- Ta eu entendi, Jeremi – eu disse um pouco impaciente. Ele não estava ajudando muito aqui.
Foi nesse momento que a Moira se expressou.

- Você ta no segundo nível porque esqueceu de prender seu cabelo em um coque!? – ela perguntou um pouco divertida e histérica.

- Moira, eu acho que respondi essa pergunta...
Eu vi a Moira se contorcer e soltar uma gargalhada. Uma gargalhada alta e estridente. Ela me olhou mais um pouco e riu mais.Grande amiga!

- Dá pra parar – eu disse envergonhada – ta todo mundo olhando, Moira.

Ela se forçou a parar. O que não adiantou muito, já que ela ainda soltava alguns risinhos.

- Eu vou ter que contar isso pra Juh – ela disse com a maior naturalidade – Claire, eu não sei se você é atrapalhada ou burra mesmo.

Ela disse se levantando e levando a bandeja de refeição com ela.

- Ainda bem que agora é treino, se não eu passaria mais duas horas curtindo da sua cara – ela bateu no meu braço. Eu a encarei enfurecida – Pra falar a verdade eu to quase com dó de você. Menina, o Lucius vão esfregar isso na sua cara, e de todo o Instituto, durante meses.

É. Eu sei disso.

- E aí, vocês vêm ou não? – Moira disse pra Celina e pro Sam. Eles ainda estavam olhando um pouco incrédulos para Moira. Eles assentiram e levantaram sem graça da mesa. Eles olharam pra mim e pro Jeremi e acenaram se despedindo.

- Até mais, Claire – Sam disse.

- Tchau amiga. – Celina me olhou com um pouco de dó.

- Tchau – eu disse sem graça.

-Ah! E boa sorte com Jeremi, Claire – Moira disse. Eu direcionei um olhar você-vai-ver-no-dormitório pra ela. E ela simplesmente riu.

Eles saíram de perto da mesa e foram pra porta que dava pro corredor. Diferente de mim e do Jeremi que estávamos a pouco tempo no instituto, Celina, Sam e Moira estavam há mais tempo e por isso estavam no nível quatro. Enquanto eles iam pro ginásio treinar com Lucius autodefesa, eu e Jeremi íamos a outra parte do Instituto treinar com espadas e instrumentos-pontudos-que-eu-não-sabia-o-nome.
Passado alguns segundos, Jeremi envolveu seus braços envolta dos meus ombros, tentando um tipo de abraço.

-Não liga pro que ela falou. – ele falou meio fanho. Eu olhei pra ele divertida. Jeremi era assim, sempre sem noção e engraçado, mas evidentemente nem um pouco burro. Ele me apertou mais um pouco aproveitando da situação. Eu bati em uma de suas mãos e empurrei seus braços pra longe.

- Eu acho que já ta na hora do nosso treino, Jeremi – eu disse segurando o riso.

-Você tem certeza disso? – ele me perguntou com cara de inocente – porque eu posso passar algum tempo te consolando, se você quiser.

Eu encarei mais alguns segundos pra ver se ele estava falando sério. Bem, pareci que sim. Eu me levantei e puxei um dos braços do Jeremi, o levantando também.

- Já basta eu estar no segundo nível por causa do meu cabelo. Eu não quero chegar atrasada no meu primeiro treino, Jeremi. –eu disse séria.

- Ta, eu já entendi. – ele disse aborrecido.
Ele segurou em minha mão e puxou pro lado da porta do corredor. Eu segurei em seu braço e andei, tentando seguir o seu ritmo. Só a alguns passos e eu teria o meu primeiro treino.


******


Eu encarei o mural pela décima vez.

Aula conjunta hoje no ginásio principal.

Lucius.


Eu e Jeremi passamos quase dez minutos no pátio externo, perto do jardim- onde sempre ocorriam as aulas de espada- até sermos informados que não haveria aula com Irial hoje e sim com o Lucius. E pior aula conjunto, com todos os níveis. Eu tive que olhar o mural de recados pra confirmar, o que fez eu e Jeremi atrasarmos para o treino.
Jeremi abriu a porta dupla com facilidade. Todos os olhares caíram sobre nós.Eu precisava urgentemente pegar minha roupa de treino. Eu senti o Jeremi se endurecer ao meu lado. Ele não parecia o tipo que se envergonha fácil - eu pensei.

- Eu só vou trocar de roupa – ele me disse antes de se virar e ir pro vestiário. Eu pude notar que ele olhou pro lado e meio que correu depois. Eu voltei a olhar pro meio do ginásio e . . . E lá estava o Lucius me encarando de novo. Agora eu sabia por que o Jeremi saiu correndo. Covarde.

- Claire – Nesse momento todo mundo olhou pra mim. Bendito short de malha! – Você poderia vir até aqui?

Eu pude ver a Moira cochichando com alguém e rindo. Até mesmo Sam e a Celina estavam rindo. Eu simplesmente não respondi e fui em direção a ele. Eu sabia que ele me humilharia agora. Bem, eu daria as duas faces pra isso. Eu cheguei ao centro do ginásio olhando fixamente o Lucius, ele apenas sorriu.

- Podem se sentar agora – ele disse. Eu olhei um pouco confusa pra ele, mas segui suas ordens. Antes que eu desse o segundo passo ele segurou meu braço.

-Você não! – ele foi curto e seco. Eu apenas olhei em seus olhos. Eu tentei sair do aperto das suas mãos, mas ele simplesmente me manteve ali. Eu olhei para os demais da sala, que pareciam tão confusos quanto eu.

- Observem bem esta iniciante – ele disse um pouco mais alto – Hoje no seu teste inicial ela além de se vestir assim – ele me olhou novamente e voltou a olhar a turma – não prendeu seu cabelo.

Eu franzi minha testa e o olhei novamente. Ele ainda segurava meu braço com força, parecendo um pouco nervoso e decepcionado. Eu voltei a olhar os outros e percebi que Jeremi voltava pra quadra já vestido. Jeremi parecia mais confuso do que eu. Eu baixei meus olhos tentando evitar as lagrimas que se juntavam.

- Você esta dispensada hoje, Claire. Pense melhor nos seus atos – Ele disse mais baixo para que só eu ouvisse. Eu puxei meu braço da sua mão e marchei até a porta do ginásio. Eu pude ouvir os sussurros depois que eu fechei a porta atrás de mim. O quê aquele imbecil pensava que ele era pra me tratar daquela forma?

Bem, ele não me trataria mais assim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Capítulo 3 - *Segredos:

Eu encarei a quadra vazia enquanto as palavras do Lucius ainda martelavam em minha cabeça. Da próxima vez, Claire, prenda seu cabelo em um coque. É mais seguro. O quanto idiota eu tinha sido. Eu poderia ser nível três ou até mesmo quatro se não fosse pelo meu maldito cabelo. Eu tinha visto, dia a dia, as meninas que tinham o cabelo mais longo prendendo-os fortemente em um coque, pra que isso que tinha acontecido comigo não acontecesse com elas.
Eu me sentei ao lado dos meus tênis e olhei o vazio enquanto as lagrimas embaraçavam minha vista. Imbecil, eu era uma imbecil. Eu tinha visto, tanto a Moira quanto a Celina, repetindo esse ritual todos os dias antes de sair do dormitório e mesmo assim eu tinha prendido meu cabelo em um rabo-de-cavalo. Talvez fosse pelo habito, eu pensei. Fora dali eu nunca tinha me preocupado com amarrar meu cabelo, pra falar a verdade eu odiava amarrá-lo. Enquanto eu vivia no orfanato a única preocupação que eu tinha era parecer normal, assim como as outras crianças. E o fato de deixar meus cabelos soltos me ajudava nisso, ajudava a esconder meus olhos e das coisas que eu via. Agora o simples ato de não prende-los me estava fazendo chorar.
Eu enxuguei minhas lagrimas e me dentei no chão frio tentando me desfazer desses sentimentos melancólicos. Pelo menos não foi tão ruim assim. Se eu continuasse assim talvez eu estivesse no nível quatro em pouco tempo. Eu poderia contar a Moira que tinha acertado o Lucius, ela iria pirar. E provavelmente rir por ter sido resignada ao nível dois por causa do meu cabelo. Ela riria ainda mais por eu estar no mesmo nível que o Jeremi. É, pelo menos seria mais engraçado passar um tempo com o Jeremi. Eu podia ver nitidamente o rosto da Celina de decepção. Não por minha causa e sim por ela mesma não ter me lembrado disso antes do teste. Pelo menos eles não estavam aqui pra ver isso. No dia em que Sura não tinha permitido nem a Celina e a Moira pra vir ao meu teste eu tinha ficado um pouco triste. Agora eu a idolatrava por não permitir as meninas de faltarem às aulas de filosofia.
Eu ri e me virei pro lado da parede de vidro que separava a quadra das piscinas olímpicas. Eu senti uma pequena dor atingir meu braço, então eu lembrei do chute que o Lucius tinha me dado. Isso demoraria no mínimo uma semana pra sarar e até lá eu estava sujeita a lembrar o que tinha ocorrido. Pensa pelo lado positivo - eu pensei ironicamente – você não precisa de um machucado pra lembrar dessa humilhação, o Lucius vai se encarregar disso diariamente durante os treinamentos. Eu sorri secamente ante esse pensamento.


******

- Claire... Claire. Oieee...
- Acorda Claire!

Eu ouvi uma voz nitidamente irritante que eu reconheci que era da Moira. Logo algo ou alguém balançou meus ombros.

- Claire, acordaaaa!

- Eu to acordada, porra! – eu disse sonolenta.

- Também não precisa xingar, Claire! – essa voz só podia ser da Céu.

- É, eu to percebendo mesmo. Agora da pra abrir os olhos, levantar e falar alguma coisa coerente. Alem de xingar, é claro. – Moira me disse me balançando mais ainda.

Eu me desvencilhei do aperto dela e me sentei. Me espreguicei e encarei os quatro principados que estavam a minha frente. Dois eu já tinha reconhecido antes mesmo de acordar, Moira e Celina. Os outros dois, bem, eram meio fácil de adivinhar. Jeremi estava vestindo uma blusa branca com gola em forma de v, um jeans azul-escuro e um all-star preto. Eu sorri pra ele quando ele me olhou, eu ainda teria que me acostumar com aquele sorriso ou com seu cabelo castanho-claro que teimava em ficar amaranhadamente lindo. Assim como a Celina, ele também tinha covinhas. Eu contive o riso. Ele era o tipo garotodosonhos, então era meio difícil não rir.
Eu olhei pro Sam, que estava de mãos dadas com a Céu. Ele estava com uma regata branca que destacava sua pele morena, usava calças pretas largas e uma havaina. Seu sorriso era ate mais bonito que o do Jeremi. Na primeira vez que eu os vi, eu me perguntei por que eles sempre eram tão lindos e peculiarmente cada um a sua maneira. As respostas vieram nas aulas de filosofia.
Cada Principado tinha um dom que fora dado por Deus durante suas gestações, suas mães foram tocadas por uma divindade que os concediam um dom. Com isso eles de certa forma ‘herdavam’ os dons dos anjos que suas mães foram tocadas, e conseqüentemente, essa beleza. Não se sabe muito alem disso, pelo menos o Instituto não nos fala muito sobre isso. A coisa mais importante que eles recitam é que cada Principado foi escolhido com um único objetivo: proteger as Dominações e a humanidade. Mas isso era decidido pelo próprio principado que aceitava ou não a condição de treinar e proteger seu anjo. Na maioria das vezes era difícil pro Instituto localizá-los e por isso éramos em tão pouco número.

Eu encarei a Moira com raiva.
- O que vocês estão fazendo aqui?

- A pergunta correta é: o que você ainda esta fazendo aqui? Não era pra nós nos encontrarmos no refeitório na hora do almoço?

- Acho que é meio obvio porque eu ainda estou aqui. Eu dormi. – eu disse pra Moira que me encarava com raiva. Ela arfou em exaspero. Eu encarei a Moira pela décima vez. Ela estava com raiva de mim? A única que tinha que estar com raiva aqui era eu.

Eu me levantei e olhei secamente.

-Ah! Agora lembrei o porquê deu estar aqui – eu disse e deu um beliscão no braço dela. Foi meio infantil, mas valei à pena.

- Ai! Você ta louca? – ela me olhou com reprovação.

Eu pude ver o sorriso crescer no rosto do Sam enquanto a Celina cruzava os braços e rolava os olhos.

- Dá pra parar com isso – o Jeremi disse meio rindo, meio sério – e vamos ao que importa.Como foi com o Lucius?

- É, como foi com o Lucius? – Celina repetiu ansiosa.

- Jeremi pode me dar os parabéns, por que eu sou sua nova colega de turma. – eu disse ironicamente.

Ele riu.
- Sério?

Eu assenti tristemente. Mas não foi bem a reação do Jeremi. Ele me abraçou e beijou minha bochecha. Enquanto o resto me olhava com certo desapontamento, ele ainda me abraçava. Ele me soltou e me olhou de cima a baixo.

- Como eu te amo agora – eu tive que sorrir com essa declaração – mas mesmo assim a gente vai ter que repassar umas dicas de moda. Eu posso ser um menino, mas tenho mais senso que você...

- Cala boca – eu disse tentando disfarçar o sorriso. Eu me soltei dele e calcei minhas meias e tênis. Depois fui em direção a porta do ginásio, passando pela Moira, Celina e Sam.

-Ei, espera ai, colega de turma – Jeremi gritou e me alcançou enquanto eu andava. Ele rodeou minha cintura com uma mão e andou ao meu lado. Eu pude ver que o resto fez o mesmo e nos seguiu.

- Ta, segundo nível, eu entendi – a Moira disse meio incrédula – Agora me diz como você ficou no mesmo nível do imprestável do Jeremi. Como? A gente treinou durante dois meses e eu posso comprovar que você é melhor que o Jeremi.

- Oooh, eu ainda to aqui – Jeremi disse ofendido e olhando de esguelha pra Moira.

-É, conte sobre os detalhes – a Celina disse agarrada no braço do Sam.
Sam riu e disse divertido:
- Precisamos de detalhes, Claire.

Eu rolei os olhos. Eu pensei na melhor forma de contar pra eles, mas não havia uma melhor forma. Passamos pelas salas e chegamos ao imenso refeitório que tinha no Instituto, mas conhecido como salão de festas. Normalmente era ali que ocorriam os eventos de iniciação e encerramento. E raros casos festas. Diariamente ele era conhecido por nós como refeitório mesmo.

- Agora eu preciso comer. – eu disse saindo do braço do Jeremi. Aqui foi uma forma clara de mudar de assunto, o que todo mundo percebeu, mas não adiantou muito. Eu pude sentir Celina e Moira me seguindo enquanto Jeremi e Sam se sentavam em alguma mesa. Diferente dos meninos que sabiam que de uma forma ou de outra eu teria que falar, as meninas não esperariam tanto. Bem eu não as culpo, já que eu faria o mesmo.
Eu peguei a bandeja e entrei na fila. Moira e Celina fizeram o mesmo.

- Eu preciso comer?! Sério? – Moira disse irritada.

Eu ignorei.

- Claire, o que aconteceu? – Céu disse toda preocupada. Eu tive que rir de toda aquela irritação e preocupação. Moira apenas me encarou. Celina bufou.

- Eu acho que agora eu posso falar pro Lucius quem pegou a garrafa de água dele – Céu disse. Eu e Moira a encaramos. Ela estava me chantageando? Eu a encarei por um tempo. É, ela estava.

-Eu só roubei aquela garrafa porque num sonho doentio de fraternidade eu tinha que realizar umas provinhas que vocês escolheram pra eu poder ser aceita no dormitório.

- E você acha que ele vai acreditar em você?

- E também, a gente te obrigou a fazer alguma coisa? – Moira falou entrando no joguinho da Céu.

Eu olhei pra duas, desconcertada.

- E talvez o Jeremi e o Sam queiram saber o que aconteceu com as cuecas deles. – eu retruquei.

- Fala baixo, Claire – Celina me reprovou – não foi à gente que roubou, foi você!

-E sou eu que as guardo na gaveta ou coloquei na escrivaninha do Irial só pra humilhar alguém, an? – eu disse um pouco mais alto.

- Pelo menos eu não guardo uma garrafa dentro do meu guarda-roupa e a idolatro toda noite antes de dormir! – Moira me disse mais irritada
Eu apertei os lábios e refleti que isso não ia chegar a lugar algum.

- Ta bom, eu conto, mas pelo menos eu posso colocar minha comida – eu sinalizei para fila que tinha crescido consideravelmente durante nossa discussãozinha.

Moira e Celina assentiram enquanto caminhavam pra colocar suas comidas assim como eu. Depois de colocar nossas comidas, eu procurei os meninos que estavam sentados em uma mesa no canto esquerdo do salão. Caminhei ate a mesa e sentei. Dois segundos depois as meninas se sentaram do meu lado.

- Pronto. Agora conta. – Jeremi falou todo animado.

Respirei fundo e expliquei tudo o que tinha acontecido.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Capítulo 2 - *Sentidos:

Lucius. Ele parecia o mesmo que eu vi há sete anos. Com uma única diferença: suas asas.
Elas não estavam mais no mesmo lugar, atrás da suas costas. Depois de vários anos vendo-as, não vê-las mais me fazia sentir agoniada e triste. Elas tinham um esplendor que eu nunca poderia descrever inteiramente, era como se tivesse vida e de uma forma diferente das outras. Desde que eu cheguei ao Instituto às únicas asas negras que tinha visto eram as da Sura e mesmo assim não eram como as do Lucius. Agora eu nunca mais poderia ver elas novamente.
As únicas explicações que eu tive sobre isso era que ele havia desistido da sua divindade para ficar e treinar no mundo humano. Treinar de uma forma ‘igual e justa’ entre humanos não me parecia à desculpa certa para o que ele tinha feito. Ele tinha desistido da sua forma angelical fazia três anos, o que me fez pensar que, indiretamente, eu estava ligada a sua escolha.
Eu encarei o chão tentando me livrar desses pensamentos, agora não era uma boa hora pra me lembrar do meu incidente. Eu ainda estava parada em frente à porta do ginásio esperando que ele me chamasse. Ele não me chamou.
Eu ouvi a porta atrás de mim ser aberta. Olhei para trás e encontrei Moira e Celina me encarando. Celina estava me olhando como se me incentivasse a seguir em frente. Eu sorri pra ela. Já Moira parecia impaciente, com seus olhos marrom-escuros me olhando e uma sobrancelha erguida. Foi nesse momento que eu percebi que talvez, eu estivesse muito tempo parada na frente da porta tendo meus devaneios. Eu ri sem graça e amaldiçoei aquela porta dupla por ter uma janela de observação.

- Pensa pelo lado positivo, Claire. Pelo menos você vai ter oportunidade de ter um ‘corpo-a-corpo’ com o Lucius. - Provavelmente a Moira percebeu no que eu estive pensando durante aquele tempo e me disse aquilo.
Eu senti meu rosto esquentar e a raiva se alojar em mim. Eu ainda vi Moira segurando o riso enquanto a Celina a cotovelava sem graça. Eu meditei seriamente em ir lá e socar ela, mas ai já era tarde de mais, elas já tinham fechado a porta. E mesmo assim eu ainda ouvia os risos da Moira atrás da porta. Aquela...

Eu apertei minhas mãos em punhos e fechei os olhos. Talvez ele não...
Eu me voltei para o centro do ginásio e o olhei. E lá estava ele. Ele usava uma calça de moletom cinza com rajadas negras na lateral, uma regata preta – que incondicionalmente deixava seus contornos mais visíveis sob a pele branca, principalmente seus braços – e como sempre estava descalço. Ele parecia mais alto e até mais presente nessa quadra vazia. Eu olhei em seu rosto e pude perceber o meio sorriso que ele direcionou pra mim. Eu apertei meus lábios.

Ta, como se ele realmente não pudesse ouvir o que a Moira tinha dito. Droga.


Mesmo desistindo da sua divindade, o ‘bônus’ que vinha com ela não tinham desaparecido. Ele ainda era tão rápido e tão forte quando ele tinha asas. Ainda tinha sua super audição e sabia lidar com uma espada como ninguém. Havia vários treinadores com as mesmas habilidades, como Irial, mas isso não os fazia como Lucius. Ele era o melhor entre eles, talvez por ser o mais velho ou talvez por ser igual a mim. Ou os dois.
Eu andei em sua direção sem desviar meu olhar do dele. Eu podia ver a pequena mancha marrom em seu olho esquerdo. Diferente de mim que tinha cada olho de uma cor, ele tinha apenas aquela pequena mancha marrom-avermelhada em seu olho azul. O que os humanos chamavam de heterocromia, o Instituto chamava nós de Blind.
O seu pequeno sorriso se desmanchou quando cheguei mais perto. Ele tinha os braços cruzados em suas costas e o olhar sério. Eu sabia o que ele estava tentando fazer aqui, me intimidar, mas isso não daria certo. Eu ergui minha cabeça mais um pouco e parei em frente a ele. O encarei, mostrando que não estava insegura ou com medo. Eu não daria esse gostinho a ele.
Ele arqueou uma das sobrancelhas quando percebeu minha intenção, mas não riu de mim ou tentou mostrar quão ingênua eu era. Apenas me encarou com indiferença. E era esse gesto que sempre me matava por dentro. Era como se tudo que eu vivenciei, o quanto tudo aquilo significava pra mim, não fizesse a menor diferença para ele. A raiva que eu senti quando Moira brincou comigo não era o triplo da que eu sentia agora.
Seus olhos se desviaram dos meus e eu o senti olhando toda a dimensão do meu corpo, me avaliando. Nesse momento eu não agüentei e olhei para o lado, envergonhada. Mesmo sabendo que ele estava olhando minhas roupas e não a mim, como eu sempre fazia com ele.
Eu me xinguei mentalmente por não ter tido tempo de pegar a roupa de treinamento. Invés disso eu estava vestida com a única roupa da Moira que servia em mim. Infelizmente as roupas da Celina não cabiam em mim. Eu vestia um short de malha preto, que para o padrão do treinamento poderia ser considerado curto, tendo em vista que todos os membros sempre treinavam com calças de poliéster. Usava uma bata bege, meus cabelos ainda estavam soltos até minha cintura e eu usava um sneaker verde e azul que eu peguei emprestado com o Jeremi, que impressionantemente usava o mesmo número que o meu, 36. Nesse momento eu era a discrição em pessoa.

- Preparada? – ele voltou a olhar em meus olhos.
Eu cogitei em dar à mesma resposta que eu dei pra Celina, mas eu pensei melhor. Eu apenas assenti com a cabeça. Ele, então, me deu um sorriso claramente forçado. Idiota.

- Pelo o avanço da sua recuperação, eu projetei um teste baseado no modo ataque-defesa. Eu espero que você esteja de acordo comigo. – ele me falou isso mais como uma ordem e não uma pergunta. Logo eu fiz o que estava no meu alcance e assenti novamente.

Depois de assentir eu tentei lembrar o que a Moira tinha me dito sobre os treinos e o que ‘modo ataque-defesa’ deveria significar para mim. Foi aí que a ficha caiu.

Droga, droga, DROGA!

Diferente de todos os novos membros que passavam pelo teste inicial, em que o novato atacava e demonstrava suas habilidades, preferencialmente em um boneco de luta e raramente com um treinador, eu teria que lutar com o Lucius. Simplificando, ele me atacava e eu tentava me defender e contra-atacar. Bom isso era literalmente um ‘corpo-a-corpo’ com o Lucius, o que me fez pensar se a brincadeirinha da Moira não tinha interferido na suas decisões.

Eu vou matar a Moira quando eu sair daqui, isso se eu sair. AH!


Eu me forcei a me acalmar. Não era como se eu esperasse menos do Lucius, era por isso que ele era sempre o mais temido nos testes iniciais. Ele sempre exigia mais do novato, pra falar a verdade de qualquer um. Mas isso era diferente. Ele sempre preferiu que o aluno demonstrasse suas habilidades nele ao invés do boneco, mas ele nunca revidava. O que seria diferente do que aconteceria comigo agora.

-Podemos começar? – ele me perguntou com toda arrogância do mundo.

- Claro. – eu respondi no mesmo tom.

Eu prendi meu cabelo, com a liguinha que estava em meu braço, em um rabo-de-cavalo e tirei meu tênis e meias enquanto Lucius apenas observava meu ritual de preparamento. Coloquei meu tênis no canto do segundo circulo que ficava no centro da quadra e voltei ao meu posicionamento inicial. Separei meus pés a uma certa distancia e posicionei meus punhos perto do meu rosto, em modo de defesa.E fiquei esperando que ele me atacasse.
Ele apenas me olhava com divertimento.
Esse filho da p... O primeiro golpe veio sem avisar. Ele tinha vindo rapidamente a minha frente e tentado me acertar na parte esquerda com a perna. Eu me esquivei e impedi o chute com o braço esquerdo. Prontamente ele me socou com o braço direito e eu me desvencilhei abaixando. Aproveitando minha posição eu tentei dar uma rasteira, mas ele pulou facilmente e me acertou com o pé. Eu caí, porém levantei e tentei acertar sua barriga com um soco, o que ele impediu segurando minha mão e me puxando para ele. Nossos corpos se encaixaram e então ele tentou torcer meu braço e atá-lo as minhas costas. Eu desviei em um giro e o chutei na parte esquerda do tórax. Eu o acertei,
mas isso não o afetou. De repente ele estava do meu lado e então... Eu senti meu couro cabeludo queimar e meu pescoço arquear de dor, eu soltei um gemido e caí no chão. O próximo golpe foi para me mobilizar. Ele segurou minha duas mãos acima da minha cabeça e atou minhas pernas com o peso das suas. Ele me encarou e sorriu. Eu me mexi debaixo dele tentando escapar, mas não deu muito certo.

- Um... - Ele estava contando?! – Dois... Três... – Imbecil. Eu me debati mais tentando afrouxar seu aperto, mas isso só piorou - quatro... – Ele apertou mais minhas mãos – cinco.

Ele soltou minhas mãos e saiu de cima de mim. Eu senti algo queimar dentro de mim: humilhação e raiva. Eu me levantei rapidamente tentando disfarçar minha raiva, o que não foi fácil. Dessa vez eu cruzei meus braços atrás das minhas costas e esperei sua avaliação. Ele ainda me olhava com um sorriso no rosto, indiferente. Eu podia ver que ele estava contando o ritmo da minha respiração e avaliando meu autocontrole. Mais uma vez eu me forcei a me conter e parecer tão indiferente quanto ele. Lucius deu dois passos em minha direção e se aproximou. O que me fez levantar mais o rosto, comprovando o quanto mais alto que ele era de mim. Ele sibilou um sorriso maior.

- Nível dois. – ele se virou e se afastou. Eu o vi abaixando em um lado do circulo e pegando sua garrafa de água. Ele poderia não ser tão humano, mas ainda tinha suas desvantagens.

Eu o olhei fixamente e demonstrei meu descontentamento com sua decisão. Minha boca abriu e minhas mãos se ergueram lhe mostrando que eu não havia entendido sua conclusão. Eu esperava no mínimo o nível três.

Eu não tinha acertado ele?Isso não conta?

- Nível dois?! – eu perguntei incrédula.

- Talvez você tenha razão, Claire. Eu acho que me precipitei. Talvez o nível um seja a melhor opção.

Ele estava diminuindo meu nível? Dentro do Instituto havia cinco níveis de treinamento, o que demonstrava o quanto cada um estava apto para proteger sua Dominação, ou no termo mais usual, anjo. Indiferentemente de cada nível, uma pessoa poderia passar alguns meses ou anos em cada nível, isso só dependeria do desenvolvimento de cada. Em alguns casos, mesmo se chegando ao ultimo nível a pessoa não era destinado a proteger um anjo, isso só ocorria pela falta de aptidão ou comprometimento ou ate mesmo pela própria escolha do Principado, o que raramente acontecia.

- Não, nível dois esta ótimo – eu disse sarcasticamente.

- Claro que esta. – ele disse sério e então se virou e andou em direção a porta do ginásio.

Mas antes de sair da quadra, ele se virou e disse:

- Da próxima vez, Claire, prenda seu cabelo em um coque. É mais seguro.
Ele se virou e me deixou sozinha na quadra.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Capítulo 1 - *Laços:

Tudo havia mudado desde a ultima vez que eu o vi. Agora eu ia encará-lo novamente, mas de uma forma diferente. Eu me perguntava diariamente como aquilo havia acontecido e o por que. Tudo que via ou ouvia parecia fazer mais sentido agora, mas mesmo assim não fazia com que parecesse normal. Normal seria a ultima coisa que eu empregaria aqui.

- E aí, preparada?! – Celina me perguntou com preocupação.
No pouco tempo em que eu morava aqui Celina e Moira eram as únicas que não me encaravam com estranhamento. Eu ainda tinha um pouco de dificuldade de olhá-la sem me sentir confortável. Celina era o tipo de menina que irradiava ternura, com aquelas covinhas e seus olhos que sempre parecia sorrir me.

- Super! Eu e minha perna quebrada não víamos a hora. - eu disso em tom irônico.
Desde que eu sofri o acidente, ou melhor, minha primeira tentativa de assassinato, tudo parecia estar meio fora do lugar. Principalmente minha perna que tinha se quebrado em duas partes, pra ser mais exata.

- Pára de fazer drama, Claire! Já faz dois meses que sua perna sarou.

Essa era a Moira, sempre doce e compreensível. Eu a olhei por um momento com cara de espanto e fingindo me ofendida. Ela rolou os olhos.

- Se você ta dizendo – eu levantei as duas mãos teatralmente.

Celina desconsiderou todo o nosso teatrinho e continuou:

- Claire, eu não acreditei quando a Moira me disse que você tinha pegado o Lucius pro seu teste.
Nem eu - eu acrescentei mentalmente.

- É - eu disse com pouco animo.
Eu pensei sobre tudo que eu tinha passado e como tudo tinha acontecido, e irrefutavelmente Lucius sempre esteve envolvido. Agora, novamente, eu teria que encará-lo. E pior, eu teria que lutar com ele.

- Ta aí uma coisa que me faz acordar às oito horas da manha. – Moira me disse com um sorriso malicioso no rosto.
Ela tinha passado à semana inteira falando como seria terrível eu encarar o Lucius e como isso seria divertido. Mesmo que ela não pudesse estar lá pra ver.
Eu semicerrei os olhos. Que maravilha! Humilhação social era tudo o que eu mais queria pro café da manha.

- Talvez não seja tão ruim assim – eu disse. Mesmo sabendo que isso nunca seria verdade.

Moira riu:
- A ta. Vai nessa, vai.

- É melhor não subestimar o Lucius, Claire - Celina tentou suavizar as palavras da Moira.

Normalmente eu brincaria com elas pelo puto ‘apoio e credibilidade’ que elas estavam me dando, mas nesse caso eu sabia que elas estavam certas.
Nós andamos mais um pouco até o fim do corredor estreito e paramos em frente à porta do ginásio. A porta dupla parecia ser a única coisa aqui que não era do século XIII, pra falar a verdade o ginásio era a única parte do Instituto que não foi reformado e sim construído, com o objetivo de treinar os novos membros do Instituto.
Eu olhei novamente as portas. Assim como eu, as meninas ficaram em silêncio. Elas sabiam da responsabilidade que havia atrás dessa porta e como isso afetaria minha vida por aqui em diante. Eu respirei profundamente tentado afastar os maus pensamentos e relaxar. Bem, não deu muito certo.
Celina tocou meu braço suavemente tentado chamar minha atenção. Demorou alguns segundos até eu voltar à realidade e me virar para ela.

Ela me abraçou rapidamente e pegou em minhas mãos pra me reconfortar. Eu pude sentir através das suas mãos geladas e molhadas que ela estava tão preocupada e ansiosa como eu.
- Boa sorte, Claire. – ela disse ainda segurando minhas mãos.

- Obrigada, Céu. – a encarei mais um pouco e soltei minhas mãos das dela. Me virei pra Moira e observei como ela tentava parecer despreocupada e segura de si. E então ela me disse só o que ela poderia me dizer.

- Que sorte!? Sorte é para os fracos. Entra lá e acaba com ele.
E eu só fiz o que eu poderia fazer, eu ri.

Se fosse assim tão fácil.

Eu a abracei mesmo sabendo que ela reprovava o gesto. Como sempre eu estava exagerando tudo. Não era como se essa situação fosse vida ou morte.
Era só um teste afinal – eu tentei me acalmar. Então, porque eu me sentia tão desamparada?
Soltei-me dos braços de Moira e abri a porta dupla lentamente. E lá estava a resposta da minha pergunta. Lucius.

*Goodnight, Travel Well – The Killers.


E tudo que fica entre a libertação da alma
Essa carne e ossos temporários
E saber que está acabado agora
Eu sinto minha enfraquecida mente começar a perambular
Toda vez que você cai, e toda vez que você tenta
Todo sonho bobo, e toda compromisso
Cada palavra que você falou, e tudo o que você disse
Tudo o que você me deixou, vagueia em minha cabeça

E não há nada que possa falar
Não há nada que possamos fazer agora
E não há nada que possa falar
Não há nada que possamos fazer agora.


Introdução - *Lucius(Passos):

*Lucius(Passos):

Ele era consciente da presença de alguém no quarto. E sabia bem quem era. Seu cheiro agridoce do xampu, os passos fracos e alargados da sua sapatilha, o suave mexer dos lábios a cada passo que dava em sua direção. Mas ele não deixaria que ela percebesse que ele estava acordado. Ele queria saber qual seria o seu próximo passo.

Ele sentiu sua hesitação a beira da cama, cheirou seu medo, próxima demais - ele pressentiu. Mas já era tarde.

Ela se afundou em seu colchão, em cima do seu lençol, ao lado dele em um movimento lento e calculado. Ela quebrou distância com poucos movimentos. Primeiro suas pernas se encaixaram perfeitamente com as deles, mas sem se encostarem. Depois seu ventre de lado se contrapôs a sua barriga de bruços. E por ultimo sua face esquerda encostou no travesseiro dele para encará-lo.

Sua posição fez com que sua presença ficasse mais real para ele. A essência dela ia alem do agridoce, vinha com cheiro leve e marcante ao mesmo tempo – cheiro de tulipas, as flores que ela tanto gostava agora estava dentro dele, marcando e ferindo-o. Ele também podia sentir seus estranhos olhos cravando-se nele, estudando-o, comendo-o. Aqueles estranhos olhos azuis – apenas quem tivesse o privilegio de contemplá-los poderia notar a diferenciação das cores.

Mas o que o matava era o roçar dos longos cabelos negros dela na palma da sua mão, movimento simples e sem intenção, que o queimava sob a pele. Porém não mais do que ela fez em seguida.

Ela se afundou um pouco mais nele. Afundou uma das suas mãos no curto cabelo dele. Parecia contar os curtos tocos de seu cabelo raspado. Acariciava seu rosto com o movimento circular do pequeno polegar dela. Passava suavemente seu polegar sobre o lábio inferior dele, provocando-os mutuamente.

Ela captava cada pedaço dele e ele necessitava de cada pedaço dela. Ela sentiu o peso da necessidade de ambos, ela precisava de mais.

Os dedos dela tremulavam quando escorregaram do alto da cabeça dele até sua nuca. Seu polegar acariciou o lóbulo da orelha dele. Ele estremeceu por dentro. O medo pulsou dentro dela, mas, então, ela fechou os olhos.

Ele sentiu sua aproximação, mas o êxtase o impediu de reagir. Ela se aproximou timidamente, com medo e hesitação. Apertou sua mão na nuca dele um pouco mais para que ele não fugisse mais. E o beijou.

Roçou seus lábios no dele como se experimentasse a pequena sensação do primeiro beijo. Sugou seu lábio inferior levemente com medo que o momento se quebrasse. Ele abriu a boca em instinto, ela aceitou como um convite. Ela o puxou para si um pouco mais, encaixou suas pernas as deles em movimento inconsciente. Beijou novamente seu lábio inferior mais fugaz. Ele retribuiu de forma suave. Isso a assustou.

Ela percebeu sua total consciência e se assustou. O medo cresceu dentro dela. Medo e confusão. Ela se desvencilhou dos braços dele e tentou escapar do quarto, mas já era tarde. Ele intercedeu antes mesmo que ela saísse da cama. Agarrou o seu pulso e a puxou para si. Ele ouviu claramente o grito abafado dela antes de atá-la embaixo dele.

Ele ainda segurava seus pulsos enquanto a encarava. Seu frágil corpo encaixava perfeitamente em baixo do dele. Seus olhos estavam grandes – cheios de medo e surpresa – ela não se debatia, nem se movia, apenas o encarava de volta. Sua respiração estava irregular e arrítmica. Ele sofreu em vê-la assim, mas não hesitou.

Ele se aproximou lentamente do rosto dela ate que ficassem a centímetros um do outro. Ela abriu a boca em instinto. Ele pode sentir o hálito quente que saia da boca dela. Encarou aqueles lábios por 5 segundos antes de encarar seus imensos olhos azuis. Ambos se perderam esperando palavras que não foram ditas.

Lucius encarou Claire por mais 2 minutos tentando entender o porquê desta situação. Não achou respostas, então se encheu de raiva. Raiva e dor o cegaram por um momento e o fizeram apertar os pulsos de Claire. Claire arfou de dor, mas não respondeu o ato. Ele ainda estava a poucos centímetros dela quando disse:

- Sai do meu quarto! AGORA!

Ela desviou seus olhos dos dele. A magoa e a dor não a deixava o olhar. Ela sentiu seus olhos se encheram de lagrimas. Ela saiu do quarto antes que ele as visse escorrerem.