quarta-feira, 23 de junho de 2010

Capítulo 20 - * Dor, Arrependimentos e Rancores:

Eu avistei o corredor escuro e me senti encolher ao encará-lo. O efeito da tequila ainda estava em mim. Meus pés tropeçaram durante meu caminho ate o dormitório e minha visão não era das melhores também. Eu tive que me apoiar algumas vezes até que tudo parasse de rodar e me sentir segura para continuar. Meus lábios ainda continuavam inchados devido ao beijo que Victor tinha me dado. Eu me peguei sorrindo ao lembrar o que tinha acontecido. Eu ainda me sentia com raiva e frustrada por ele me esconder coisas, mas ele não era o maior culpado dessa história. Olhei a caixa na minha mão e pensei sobre o que ela continha. A adaga. Isso me trouxe a imagem de Lucius e Luisa. Eu não tinha visto nada. Nem ao menos ouvido nada. Apenas o simples fato de ver suas pernas trançadas, os pés suspensos e o silêncio repentino. Ele tinha se perdido por alguns minutos na boca dela e eu o assisti se afastar um pouco mais. Então eu o empurrei mais um pouco no abismo que nossa relação tinha se tornado. Eu não sei o que vai acontecer quando disser minhas palavras. Eu nem sei o que vou dizer. As conseqüências delas eram menos previsíveis ainda. Eu conhecia Lucius. Eu o conhecia bem de mais. Ele se escondia sob uma casca grossa e funda de arrependimentos, culpas, rancores, dor, presunção, arrogância, soberba e orgulho. Ele aparenta ser forte. Ele é forte. Mas de perto, as poucas pessoas que ele permitia chegar perto, poderia ver as pequenas rachaduras, as frestas que se poderia ver o quão profundo ele era. Os medos que ele tinha, as virtudes, seus sonhos, sua proteção, sua felicidade rara, seus acertos, seus erros, seu carinho exacerbado e o mais importante, o amor que ele cultivava pelos poucos amigos que o cercavam. Foi por esse homem que eu me apaixonei. Mas ocorreu algo, que eu não me lembro, que mudou tudo isso. Ele se fechou novamente para mim. Não me via como a garotinha inocente do orfanato. Ele me via como mais alguém que poderia o machucar de novo, direta ou indiretamente, através da casca invisível que ele projetou. Diferente dele, eu era uma pessoa aberta. Eu me entregava ao que sentia sem medo do que aconteceria a mim. Então quando algum sentimento me atingia, ele me engolia por inteiro. Mas dessa vez eu estava sofrendo mais do que sendo feliz. Antigamente as feridas cicatrizavam, agora elas se repetiam, me machucam, não me dando tempo de curá-las. Eu tinha duas opções. Ou as deixavam me engoliram ou fingia para mim mesma que isso não importava. Eu escolhi a última opção. Meus pensamentos me levaram até a porta do dormitório, sem ao menos perceber. Senti lágrimas em meus olhos e me xinguei mentalmente. Enxuguei meus olhos com as costas da minha mão e encarei a porta, que parecia meio nublada. Eu seria mais uma pessoa que o encheria de dor, arrependimentos e rancores. Com essa certeza em mente eu abri a porta. A luz da sala estava acesa, revelando bem as feições de Lucius. Ele estava no sofá preto, deitado, os olhos atentos ao livro a sua frente, uma mão o segurava e o outro braço estendido relaxadamente sobre sua barriga, sem camisa, enquanto uma perna se encolhia no sofá pequeno, a outra estava dobrada, franzindo sua calça branca de algodão. Ele parecia realmente prestar atenção no livro. Não me notou nem quando adentrei a sala. Fechei a porta e ele continuou a ler. Olhei novamente para ele. A pele clara, algumas pequenas cicatrizes em seu abdômen, as pernas grossas sob o tecido folgado, o nariz afilado, seus olhos azuis na penumbra, as mãos grandes, sua boca mediana. Flashes da semana interior vieram a minha mente.

Ele me olhou com olhos furiosos. Eu senti medo, um medo que eu não poderia descrever. Não dele, mas de mim. Medo do que poderia fazer com ele tão perto, medo do que poderia falar. As palavras estavam ali. Todo esse tempo. Eu poderia falar para ele que eu sabia... Sabia que ele tinha caído por mim. Meu medo aumentou. Ele confirmaria. É claro que ele confirmaria! É tudo minha culpa. Então tudo desmoronaria. Eu saberia que tudo era minha culpa. Que ele era infeliz assim por minha causa. Que ele tinha desistido das suas crenças na única esperança de me ter. E que nesses últimos meses a única coisa que eu fiz foi culpá-lo pelos meus próprios erros. Ele ajoelhou na minha frente com olhos em agonia, espelhando os meus. Seus braços foram lentamente me envolvendo, me acolhendo. A pouca coragem que eu tinha se foi. Eu não falaria para ele agora, não agora. Deixei-me ser guiada por suas mãos e afagos. Ele moldou meu corpo ao seu e eu me deixei ir. Deitada sobre seu torço era como se tudo tivesse desaparecido. Um único sentimento prevaleceu. Culpa*.

- Desculpa. Desculpa Lucius – foram as únicas coisas que eu consegui falar - É tudo minha culpa. Eu não deveria estar aqui.

Ele apertou os fios dos meus cabelos como se compartilhasse a dor. Uma de suas mãos me apertou mais contra ele e me vi deitar mais sobre ele. Eu ouvia nitidamente seu coração bater, forte e acelerado. Ele passou sua mão sobre meu rosto, limpando as lágrimas, deixando um caminho terno no processo. Isso me consolou. Fechei meus olhos. Sua mão deslizou do meu ombro ate meu rosto, me segurando. Senti seus lábios sobre minha testa e me agarrei mais a ele. Beijou a ponta do meu nariz. Uma nostalgia morna me envolveu. Ele fazia isso ainda quando era pequena. Sorri involuntariamente ainda com os olhos fechados. A mão sobre minhas costas desceu mais e me puxou mais ao seu encontro. Minha mão espalmou sobre seu peito. Senti algo quente irradiar onde o tocava e me invadir. Beijou minha bochecha. Minhas unhas o arranharam lentamente pedindo por mais. Passou sua mão sobre meu rosto tirando as lágrimas que ainda estavam ali. Beijou meu queixo, o que me deixou um pouco desconcertada, percebendo o caminho que sua boca trilhava. Beijou calmamente meu pescoço, um leve chupão. Senti uma estranha necessidade se alastrar por mim, me fazendo arrepiar. Sua mão ajustou sobre meu ombro me trazendo mais para ele. Sua boca encontrou a volta do meu seio, deixando que sua língua deslizasse pelo local. Apertei sua nuca, afundando minhas unhas, implorando que continuasse. Como se brincasse comigo ele parou, deslizou sua língua até o vão do meu pescoço, abriu a boca e o sugou. Senti todas as barreiras sendo derrubadas. Deslizou sua boca sob minha pele e chegou a minha orelha. Ele soprou o ar quente e arrítmico da sua boca em minha pele. Senti sua aproximação e senti meu coração bater mais rápido. Mordeu, como uma tortura lenta, o lóbulo da minha orelha, fazendo todo o meu corpo se retesar de prazer. Eu preciso de mais... “Lucius”. Eu deixei seu nome escapar entre meus lábios. Ele se afastou repentinamente me fazendo imaginar o que ele faria em seguida. Mas não fez. Abri meus olhos para encontrar os seus me encarando. Eu nunca me acostumaria com aquele tom azul. Ele desceu sua boca a minha em um processo lento, ainda me olhando nos olhos. Eu senti todo aquele sentimento, todo o meu amor por ele, me invadir apenas com seu olhar. Ainda o olhava quando beijou o canto da minha boca, me provocando. Fechei meus olhos quando senti sua língua passar sobre meu lábio inferior e o morder. Abri minha boca ligeiramente e senti sua lingua me invadir. Um beijo lento. Ele não aquentou tanto quanto eu. Passou sua mão dos meus ombros para meu cabelo e forçou minha cabeça para trás fazendo minha boca se abrir mais. Sua língua invadiu mais minha boca e colidiu com a minha. Transformando o beijo mais profundo e sagaz. Enquanto isso, com a mesma mão que tinha puxado meu cabelo, ele a deslizou sobre minha blusa chegando ao ponto em que minha barriga não estava coberta. Passou seus dedos sobre minha pele, enquanto ainda me beijava, e a deslizou ate o pequeno espaço que minha calça jeans permitia. Senti meu corpo reagir, me arqueei querendo mais. Arrepios me dominaram. Sua mão vagou mais um pouco perto agora do zíper, mas por baixo do tecido. Tirei minha boca da dele involuntariamente e sussurrei o ar. Ele se aproveitou e baixou sua boca em meu pescoço, o chupando lentamente enquanto sua mão voltava para minha cintura. Apertei em reprovação com que ele acabara de fazer e em resposta subiu sua mão passando por toda a extensão da minha blusa até chegar a meu seio. Sugou meu pescoço ao mesmo tempo em que apertava meu seio. Os arrepios voltaram, dessa vez mais forte. Foi descendo delicadamente sua boca ate o meu colo e o beijou. Foi ate meus ombros e beijou a ferida que fora deixada a mostra pela blusa. Apertei seu pescoço querendo que voltasse a me beijar. Tentei guiá-lo novamente ate minha boca, mas ele não o fez. Eu podia sentir seus olhos em mim, me averiguando, mas eu me neguei a abrir os olhos. Subiu a tecido da minha blusa vagarosamente, apreciando cada momento. Espalmou sua mão contra minha barriga e deixou que ela se perdesse ali. Quando percebi que sua mão aproximava do meu sutiã senti meu corpo sofrer espasmos. Soltei todo ar que prendia em meus pulmões e senti a boca de Lucius voltar a minha. O beijo foi mais lento enquanto ele ainda passava a mão em minha cintura, aproveitando a pequena vantagem de eu estar quase seminua. Mas eu não deixaria essa pequena desvantagem para mim. Parei o beijo. Minhas mãos foram ate a barra da sua blusa, ainda de joelhos a sua frente, e comecei a subi-la. Seus olhos estavam em mim em todo processo. Ele me ajudou a tirá-la de seu ombro e a jogou ao seu lado. Ele me olhou com duvida e medo, eu já não raciocinava mais. Coloquei minhas mãos em seu pescoço e o puxei para mim. O beijei. Com paixão. Desejo. Amor. Louca por mais. Senti meu lábio inchar ainda sob os seus devido à força do beijo. Com uma mão ainda sobre seu pescoço, eu deslizei a outra em seu torço. O beijei, mas sem perder a concentração com que fazia com minha mão. Deixei que ela apertasse levemente o seu peito, o sentindo arfar entre nossos beijos. Desci mais sentindo meus dedos moldar seu abdômen definido. Por último arrastei minhas unhas sobre sua pele ate o fim, chegando a sua calça. Ele se encolheu demonstrando também seu desejo. Isso me incentivou mais. Parei de beijá-lo e subitamente comecei a descer minha boca ate seu pescoço, me permitindo cravar meus dentes levemente. Ele sussurrou baixo como se gostasse. Minha mão segurava o começo da sua calça enquanto a outra ainda estava em seu pescoço. Desci beijos sobre seu colo e continuei a descer. Beijei demoradamente seu tórax. Desci mais e deslizei minha língua sobre seu corpo quente, o fazendo tremer. Mordisquei levemente ate chegar próximo a sua cintura. Mantive o contato da minha boca ate chegar próximo à calça. Chupei acima a sua virilha, onde a calça não cobria e o vi fechar os olhos. Sorri para mim mesma orgulhosa e feliz. Voltei minha boca, fazendo o caminho inverso, fazendo que minha mão fizesse o mesmo em suas costas. Senti as cicatrizes ganharem espaço em minhas mãos, deslizei meu dedo sobre a cicatriz maior e vi tudo voltar em minha mente. A primeira vez que as vi, na cozinha, ele tinha gritado comigo. Eu não deveria estar aqui. Então ele caiu. Eu não sei por que você ainda se importa. Desculpa Lucius. Você não sabe o que eu seria capaz de fazer para te ter? Caiu por mim. Eu me lembrei o porquê de estar aqui. Minha culpa. Minha culpa. Eu não deveria fazer isso com ele. Não se eu ainda tenho duvidas. Soltei-me dele, ainda vendo seus olhos avaliativos. Senti minhas pernas tremerem ao me levantar do chão. Ele me olhou como eu nunca o tinha visto. Perdido. Confuso. As lágrimas voltaram. Arrumei minha blusa tentando evitar o choro. Ele estava ali em minha frente, ajoelhado, sem camisa, sem muros, me correspondendo. E eu estava fugindo. Eu não poderia dizer nada, a não ser...

-Des... Desculpa. Isso não vai acontecer mais.



Desculpa por te fazer isso. Me aproximei. Abri a caixa branca e tirei a adaga de lá. Dei uma última olhada e a joguei sobre a pequena mesa de centro. Ela deslizou até atingir o meio da mesa.

- Obrigada pelo presente Lucius – as palavras saíram mais amargas do que eu queria.

Ele desviou seus olhos do seu livro e olhou para mim. Seus olhos diziam que ele estava tão feliz quanto eu. Voltou a olhar a mesa e encontrou a adaga ali, mas não reagiu da maneira que eu esperava. Ele voltou a ler seu livro como se nada tivesse acontecido. Mordi o interior da minha boca contendo minha raiva. Ele não renderia tão fácil as minhas provocações. Dei as costas à sala e fui para cozinha fingir fazer alguma coisa. Abri a porta da geladeira e fiquei ali fitando a garrafa de água.

- Porque você não foi ao dormitório do Victor? – eu soei calma.
Não me respondeu. Mal olhou para mim. Peguei a garrafa e fechei a geladeira. Servi uma boa quantidade de água em um copo e bebi. Ainda me sentia tonta, mas estava passando. Eu não tinha comido nada a noite, o que piorava a situação. Dei um último gole na água, coloquei o copo sobre a pia e devolvi a garrafa à geladeira. Fechei os olhos e suspirei, cansada e me sentindo estúpida. Encostei a testa sobre a superfície gelada da geladeira e tentei reunir coragem. Eu tinha começado isso, eu terminaria. Descolei minha testa da geladeira e andei ate Lucius com passos lentos e contados. Ele ainda prestava atenção no maldito livro. Parei a seu lado, próxima a sua cabeça e olhei para seu livro. Era mais um do Stephen King. Ele adorava livros do Stephen da mesma maneira que gostava dos poemas de Augusto dos Anjos. Respirei profundamente tirando as imagens dele lendo para mim quando ainda tinha dez anos. Não era hora de lembrar da minha infância. Cruzei os braços sobre minha bata e comecei a tirá-la em um processo lento. Fechei meus olhos para não poder olhar para ele. O tecido leve da blusa escorreu dos meus dedos. Percebendo que ele não fez nada continuei. Levei minha mão para trás para alcançar o feixe do meu sutiã. Senti uma mão moldar meu pulso que ainda estava em minhas costas. Abri meus olhos e o encontrei sentado, com pernas abertas ao meu redor, próximo para poder segurar minha mão. Seus olhos próximos a minha boca, mas seu olhar estava perfurando os meus.

- O que você esta fazendo? – sua voz saiu dura*.

- Terminando o que começou na piscina. Não é só isso que você quer de mim?

Destravei um colchete e senti o sutiã folgar um pouco do meu corpo. Ele apertou mais meus pulsos e se levantou. Ele era mais alto, o que me obrigou a olhar para cima. Nossos corpos se encostaram e me senti exalar. Com uma mão me prendendo em minhas costas, eu tentei me controlar.

- Claire... Você sabe que não é isso – ele disse mais ameno.

- Eu sei? – tirei as mãos do feixe e soltei meu braço ente meu corpo, mas ele continuou a me segurar – A única coisa que eu seu é que eu quero você e suas mentiras longe da minha vida!

Eu disse cada palavra em uma fúria cega e seca. Ele se adiantou e se abaixou. Passou seu nariz sobre meu rosto e chegou a meu pescoço.

- Eu minto? – cheirou a curva do meu pescoço – Não sou eu que uso pessoas, Claire. Dormindo com o Victor agora?

Aquilo calou fundo dentro de mim. Eu esperava isso dele. Voltou a me olhar e soltou os meus pulsos.

- Ele é tão diferente de você – eu não respondi sua pergunta – Ele me trata de igual pra igual. Sincero comigo. É diferente com ele...

- Eu sei como ele é diferente de mim... – ele cuspiu as palavras em minha cara.

- Hoje eu vi como eu me sinto com ele, quando ele me toca, quando ele me beija...

Lucius apertou meus ombros – Não ouse me falar como ele te toca – as palavras saíram entre seus dentes trincados.

- Não é só isso Lucius – as palavras saíram mais calmas do que a situação que me rodeava – Eu sinto que com ele é algo real, não é ilusório como eu me sinto com você. Essa obsessão que eu sinto por você não é amor. Eu vivi praticamente sete anos da minha vida me segurando em você, tendo você como espelho. Sentir algo por você era praticamente obrigatório pra mim. Agora eu sinto que você foi só uma pessoa que fez parte do meu passado, importante pra mim, mas não amor. Victor me mostrou que o mundo não é apenas minhas lembranças. É o presente também.

- Obrigatório? – ele disse como se não acreditasse nas palavras que eu disse – Então quer dizer que no dia na piscina também foi obrigatório?

- Eu tava confusa Lucius... – comecei um choro silencioso.

- Confusa? – ele apertou mais meus ombros – Você tava brincando comigo Claire? Era isso? - fiquei em silêncio, zonza com suas palavras – RESPONDE!

Ele gritou enquanto me balançava fortemente. As lágrimas verteram sobre meu rosto.

- Não Lucius. Eu só estava confusa. Cansada – as palavras saiam rápidas – Eu tinha fugido da enfermaria pra ver o Victor. A gente se beijou como eu nunca tinha o beijado. Então eu senti os sentimentos virem. Eu nunca pensei que poderia amá-lo, então, aquela noite quando eu te vi, eu tentei me agarrar ao que eu sentia no passado. Aquilo que eu realmente pensava que sentia. Mas não adiantou. A única coisa que vinha a minha mente era Victor – ele continuou me olhando como se não entendesse o que eu acabará de falar - Desculpa Lucius.

- Você o ama? – ele relaxou seus dedos em volta dos meus ombros – Você ama o Victor?

Ele soletrou cada palavra para mim fazendo meu coração se apertar dentro de mim.

- S... Sim. Eu o amo – eu menti.

E ele acreditou. Eu pude ver em seus olhos que ele acreditou. Eu ainda tinha aquela idiota esperança que ele soubesse que eu nunca poderia amar outra pessoa. Ele já fazia parte de mim. Eu nunca poderia amar outro. Mas ele acreditou nas minhas amargas mentiras. Ele tirou uma mão dos meus ombros e pousou em meu rosto. Colocou sua testa sobre a minha, fechou os olhos e me beijou. Um beijo curto, dura, seco, cheio de sentimentos e seco pelo que ele tinha ouvido. Partiu o beijo e continuou com a testa junta a minha com os olhos fechados.

- Eu vi a humanidade crescer, se construir. Eu vi homens se matarem por quase nada. Carreguei almas para alem da vida. Vim a terra. Conheci grandes homens. Fiz amigos. Os vi morrer. Fiz inimigos. Matei demônios. Quase morri. Eu já perdi tanto. Eu já me feri de formas inimagináveis. Mas nada... Nada se compara com a dor que é amar você.

As palavras cravaram profundamente na minha mente e em meu coração. Um soluço fundo escapou dos meus lábios. Ele se afastou me deixando mais desamparada do que eu já me sentia.

- Não se preocupe Claire, eu não vou estar mais na sua vida. Eu vou esquecer você – ele me disse isso como se não fossem nada.

Ele saiu do dormitório me deixando sozinha. Encolhi-me, me abraçando sobre o sutiã. Sentei no chão frio da sala e encostei minhas costas na mesa. Abracei minhas pernas e deixei aquela imensa dor me engolir. Eu senti como se algo, uma perna, um braço, o coração tivesse sido arrancado. Eu o perdi.

domingo, 20 de junho de 2010

Capítulo 19 - *Eu nunca:

Eu ainda podia sentir o gosto dele em minha boca. Passou-se uma semana e eu ainda podia lembrar daqueles olhos azuis sombrios me encarando. Eu havia o rechaçado da pior forma possível. Ele tinha tirado os muros, se entregue a situação, me abraçou, me beijou, deixou que o tocasse de forma mais íntima. E não só por desejo, ele tinha deixado todas as suas crenças sobre nós e cedeu a mim. Poderia ter sido perfeito, mas não foi. Eu havia dito não. Pior que isso, eu tinha pedido desculpas. Eu realmente tinha que me sentir culpada naquele momento? Sim, eu tinha. Eu tinha o feito sofrer da mesma maneira que ele tinha me feito sofrer. Nossa relação não era a mesma e talvez nunca voltasse a ser. Mas eu ainda tinha arrependimentos. Eu queria tanto me entregar a ele. Ir pelo caminho mais fácil, deixar que Lucius tomasse conta de mim. Eu me lembro daquela noite. Os passos demorados até a enfermaria, o choro que não cessava, minha vontade de esquecer tudo e ir ate o dormitório de Lucius. Pertencer a ele parecia à coisa mais certa para mim. Mas e depois disso, o que aconteceria? Ele me contaria a verdade ou ia me deixar de lado? Ele pertenceria a mim ou as suas convicções? Eu não sei. Parte de mim sabia que ele me ampararia, mas não saberia a verdade. Agora era tarde de mais. Eu tinha ferido o maldito orgulho dele. Ele não se dava ao trabalho de falar comigo antes, agora não havia nada que eu fizesse para mudar isso. E por mais que eu tentasse negar, isso tinha me ajudado no meu plano. Eu tinha me decidido. Eu treinaria, daria tudo de mim para que isso desse certo e descobriria o que aconteceu comigo. Eu tinha seguido o conselho da minha irmã. Eu construiria minhas verdades e faria que todos acreditassem nelas. Uma parte do meu plano, mesmo que sem querer, tinha sido finalizado. Agora faltava a outra parte. Victor não dava muito credito a isso. Ele me achava louca por tentar, já que Lucius tinha descoberto sobre minha saída da enfermaria. Felizmente ele pareceu não perceber que eu tinha pegado à chave do meu quarto. Victor não achava bem isso. Eu me recordava bem o que ele tinha me dito um dia depois que eu invadi o quarto do Lucius.

Alguém passou as mãos sobre meus cabelos. Eu abri os olhos rapidamente pensando ser ele, mas encontrei Victor no lugar. Ele tinha os cabelos soltos, algumas mechas loiras sobre o rosto e aquele sorriso inconfundível. Passou a mão atrás de sua orelha prendendo as mechas a ali e se inclinou para beijar minha testa. O sorriso aumentou quando se distanciou.

- Me traindo senhorita Bauer? – eu franzi a testa. Como ele sabia? – Eu posso sentir o cheiro dele em você.

Ele me explicou. Eu dei de ombros sabendo que não poderia esconder a verdade dele.

- Eu não gosto de dividir o que é meu. – ele disse mais sério.

Eu tive que rir desse comentário.

- Agora eu sou sua? – eu perguntei debochada com uma sobrancelha arqueada.

- Eu não estou falando de você, narcísea – ele deslizou sua mão da base da minha coxa até meu joelho, que ainda estava sob o lençol azul, mas seus olhos ainda estavam sobre os meus - Eu estava falando do Lucius.

Eu ri. Muito. Por essa eu não esperava. E mais ainda, eu não esperava pensar nessas palavras. Eu pude ver imagem bem clara na minha mente. Lucius. Victor. E um quarto. Ta, eu não vou pensar mais nisso. Cortei meus pensamentos. Mas isso não fez que eu parasse de rir. Sentei sobre a cama, me desfazendo das mãos de Victor. Ele olhou meu colo, ainda coberto pela blusa roxa da Moira. Maldita blusa roxa. Seus olhos deslizaram lentamente até meu rosto.

- Parece que seu plano não deu muito certo, eu suponho – ele cruzou os braços sob a blusa verde musgo.

Irrefutavelmente as lembranças de ontem à noite vieram a minha cabeça. Eu suspirei cansada de tudo. Eu não sabia se me punia por ser tão burra ou me dava os parabéns por ser tão resistente.

- Talvez. Eu não sei, Victor - comecei a estralar meus dedos, um pouco nervosa – Talvez o que aconteceu ontem tenha me ajudado ou talvez tenha estragado todo meu plano. Eu não sei. Até eu me recuperar, eu vou saber a resposta.

- E qual seria esse seu plano? – ele arqueou uma sobrancelha e eu pude ver suas feições ganharem um tom de curiosidade.

Eu devia explicar o plano para ele, já que ele tinha uma grande função nele. Ele me treinaria. Eu expliquei meu miraculoso plano. Ele manteve sua expressão séria durante toda explicação.

- Você realmente pensa que isso vai dar certo? – ele ainda tinha os braços cruzados e uma cara cética para mim.

- Acho que sim – ele bufou com minha resposta – Mas eu tenho que tentar Victor. Além disso, ele não faria nada que ele já não tenha feito.

- Talvez com você. Mas comigo? – sua voz soou mais grossa e séria – Ele não hesitaria em me matar, Claire.

Eu notei que ele falará a sério. Talvez eu não tenha medido as coisas as proporções que elas mereciam, mas isso não faria que eu desistisse.

- Eu mal conheço você Victor. Mas pelo pouco que eu conheço, posso dizer que você não deve estar aqui por vontade própria. Eu sei que você mal suporta o Conselho, da mesma forma que o Conselho mal te suporta. Eu me pergunto o que te liga ao Conselho pra te trazer até aqui fazer essa investigação – ele cerrou os lábios, parecendo estar sendo pego de surpresa – Mas não é sobre isso que eu quero conversar – eu desconversei – Eu poderia facilitar as coisas pra você e acabar logo com essa investigação.

- Ouh, dear – ele falou com um sotaque britânico – Você não deve me conhecer tão bem para me falar isso, mas quem sou eu para te questionar? – ele me deu um meio sorriso – Você estaria disposta a dar seu depoimento ao Conselho, independente da maneira que isso ocorra?

- Isso depende... – eu tentei soar tão superior como ele – Você estaria disposto a me ajudar?

Eu vi um sorriso lento e perverso ganhar o rosto de Victor – Claro. Mas tenha certeza que eu não deixarei você esquecer o que você me disse aqui.

- Nem eu – eu ofereci minha mão em uma forma clichê de selar nosso acordo. Victor não concordou tanto.
- Eu tenho outra maneira de fazer isso...

Como um vulto, ele foi da onde estava até a mim. Centímetros do meu rosto, olhos nos olhos e me beijou. Pouco, mas lento. Tão lento que eu não tive outra alternativa a não ser fechar meus olhos. Eu pude sentir o gosto metálico quando sua língua se encontrou com a minha. É. Ele tomou café da manha. Afastou se rapidamente, mas continuou próximo.

- Eu sei que você mentiu para mim – sua mão foi para meu cabelo, apertando alguns fios de forma dominadora – Eu só espero que isso não aconteça de novo.

Então ele se foi. Eu nem o vi sair direito. Eu não sabia se estava certa, mas ele pareceu me ameaçar. Ótimo. Adoro ameaças. Eu conhecia Victor. Ele não deixaria que isso acontecesse de novo. Eu me perguntava se isso valeria verdadeiramente a pena.

Desde esse dia eu não o vi mais. Da mesma forma que eu não vi Sura e nem Lucius. Essa semana na enfermaria variava entre as visitas de Camille e a troca do meu curativo, já que ele não tinha cicatrizado direito depois que eu tirei a gaze no dia que eu saí daqui. Eu via as marcas no meu ombro. Cinza arroxeadas, se expandindo em um círculo mal formado. Mesmo que já tivesse bem mais claras que antes, eu ainda me perguntava se esses sinais teriam alguma conseqüência na minha vida. Se os Ifrits tinham conseguido me marcar ou alguma coisa assim. Mas não era só isso. Eu ainda tinha muitas duvidas. Quem era a pessoa que Victor amava? E porque Lucius sabia disso? Bem as duvidas já faziam parte de mim, eram como minhas melhores amigas nas horas vagas. A única certeza que eu tinha hoje era o que eu faria quando saísse daqui. Mas agora eu tinha que arrumar minhas coisas pra voltar pro dormitório. Camille tinha me liberado da enfermaria e eu não via à hora de sair dali. Mesmo gostando muito de Camille, eu sentia muitas saudades das meninas. E no fundo eu também sentia saudade de Lucius, mesmo sabendo que não seria tão bem vinda por ele e o que faria para piorar isso.




- Pronta pra ir? – eu ouvi uma voz ao fundo.

Eu ainda estava arrumando minhas roupas, escovas de dente, escova e tudo que eu tinha levado para lá na mochila bege que Camille tinha me trago. Exatamente nessa hora eu estava arrumando a roupa que Moira tinha me emprestado. Eu me virei e me deparei com aquele sorriso cínico. Victor.

- Você era a última pessoa que eu imaginava que iria me levar pro dormitório – eu ofereci o mesmo sorriso cínico.

- E você esperava quem? O Lucius? – ele andou ate a mim com as mãos nos bolsos e com aquela expressão de tédio que eu odiava.

Mas o resto, bem, eu não odiava tanto. Ele usava uma camiseta bege com gola v, uma calça jeans azul bem gasta e um tênis branco com rajadas pretas nas laterais. E ainda tinha os cabelos loiros que eu começava achar perfeito de mais. Eu sorri a provocação dele.

- Pra falar a verdade eu não esperava ninguém – eu disse em um tom meio triste.

- Oh garotinha. Eu não deixaria você sozinha assim, não no dia tão aguardado como hoje – seu rosto mostrou mais interesse – Como eu gostaria de ir com você e ver a cara dele.

Eu exalei. Luta de egos. Victor faria de tudo para ver Lucius humilhado da mesma forma que Lucius também faria o mesmo. Eu não me sentia tão confortável com isso.

- E porque a Sura não veio? – eu tentei mudar de assunto.

- Ocupada, eu acho. Eu não sei – ele deu de ombros.

- Claro.

Eu voltei a mexer nas minhas coisas a procura de uma roupa. Todo mundo parecia ocupado nesse Instituto. Sura, Lucius, Bianca, Jeremi... Eu tinha saudades dele. Por mais estranho que pareça eu tinha muitas saudades dele. Do sorriso bobo, o cabelo desarrumado, as conversas sem nexos. Ele era uma parte da minha vida, assim como meus amigos, que me traziam tranqüilidade, uma vida normal. E eu morria de vontade de voltar à normalidade.

- Sorrindo do que Bauer? – Victor me perguntou ao ver o sorriso que se formara no meu rosto.

- Nada – eu tirei a roupa que procurava da mochila e me levantei da cama – Eu vou trocar de roupa pra gente poder ir.

Eu ainda usava a camisola fina e azul da enfermaria. Eu vi os olhos de Victor me acompanhar ate o banheiro anexado ao quarto. Ele andou a porta onde eu estava e parou a minha frente, me fitando.

- Você tem certeza que se sente bem? – eu franzi o cenho notando como ele parecia preocupado – Porque se você precisar de ajuda, eu estou aqui para isso.

Ele examinou meu corpo ainda coberto pelo fino pano azul e parou os olhos em cima das minhas roupas. E eu ainda achava que ele estava falando sério. Eu me segurei para não bater a porta na cara dele. Passei as mãos no meu cabelo e os puxei só para um lado do meu pescoço, deixando parte do meu pescoço descoberto. Victor olhou para ele da forma que eu imaginara que ele faria. Vampiros.

- Eu preciso de ajuda – eu mordi meu lábio inferior e recebi um sorriso maior em troca – Então por que a gente não faz o seguinte. Você chama o Lucius enquanto eu espero aqui no banheiro.

Eu fechei o banheiro antes mesmo de receber uma resposta. Eu me virei para o espelho que estava em cima da pia e pude ouvir o riso amargo de Victor. Eu segurei um riso. Se ele pensava que ia conseguir alguma coisa de mim ele estava muito enganado. Peguei a bata floral que cobria meus ombros e a vesti. Depois vesti meu short jeans azul e calcei novamente minha sandália rasteira. Olhei o espelho, me certificando que tudo estava no lugar e mexi no meu cabelo, o deixando mais ondulado. É. Pronta para guerra. Abri a porta do banheiro e vi Victor encostado no beirada da cama. Seu rosto estava mais sério. Ele pareceu não gostar tanto da brincadeira.

- Da próxima vez eu não vou ficar do lado de fora.

- Relaxa – eu fui até a cama, desviando de Victor e peguei minha mochila – Da próxima vez eu não vou precisar da sua ajuda. Eu mesma chamo o Lucius.

- É aí que você se engana garotinha – ele se apressou a ficar na minha frente – Ele não vai querer te ver tão cedo depois de hoje.

Eu senti meu estomago embrulhar. Ele não iria querer me ver tão cedo depois de hoje. Eu estava fazendo à mesma coisa que ele. O afastando. Mas dessa vez eu não sabia se teria volta.

- Yep – eu disse simplesmente – Vamos?

Eu ofereci minha mochila para ele carregar. Ele me fuzilou com os olhos e me deu as costas, indo para o corredor. É. Ele não ia carregar minhas coisas. Eu andei apressada, com as mochilas em minhas costas e o alcancei. Segurei em um de seus braços e lhe dei um sorriso amigável. Ele sacudiu a cabeça em negativa e continuou a nós guiar nos corredores. Nós estávamos na parte inferior do Instituto, portanto tínhamos que atravessar o jardim externo para chegar ao meu dormitório.

- Onde a gente ta indo? – eu perguntei vendo que passávamos à porta que dava para o jardim e indo para parte dos dormitórios.

Ele me puxou para uma pequena escada e virou o corredor.

- Pro meu dormitório. Por quê? – ele me olhou inocentemente e sorriu.

Isso não estava muito certo. Já era quase oito horas e eu estava indo para o quarto do Victor. Talvez eu não devesse ter feito aquela brincadeirinha com ele. Engoli em seco. Tentei puxar minha mão do seu braço, mas ele me manteve ao seu lado, segurando minha mão com força.

- Com medo senhorita Bauer? – eu vi mais uma vez aquele sinistro sorriso ganhar seu rosto.

Ele parou em frente de um quarto no fundo do corredor. Merda. Ele abriu a porta e eu pude ver... A Moira?

- Surpresa! – todos gritaram juntos.

E ali estava todo mundo. A Moira, a Celina, o Sam e o Irial. Eu olhei para Victor mais uma vez com cara de espanto.

- Você esperava o que Claire? – ele arqueou a sobrancelha e colocou uma mão atrás das minhas costas – Infelizmente as suas fantasias terão que esperar mais um pouco.

Eu balancei a cabeça, mas ri de qualquer maneira. Convencido. Eu fui levada por suas mãos ate Moira que sorria alegremente. E eu ate imaginava o porquê disso. Ela me abraçou.

- Finalmente você saiu daquela enfermaria – ela desfez o abraço e eu a encarei.

- Finalmente – eu concordei.

- E porque vocês demoraram tanto? Abusando do Lefroy, Claire? – ela sorriu maliciosamente para mim.

- Ela até que tentou Moira, mas eu não sou tão fácil assim – Victor disse ao meu lado.

- Eu tenho certeza que ela não me trocaria por uma cópia mal feita de mim versão vampiro – eu ouvi voz familiar dizer em canto do dormitório.

Eu me virei em direção à voz, assim como todo mundo fez e encarei seu rosto. Antes mesmo que eu percebesse já estava correndo em sua direção. Eu meio que pulei nele e joguei meus braços ao redor do seu pescoço. Eu o ouvi rir em aprovação. Ele me abraçou com a mesma intensidade e me levantou do chão. Eu dispersei beijinhos em seu rosto enquanto ele ria mais.

- Calma – ele me baixou e distanciou seu rosto para me ver melhor – Tem bastante Jeremi pra você essa noite.

Eu ri – Desculpa. É só que eu senti saudades.

- A gente percebeu – Moira falou alto desviando minha atenção de Jeremi – Mais um pra concorrência Victor.

Ela sorriu ligeira para Victor e olhou para Irial, que parecia um pouco excluído do contexto – Ainda bem que eu não tenho esse problema.

Eu quase engasguei com a indireta da Moira. Às vezes eu sentia certa inveja da Moira por ser assim. Poucos podem dizer isso, mas eu posso. Minha amiga é diva.

- Como você é sutil amiga.

Celina disse e todos riram, deixando Irial um pouco sem graça e sem ação. Eu prestei mais atenção ao meu redor. O dormitório de Victor era bem parecido com o de Lucius, só que era um pouco menor. Na verdade o dormitório se dividia em três partes: uma cozinha, o quarto – que eu suspeitava ser a pequena porta a direita – e a sala. Não tinha televisão, só uma mesa redonda quase no meio do ambiente, uma pequena bancada que dividia a sala da cozinha. Senti os dedos de Jeremi segurarem o meu short jeans e chamar minha atenção.

- Vai prestar atenção no quarto ou em mim? - Jeremi sorriu.

Eu não me contive e sorri de volta. Cara que saudade dele. Seu cabelo castanho estava um pouco maior, mas o resto estava do mesmo jeito. Os olhos castanhos, o sorriso fácil, o cheirinho de coco e as covinhas. Eu o abracei novamente.

- Perdeu Victor! - Moira deu ênfase no “perdeu”.

- Eu tenho certeza que o Jeremi não é um perigo para mim. Certo? – Victor olhou para mim e depois foi dos meus olhos para os de Jeremi, que disfarçadamente assentiu – Mas agora deixa eu te entregar seu presente Claire.

Ele desconversou, mas eu tinha visto. Aparentemente só eu notei isso, já que todo mundo olhou para Victor mais interessados no presente que ele me daria. Espera aí! Presente?
Eu ainda estava abraçada a Jeremi, mas Victor fez questão de ir ate ali e me puxar pela mão. Eu olhei para Jeremi e pedi desculpa. Ele apenas deu de ombros. Victor me levou ate sua pequena cozinha, com todos nos olhando e parou em frente a um frigobar.

- O que? Você vai me dar o frigobar de presente? – eu disse sarcástica.

- Claro que não! Esse frigobar é de estimação. Mas, talvez, se você abrir o frigobar você encontre alguma coisa...

Ele disse como se eu fosse à pessoa mais burra do mundo. Ta. Como se eu fosse encontrar alguma coisa útil dentro de um frigobar. Eu abri a pequena porta do frigobar preto e encontrei meu presente. Na verdade meus três presentes. Eu pensei que talvez as outras coisas também pudessem ser – as cervejas, os vinhos e o uísque -, mas diferente desses os meus presentes tinham lacinhos.

- Tequila? – Que gracinha! Minhas tequilas tinham laços.

- TE-QUI-LA? - Moira gritou do nada e foi para o meu lado – Mentira! Como eu te amo nesse momento Victor Lefroy.

Moira abraçou Victor momentaneamente, que não aparentou nenhuma reação, e voltou a olhar as tequilas.

Ela pegou uma e a beijou – Como eu senti saudades de você, garota.

- Pára de falar com a tequila, que ela é minha!

- Ah Claire! Tem três tequilas aí. Uma pra cada uma – Celina parou do meu lado e sorriu de forma angelical.

- Vai sonhando! – eu puxei a tequila da mão de Moira e a abracei defensoramente – O presente é pra mim, certo Victor?

- É – ele riu, assim como todo mundo na sala, quer dizer, menos o Irial que não parecia muito feliz com a situação – Mas talvez três garrafas seja muito para uma garota só.

- Um pouco de consciência também não faz mal a ninguém Victor – Irial foi para mim e pegou a tequila da minha mão.

- Certo! E eu vou fingir que você não veio aqui na pretensão de ficar perto de uma estudante. – Victor tomou a tequila de Irial e me entregou novamente - Você decidi o que fazer com a tequila.

Ele me olhou sem dar a mínima atenção a Irial. Eu não consegui responder. Não com clima tenso que se alastrou na sala. Irial ainda estava ao meu lado, junto com Celina e Moira, com as mãos para trás e o olhar duro. Até a Moira, que adora se expressar nesses momentos, ficou calada.

- Qual é Irial! – Sam interveio por mim – Tem ate Jhonny Walker aqui. Não é como se nunca tivéssemos bebido.

Talvez eu nunca tenha bebido tequila, mas eu não ia desmentir o Sam agora.

- Certo – Irial disse sério.

Eu olhei agradecida para Sam, que sorriu de volta.

- Ta eu divido a tequila – eu disse entregando a tequila para Moira.

- Agora sai da frente que outra tequila é minha – Celina disse toda animada.

Moira e Celina foram para a mesa e se sentaram enquanto Sam e Jeremi fizeram o mesmo. Olhei para última tequila no frigobar e a deixei ali mesmo. Eu queria beber, mas mais de duas garrafas era exagero. Peguei o uísque e me virei para Irial. Victor olhou para mim em uma tentativa de me impedir de fazer o que estava em mente. Eu não prestei atenção. Ele foi para sala, me deixando sozinha com o Irial.

- Toma o seu Jhonny Waker – lhe entreguei a garrafa de uísque e ele sorriu sem graça.

- Me desculpa. É só que eu não consigo olhar para Victor e não ver segundas intenções nisso. – ele me ofereceu o melhor sorriso e eu assenti.

- Pra falar a verdade nem eu. Mas pode deixar que eu sei tomar conta de mim.

Como não desculpar esse homem. Eu entendia Moira, ate de mais. O cara na minha frente tinha o sorriso genuíno, aquela barba para fazer e asas. Quando você pode vê-las fica meio difícil não contar como um benefício.

- Ta. Agora senta ali com a Moira se não eu vou acabar morrendo aqui se ela continuar a me olhar daquele jeito – eu apontei para Moira que não disfarçou nenhum pouco o ciúme.

- Eu vou ali sentar perto dela - ele sorriu cúmplice.

Não precisava esconder mais nada. Eles e Victor tinham deixado bem claro a intenção de cada um ali. Agora só faltava ver quem daria o primeiro passo. Eu o olhei fazer o caminho para mesa, sentando se em uma cadeira ao lado de Moira. O sorriso que ela ofereceu a ele foi sincero, feliz. Da mesma forma que Irial ofereceu um olhar complacente. Ele gostava dela, eu sabia disso. Os pequenos toques, o sorriso bobo, os gestos cheios de pretensões, a conquista. Sentir aquilo era perfeito, o frio na barriga ou a esperança infantil, era isso que definia o começo de uma relação. Alguns tentam negar, outros se agarram a ela, mas Moira e Irial deixavam acontecer. Eu me senti assim há uma semana, com borboletas no estomago, agora não mais. Voltei meu olhar para Sam e Celina. Eles brigavam de uma forma engraçada. Celina tentava beber a tequila no gargalo enquanto Sam tentava a impedir. É, minha amiga é a alcoólatra da relação. Sam abraçou fortemente e dispersou beijinhos na sua nuca enquanto Celina ria desesperadamente. Casais. Passei a olhar Jeremi. Ele olhava para o chão, parecendo pensar em algo. Então ele percebeu que eu o olhava e me olhou de volta. Ficamos assim, nos olhando. Ele pareceu querer falar algo com o olhar, mas então abriu um sorriso que me fez estremecer. Jeremi. Eu andei ate a mesa e sentei ao seu lado.

- Então quer dizer que você sofreu um acidente de moto? – ele me olhou descrente.

- Eu mal acredito que isso aconteceu comigo - eu tentei soar a mais convincente.

- Nem eu – ele disse mais sério.

- E você, porque saiu assim do Instituto? – minha vez da interrogação.

- Minha avó. Ela sofreu um acidente de carro e acabou parando no hospital.

- Eu... Sinto muito – eu ainda estava desconfiando dele.
- Não tem problema. Ela já ta bem melhor. Felizmente ela só quebrou uma perna, não foi nada sério.

Ele me puxou pelo braço e me abraçou de novo. Eu sorri com o carinho.

- O que você ta fazendo? – eu disse entre risos.

- Minha vez de matar a saudade – ele beijou minha bochecha.

Na verdade ele babou na minha bochecha, o que me fez gritar e chamar a atenção de todo mundo na mesa.

- Pára – eu tentei soar séria.

- Ou o quê? – ele mordeu minha bochecha dessa vez.

- Ou eu arranco sua cabeça com minhas presas.

Não fui eu que falei isso. Foi único vampiro no estabelecimento que falou. Eu o olhei séria, reprovando o comentário.

- O que? Não gostou da brincadeira? – Victor se sentou ao meu lado e bebeu o conteúdo do copo que ele trazia em mão.

A bebida era transparente com rajadas vermelhas. Na minha humilde opinião a parte vermelha era sangue, mas quem era eu pra perguntar isso. Eu arqueei minha sobrancelha e dei de ombros. Levei minha cadeira mais próxima a do Jeremi e o abracei com mais força. Dessa vez foi à vez de Irial rir, o que levou todo mundo a rir também.

- Você é tão madura Claire – eu ouvi o som abafado da voz de Victor.

Voltei a olhar para ele e ri – Assim como você.

- Eu já entendi. Então vamos parar com a disputa entre machos e fazer algo que preste. – Moira se levantou e olhou para Victor – Onde esta os copos?

- Na bancada – respondeu sem olhar para Moira.

- Mas não é copo de dose!

- São os únicos que eu tenho – Victor deu de ombros.

- Tanto faz... – Moira foi ate a bancada e pegou os copos, entregando, depois, um copo para cada um.

Ela despejou uma boa dose de sua tequila no copo e sentou de novo no seu lugar – Eu nunca brinquei de eu nunca - e bebeu a dose.

- Eu nunca, Moira? – Sam exclamou – A Celina já ta meio bêbada...

- Como se isso fosse um problema e não a solução... – Jeremi comentou.
Sam começou a falar algo, mas foi interrompido por Celina – Ele tem razão Sam. Além do mais Moira leu meus pensamentos. Adoro eu nunca.

- Adora? – foi à vez de Irial aparecer incrédulo.

- Irial, a Celina não é nada daquilo que aparenta nas aulas. Ela é a pior de nós três.

- Talvez não a melhor, mas a pior ela não é, Moira. – eu tive que discordar.

- Talvez não a melhor? Você ta dizendo que é a melhor? – Celina se fez de ofendida.

- É claro. Você acha que quem é a melhor?

- Eu – antes que eu pudesse falar alguma coisa, Moira completou – O Irial concorda comigo, não concorda?

Todos olharam instintivamente para ele, menos Victor que estava entretido com sua bebida. Ele riu e ficou em silêncio, fazendo suspense.

- É. Você é a melhor – Irial se deu por vencido.

- É melhor você ficar calado, senhor Irial, se não eu te expulso da minha festa particular.

- O dormitório nem é seu, dona Claire, é o do Victor – Moira disse.

- Se dependesse de mim certas pessoas nem estariam aqui – Victor disse e bebeu mais um gole.

- Parece que alguém esta de mau humor hoje... – eu simplesmente disse – Acho melhor a gente começar a brincar.

Peguei a garrafa da Moira no meio da mesa e enchi meu copo. O restante fez o mesmo, variando as doses.

- Eu começo – Moira disse toda animada.

- Eu nunca fui afim de um treinador.

Com exceção dos meninos, todas as meninas beberam, até a Celina. Minha surpresa foi deixada de lado quando a bebida desceu em minha garganta. A tequila ardeu, me fazendo fechar os olhos e franzir rosto. Quando abri os olhos, Moira estava colocando outra dose em meu copo.

- Primeiro nível com o Jace – Celina explicou e continuou – Eu nunca fiz sexo no jardim externo.

Celina, Sam e Victor beberam suas doses. Eu ouvi Moira murmurar “inveja” e olhei para Celina. O Victor era até previsível, mas a Céu e o Sam. Isso me pegou desprevenida. Eu olhei para Celina novamente e ela deu de ombros. Ta bom. Cada um faz sexo onde quiser.

- Eu nunca vi minha namorada bêbada – Sam disse cético depois da revelação bombástica da Celina.
Sam, Irial e Jeremi beberam suas doses. Ta, nada que eu não imaginasse, mas o Victor não beber foi uma surpresa. Eu olhei questionadora para ele e ele simplesmente respondeu “Nunca tive namorada”.

- Eu nunca quis beijar a pessoa ao meu lado – Jeremi disse e bebeu sua dose.

Isso foi uma indireta ou foi impressão minha? Bebi a tequila do meu copo, assim como todo mundo fez. Todo mundo. Moira pareceu animada vendo Irial beber, pelo menos eu espero que o Irial tenha bebido por causa dela e não por causa do Victor. Eu ri disfarçadamente desse pensamento. Eu acho que estou começando a ficar bêbada. Agora, eu? Sinceramente sempre quis beijar o Victor, o que já aconteceu e o Jeremi.

- E nunca fui atacada por demônios – eu falei e vi Moira revirar os olhos.

Ela esperava que eu falasse o quê? Bebi sem me importar com a opinião de Moira. Victor e Irial me seguiram, bebendo a tequila do seu copo.

- Jeremi, não vai beber sua dose? – Victor disse para Jeremi com um meio sorriso. Eu vi Jeremi segurar seu copo e virar a dose. Eu olhei para ele sem entender, mas ele não olhou nos meus olhos.

- Eu nunca quis fazer sexo com a Claire.

Isso me tirou dos eixos. Eu olhei para Victor repentinamente. Ele apenas arqueou sua sobrancelha e bebeu sua dose. De lado ainda pude ver Jeremi também beber. Sério? Concentrei-me no meu copo tentando não me sentir envergonhada. Victor não precisava ser tão direto assim.

- Eu nunca fui apaixonado por uma pessoa, que a meu ver, é estritamente proibida pra mim – Irial continuou e bebeu.

Eu olhei para ele sem entender no começo. Quando finalmente tudo fez sentido na minha cabeça, eu percebi o que ele acabara de fazer. Uma declaração para Moira. Eu sorri para ela, que impressionantemente parecia envergonhada. Vi Victor e Jeremi bebendo suas doses e os segui, bebendo do meu copo.

- Eu nunca pensei que poderia me apaixonar – Moira bebeu, fazendo do seu jeito sua declaração.

Victor também bebeu uma dose. Ele amou alguém e não era eu.

- Depois dessas declarações fica difícil dizer alguma coisa – Celina se levantou da cadeira e sentou no colo de Sam, que parecia tão feliz como ela. Ela cochichou algo em seu ouvido e riu. Ele também riu. Os dois pegaram seus copos e beberam suas doses.

- Eu acho que ninguém vai querer ouvir o que a Celina disse pro Sam – Celina nem deu atenção para que Moira disse e beijou Sam, assim, do nada – Continua Jeremi.

Moira lançou um olhar assustado para o casal, mas não disse nada.

- Eu nunca enganei quem eu amo em troca de poder - Jeremi olhou diretamente para Victor sem deixar duvidas para quem ele falou.

Victor bebeu a bebida de seu copo ainda olhando para Jeremi. O clima tenso voltou. Victor pegou a garrafa de tequila e colocou garrafa em frente à Jeremi, que também ficou bem a minha frente.

- Eu nunca deixei que nada acontecesse a minha família - Victor voltou a sua posição com cara indiferente – Agora você pode beber a garrafa, Jeremi.

No próximo instante Jeremi levantou da cadeira enquanto Victor ria. Eu não entendi nada, mas não era hora de perguntar. Sam olhou a situação e pediu para que Celina se levantasse. Irial não ficou para trás e também se levantou. Eu olhei para Celina e Moira que pareciam tão perdidas como eu.

- Jeremi ele esta te provocando – Sam foi para frente de Jeremi – Não faça isso.

Sua voz soou mais afligida que o normal. Irial se manteve ao lado de Victor, postamente esperando se algo acontecesse. Sam foi empurrando Jeremi para porta, que ainda olhava para Victor. Então eles saíram pela porta. Isso não estava certo. Eu me levantei, mas Irial me impediu de ir ate lá.

- É melhor eu ir.

- Então eu vou com você – Moira se levantou e foi ate ele

Celina não disse nada, apenas se levantou e foi à porta, sendo seguida por Irial e Moira. Eu olhei Victor que ainda brincava com a borda de seu copo. Ele sorria de algo que só ele sabia.

- Por que você fez isso? – eu disse verdadeiramente frustrada.

- Ele começou Claire. Alem do mais eu só disse a verdade – ele levantou e me encarou.

- Qual verdade? Sobre a avó dele?

Victor praticamente gargalhou na minha cara, me deixando com mais raiva.

- É. Sobre a avó dele – ele disse sarcasticamente.

- Se é tão engraçado porque você não me diz o que tem escondido nisso?

- Porque EU não estou escondendo nada de você.

- Você tem certeza disso?

- Talvez eu esteja escondendo algo.

Ele sumiu da minha vista, eu pude ver um vulto indo para a porta anexa à sala e segundos a mais Victor voltou. Ele tinha uma pequena caixa de presente retangular na mão. Eu olhei para ele quando se aproximou mais.

- O que é isso?

- Seu verdadeiro presente – ele ofereceu a caixa e eu a peguei.

Peguei a caixa e analisei. Ela era de tamanho médio com um laço preto em volta da estampa branca. Desfiz o laço cuidadosamente com medo do que encontraria dentro. Tirei a tampa de papel e olhei o conteúdo. Ela tinha o cabo feito de aço e a lamina de prata. Havia pequeno espirais em seu cabo e alguns pequenos rubis dentro dos espirais. A adaga. Tirei da caixa, deixando a caixa sobre a mesa e avaliei a adaga. Era a mesma que eu tinha encontrado no quarto de Lucius.

- Onde você encontrou isso? – eu disse a mais calma possível.

- Eu comprei pra você. Por quê?

Não esconde nada de mim? Mentiroso. Eu tentei não demonstrar minha raiva para Victor e guardei a adaga de volta na caixa.

- Obrigada. Mas eu vou pro meu quarto agora.

- Só isso?

- É. Eu já to meio tonta – o que não deixou de ser uma verdade.

- Você vai falar com o Lucius agora? – ele perguntou e deu um passo em minha direção.

- É. Definitivamente eu vou falar com ele – eu deixei minha frustração transparecer.

- Então é melhor eu dar início a minha parte do plano...

- Que parte do pla...

Ele levou meu corpo ate a parede do cômodo rapidamente, me pressionando ali. A caixa caiu no chão com o impacto. Mas Victor não parou. Deslizou suas mãos em minha cintura e me beijou. Com força, paixão, desejo. Eu resisti no primeiro momento, tentando o empurrar, mas ele continuou ali. Suas mãos foram para o meu cabelo, os puxando para trás, me forçando abrir minha boca. Eu lutei mais um pouco, mas quando percebi minhas mãos foram para seus cabelos, tão desesperado como ele. Nossas línguas se encontraram e eu pude notar o gosto de tequila se fundindo com o gosto metálico do sangue. Suas mãos deslizaram ate minha perna, a subindo, para que ele se acomodasse melhor. Ele cortou nosso beijo e deslizou beijos ate chegar em meu pescoço. Eu senti algo pontudo roçar minha pele e gelei. Suas presas.

- Só deixando meu cheiro em você... Só isso – ele sussurrou para mim e voltou a beijar meu pescoço.

Mas eu não acreditei nele. Ele estava bêbado, assim como eu, não era bom arriscar. Levei minhas mãos em seu cabelo loiro e o puxei para trás. Ele me encarou, faminto, com suas presas a mostra. Em um impulso o virei contra a parede e o pressionei ali. Levantei nas pontas do pé e o beijei com a mesma voracidade. Ele me puxou, me acomodando entre suas pernas. Eu deixei que o momento se perdurasse por mais algum tempo e por mais difícil que parecesse, me separei dele. Os olhos sem foco, a respiração descompassada e as mãos frias.

- Você já fez sua parte, agora é a vez de eu fazer a minha – eu tirei os braços ao meu redor e peguei a caixa do chão.

Ele ficou ali, me vendo partir, enquanto eu ia para o meu dormitório. Agora era minha vez de falar coisas que eu nunca tive coragem antes. Falar coisas que nunca seriam verdades. Era minha vez de brincar de eu nunca com Lucius.

sábado, 12 de junho de 2010

Capítulo 18 - *Lucius (Decisões):

Ele ainda tinha as palavras que Luiza tinha lhe dito em sua mente. Já deu certo antes. Antes de ela aparecer. Antes de isso tudo acontecer no Instituto. Quando havia somente eu e você. Para ele, naquele momento, parecia a melhor solução. Não fora um problema antes, não seria agora. Luiza já tinha mexido com ele de uma forma, que ele só queria a ela. Sua boca, suas curvas, seu cabelo longo e negro, sua atitude pretensiosa. E ela ainda era divertida nos momentos mais inoportunos. Tinha o gosto de sua boca na sua, lhe cobrando uma resposta. Ela não desistiria tão fácil, ele sabia disso. Então ou ele a parava agora ou cedia logo. Precisava afastar Claire e essa era a melhor opção.
Lucius hesitou um pouco quando passou a parede de vidro. Havia uma garota ali. Seus cabelos tampavam seu rosto, deixando-o na duvida. Quem estaria ali àquela hora? Seu corpo reagiu momentaneamente. Poderia ser mais um dos enviados de Gabriel. Mas foi perdendo gradualmente essa postura quando percebeu que a garota a sua frente se vestia igual à Moira. Mas o que aquela garota fazia ali? Acelerou os passos tentando acabar logo com aquela situação. Não agüentaria mais um drama das amiguinhas da Claire. Aos poucos foi percebendo que sua pele era bem mais clara que a da Moira, seu cabelo era mais claro e curto. Pensando bem Moira não parecia o tipo de menina que ficasse sentada no escuro perto da piscina nessa hora. Quem fazia isso era... Claire. Só de lembrar do seu nome Lucius já sentia um nó se formando em sua garganta. Eu preciso descansar, amor. Ele tinha tentado esquecer essas palavras o dia inteiro, mas ao ver a garota que lhes tinha proferido a sua frente, fez que tudo voltasse a sua cabeça. Acelerou os passos ainda mais. Eu não blefo Victor. Eu posso te dar o que você mais deseja de mim. Fechou os punhos em uma ação de dizimar sua raiva, porém isso só fez piorar. Queria tirar o gosto de Victor da boca de Claire. Apagar o gosto com a sua própria. Levava dali e fazer ela se lembrar de quem ela pertencia. Beijar cada extensão de seu corpo e fazê-la gritar seu nome, implorando por mais. Ela era só dele e de mais ninguém. E só de imaginar que o filho da puta do Victor tinha lhe feito arfar, tinha o tirado do sério. Tinha se segurado para não ir ate o quarto e matá-lo. Mas na hora se convenceu que não valia a pena. Agora? Agora parecia a melhor forma de resolver as coisas. Mas antes jogaria toda aquela angustia em Claire, sem se importar. Se ela realmente o amava, ela não poderia se jogar em Victor assim. Sentiu aquela raiva se expandir por todo seu corpo, o dominando, como sempre. E antes que percebesse estava do lado dela. Segurou seu braço firmemente, com força de mais, fazendo a garota se virar para ele. Então tudo se foi. A magoa, a raiva, o orgulho, a dor. Ela estava chorando, um choro desesperado, que ele não tinha ouvido porque a raiva o havia cegado. Seus olhos assustados estavam nele, com aquela expressão perdida no rosto. Ela arfou levemente quando as mãos de Lucius se ajustaram mais em seu braço. Então viu mais uma lágrima se arrastar por seu rosto. E tudo, tudo, desmoronou*. Ele a amava tanto, o cabelo negro que teimava em cair em seu rosto, à pele branca, sua boca rosada, seu nariz afilado, sua pequena orelha, seus braços finos, suas curvas acentuadas e principalmente, seus olhos. Ele não poderia esquecê-la, mesmo se ele quisesse. Ela já estava dentro dele, como uma praga, um vício. E por mais que ele beijasse Luisa ou qualquer outra, seria ela que estaria sempre em seus pensamentos, seus sonhos e pesadelos. Por todos esses anos, por todos esses séculos, que ele tinha vivido, não tinha uma pessoa que o fizesse se sentir assim, tão perdido, tão confuso, tão fora de si. Então ele cedeu a aquele sentimento. Abaixou-se até a ela, passando os braços em volta de seus ombros e sua cintura enquanto ela colocava seu rosto no vácuo de pescoço de Lucius. Diferente do que ela costumava fazer ultimamente, se afastando ou gritando com ele, ela apenas ficou ali, chorando em seu colo. Um vazio enorme tomou conta de Lucius. Tudo era sua culpa. Vê-la chorando assim só comprovou isso. Precisava afastá-la, mas principalmente precisava se afastar, antes que fosse tarde de mais. As mãos de Claire apertaram mais um pouco o pescoço de Lucius. Ela sussurrava coisas sem sentindo. “Desculpa. Desculpa Lucius” Ela afundou mais seu rosto no pescoço de Lucius, fazendo o estremecer. “É tudo minha culpa” ela falou em seu ouvido. “Eu não deveria estar aqui”. Essas palavras fizeram com que Lucius se afundasse mais no abismo que sentia. Aquilo, nem de longe, era culpa dela. Queria falar tudo para ela, mas o soluço de choro e a culpa não o deixavam. Então invés disso a abraçou mais forte, sentindo o corpo dela se moldar ao seu. Passou os dedos no rosto marcado pelas lágrimas e a viu fechar os olhos. Segurou seu rosto com uma mão a fazendo se virar para ele. Beijou sua testa. Sentiu aquele doce aroma invadir seu pulmão. Beijou a ponta de seu nariz. Baixou suas mãos em suas costas para que ela se aproximasse mais. Beijou sua bochecha. Passou as costas de sua mão tentando tirar as lágrimas que desciam. Beijou seu queixo. Ouviu sua respiração se tornar mais lenta e pesada. Beijou seu pescoço. Os pêlos da nuca dela se arrepiaram. Beijou perto ao seio esquerdo que a blusa roxa justa deixava ver a curva. As mãos de Claire o puxaram mais aprovando o gesto. Subiu sua boca ate orelha, ainda encostando-se à pele dela, e mordeu levemente sua orelha. Lucius.Ela sussurrou seu nome. Ele segurou sua necessidade dela e se separou, tentando ver seus olhos. Alguns segundos se passaram ate ela sair daquele transe e olhar nos olhos de Lucius. Ficaram assim se olhando, se devorando, pensando se fariam isso ou não. Foi Lucius que decidiu. Ainda com seus olhos nos dela, ele baixou sua boca lentamente vendo se ela fugiria dele. Ela não o fez. Sua boca entrelaçou a dela lentamente. Beijando o canto da boca dela primeiro, depois mordendo o lábio inferior sem força, abriu a boca sentindo os lábios dela se juntar ao seu. Segurou seu cabelo com força fazendo a se arquear para ele, aproximando mais os corpos e a beijou mais profundamente. Sentiu a língua dele ao mesmo tempo em que ele passava sua mão na barriga dela, traçando um pequeno caminho do seu umbigo ate a entrada de seu jeans. Ela se arrepiou por inteiro quando ele a beijou no pescoço novamente e passou sua mão sobre seu peito, ainda sob a o sutiã e a blusa roxa. Continuou a beijar seu pescoço, então seu colo, seu ombro, sua pequena ferida. Ele levantou a blusa dela ate abaixo dos seios e passou sua mão ali. Ela arfou novamente, mas o gemido saiu abafado, pois Lucius voltou a beijá-la novamente. Sentiu aquela necessidade se alastrar por dentro dela e entre suas pernas e num ato desesperado começou a tirar a blusa dele, com anseio de sentir sua boca contra a pele de seu peito. Ele não disse não e não se afastou, ao contrário a ajudou a tirar. Olharam se novamente como um aviso que não teria mais volta. Mas sinceramente eles não se importavam. A boca dele foi à dela novamente enquanto ela o puxava pelo pescoço. Sentiu sua pele encostar-se à dela, ainda com a pequena blusa embolada os atrapalhando. Ela desceu sua mão no seu abdomem, sentindo o encolher sob o seu toque. Abandonou seus lábios para percorrer o mesmo trajeto que sua mão tinha feito. Viu os olhos dele se fechar e se sentiu estranhamente orgulhosa e feliz. Desviou suas mãos do seu abdomem e começou a subi-la por suas costas. Então, como tudo tinha começado, terminou. Ela congelou seus movimentos e sentiu se perder naquele sentimento. As palavras ainda vinham a sua cabeça. Então ele caiu. Ele caiu por mim. Abaixo de seus dedos as cicatrizes estavam frias e denunciadoras. Minha culpa. Minha culpa. Ela falava mentalmente para si mesma enquanto afastava seu corpo do de Lucius. Olhou seus olhos questionadores, sua testa franzida e o aperto das suas mãos. Abriu sua boca para falar algo a ele, mas não conseguiu. Levantou-se um pouco desajeitada, o deixando ali, ajoelhado e sem camisa. Sentiu que as lágrimas voltaram e desviou seus olhos dos deles. Ajeitou sua blusa e voltou a olhá-lo. “Des... Desculpa. Isso não vai acontecer mais.” Então ela se decidiu pelos dois.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo 17 - *Revelações:

Foram segundos ou quase isso. Eu estava segurando fortemente a mão de Victor, então não mais. Mãos frias e deformadas agarraram meus ombros, me levando ao chão. Minhas costas bateram contra o chão duro e arqueei meu corpo ao atingir a raiz de uma árvore. Eu gritei. Gritei de dor. Desespero. Medo. E mais dor. Eu pude ouvir a voz de Victor ao fundo. NÃO! Então dor, simples e pura. Uma dor imensa se alojou em meus ombros e eu senti um peso sobre mim. Meus pulmões inflaram e eu gritei, sem entender o que estava acontecendo ao meu redor. Eu abri os olhos ainda sentindo o sangue quente e fresco escorrer dos meus ombros ao chão. E lá estavam aqueles olhos negros me encarando. Sua boca com dentes finos e cerrados. Eu não saberia dizer com exatidão, mas ele parecia sorrir. Eu pude ver a descrição negra por sua pele azulada. Elas contornavam todo o seu rosto ate a extensão do pescoço e iam se espalhando por seu corpo, com diferentes tamanhos e variadas formas. Eu não sabia o que elas falavam, mas eu tinha certeza que eram escritas em hebraico. Seus lábios brancos com rajadas negras se abriram mais me mostrando todos os dentes. Eu sabia o que ele era. Sua pele azulada, as escritas delineadas pelo corpo, seus dentes em formas de pregos afiados, suas unhas negras que ainda persistiam em perfurar minha pele e seus olhos negros. Ele era um Djin. Mas não era qualquer Djin. Ele era o dos piores. Os Ifrits. A maioria dos Djins tinha formas indeterminadas, podendo ser um humano ou um animal. Na maioria dos casos eles incorporavam em formas dos elementos. Ar, fogo, terra ou água. Mas os Ifrits eram diferentes. Eram criaturas infernais que viviam na terra através de trocas de favores. Procuram humanos tolos o suficiente para conceder desejos a eles em troca de sua alma. Sua ligação com o mal era tão profunda quanto de um demônio. Por isso eles trabalhavam juntos. Os Dijins conseguiam seguidores a Corte Negra, em troca eles concediam mais poderes aos Ifrits. Acreditasse que os Djins eram tão poderosos como os anjos, mas foram expulsos ao se rebelarem e ambicionarem mais poder. Agora havia um bem a minha frente. Cada desejo concedido por ele forjado em sua pele. E eu poderia jurar que um desses desejos era minha própria morte. O Djin se curvou sobre mim, cravando mais suas unhas, me fazendo gritar enquanto ele proferia palavras indecifráveis. Eu pude ver por alguns segundos sua pele azulada ganhar uma cor alaranjada, começando com suas mãos, indo para seus pulsos, braços, então para todo seu corpo. Depois disso eu não vi mais nada. Meus olhos se fecharam em protesto, minhas mãos agarraram a primeira coisa que eu senti, meu corpo se contorceu em dor e eu gritei, pela décima vez, eu gritei. Sentindo queimar cada célula de meu corpo. Minhas pernas se debateram sob o corpo grande do Ifrit, mas eu já tinha perdido a consciência dos meus atos. Ele espalmou sua mão sobre meu peito, espalhando a dor daquele ponto para cada extensão do meu corpo. Meus gritos se fundiram a um som animalesco. As unhas foram arrancadas dos meus ombros dolorosamente. Então eu não senti mais nada. Corpo. Dor. Som. Vida. Eu não senti nada.



******




Um estrondo. Grande e alto. Eu só pude ouvir isso. Eu tentei abrir meus olhos, mas eu estava cansada de mais. Porém isso não evitou que eu ouvisse as próximas palavras.

- Eu te avisei, Victor. Se alguma coisa acontecesse a ela eu te faria sofrer em dobro.
Outro estrondo. Como se algo se chocasse.

- Da próxima vez eu não vou apenas te avisar – silêncio. Duro e tenso. – Eu vou matar você.

Os próximos segundos que se sucederam eu não ouvi mais nada, servindo apenas para confirmar que Lucius não blefava. Ele mataria Victor, sem dó ou arrependimentos, e o mataria da forma mais dolorosa possível. Então uma risada baixa, triste e debochada, encheu o ar.

- Não haverá próxima vez – eu reconheci a voz de Victor – Acredite, eu sei o quanto é doloroso ver a pessoa que se ama ser tirada de você.

- Essa não é a questão, Victor – sua voz soou mais intimidadora que antes - Não me julgue pelos seus próprios erros.

- Eu só tentei protegê-la. E por mais que eu tentasse, ela só se afastou de mim.

- Protegê-la? A única coisa que eu vi você fazer foi machucá-la.

- Da mesma forma que você esta machucando a Claire.

Um barulho forte. Eu não precisava abrir os olhos para saber que Lucius tinha batido em Victor.

- Não ouse me julgar, Victor. As minhas decisões só cabem a mim decidir.

- Ah! Eu sei disso – eu pude imaginar o sorriso irônico que Victor deu a Lucius – Da mesma forma que eu sei que algo esta acontecendo aqui. Eu não sei o que você ou a Sura estão planejando, mas eu vou descobrir e não haverá nada que me impeça de fazer isso.

- Você tem certeza disso? – uma voz feminina soou mais ao fundo – Eu espero que vocês parem com isso, porque eu não quero acabar com vocês bem em frente à Claire. E eu também tenho certeza que ela não gosta de ser citada na 3ª pessoa.

Bem se eles não sabiam que eu estava consciente, agora eles sabiam. Sura tinha acabado de contar a eles. Eu me forcei a abrir meus olhos. O processo foi um pouco doloroso, mas eu consegui. As coisas foram tomando forma e eu pude reconhecer as pessoas. Então eu reconheci o quarto tão familiar para mim. Eu estava novamente na enfermaria. Tentei me sentar para ver melhor as pessoas que me encaravam, mas não deu muito certo. Meu ombro estralou e eu senti uma dor se alastrar pelo meu corpo. Eu arfei de dor. Quando eu abri meus olhos novamente pude ver Lucius me segurando e me apoiando. Eu olhei para ele enquanto seus olhos ainda estavam na cama tentando me ajustar a ela. Eu sei o quanto é doloroso ver a pessoa que se ama ser tirada de você. Ele me amava e era isso que fazia me sentir pior. Afastei meus olhos dele tentando não mostrar minha fraqueza. As memórias vieram a minha mente vagarosamente. Eu lembrava de Victor. A mata fechada. Os Ifrits. Senti um frio arrepiar os pêlos da minha nuca. Eu havia sido atacada, mais uma vez.

- Você esta se sentindo bem? – Lucius perguntou com a voz baixa e sentida.

Eu apenas assenti sem olhar em seus olhos. Victor andou ate mim, quase se agachando ao meu lado para chegar ao mesmo nível dos meus olhos. Ele se dobrou sobre mim e depositou um pequeno beijo em minha testa. Lucius que estava ao meu lado não disse nada, mas eu pude sentir sua hesitação diante ao gesto de Victor.

- Você sabe que eu não fiz isso, não sabe Claire? – Victor perguntou um pouco nervoso.

Eu assenti já sabendo a resposta. Ele não tinha feito nada. Eu tinha uma lembrança vaga do que tinha acontecido. Victor, antes de eu desmaiar, tinha tentado deter o Djin, mas não tinha conseguido. Eu ainda podia ouvir seu grito ecoar na floresta. Ele tinha tentando me salvar e quase não tinha conseguido. Os olhos de Victor foram de mim para Sura, mais sério.

- Eles não estavam tentando matá-la. – Victor tentou explicar algo que não fazia nenhum sentindo para mim.

- Não estavam? – minha voz saiu baixa e falha, mas ele me ouviu assim como todos na sala.

- Ele tentou te marcou Claire – isso soou mais ameaçador do que uma tentativa de assassinato.

Eu olhei para onde o Ifrit tinha me segurado e vi ataduras circundando meu ombro e meu peito, não me deixado ver o estrago que ele tinha feito em mim. Sem entender o que aquelas palavras significavam, eu olhei para cada um que estava na sala pedindo uma explicação. Eles não pareciam muito dispostos a responder.

- Eu preciso saber o que aconteceu – minha voz saiu mais forte – Ele tentou me matar ou não?

E como sempre o único que respondeu minhas perguntas foi Victor.

- Pelos sinais que ficaram em seu peito, ele estava te marcando em nome de seu líder, colocando em você uma parte dele para que pudesse te localizar a onde e quando quisesse – ele se virou para Lucius e Sura – Além do mais nós não fomos atacados por apenas um Ifrit e sim dois. Alguém sabia que você tinha saído e que não estava sozinha. Um Ifrit me atacou diretamente tentando evitar que eu te protegesse.

Eu engoli em seco. Alguém sabia que você não estava sozinha. Então tinha que ser alguém do Instituto. As lembranças passaram rapidamente por minha cabeça. As sombras em minha irmã. O desaparecimento repentino do Jeremi. A obsessão de Victor em saber o que tinha acontecido. A saída da Sura do Instituto. A atitude bipolar de Lucius. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Por que tudo parecia tão confuso? As informações eram jogadas em mim sem nenhuma explicação satisfatória. E por mais que eu tentasse, eu não consegui tirar da minha cabeça que algo de ruim estava para acontecer.

- Me marcar em nome do seu líder? Qual líder?

Todos hesitaram. Olhares perdidos e silêncio. Isso me indicou que eles sabiam a resposta.

- Me deixa adivinhar! – eu disse debochadamente – Vocês não podem me dizer?

- Claire... – Sura tentou se explicar.

- Obrigada, mas eu não quero mais desculpas. Por favor, me deixem sozinha.

Eu pude ver o olhar perdido de Sura. Ela parecia se sentir culpada. Mas sinceramente eu não me importava. Se eles tinham o direito de me privar da verdade, eu tinha todo o direito de me privar deles.
- Eu preciso falar com você antes, Claire – Victor me disse segurando minha mão.

O olhei e assenti, deixando que ele continuasse a conversa.

- O quanto disposta você estaria para tentar evitar que isso acontecesse novamente?

Diferente de mim, que não entendeu a que Victor se referia, Lucius pareceu entender bem. Tudo foi um borrão. Lucius foi para Victor, mas foi impedido no último momento por Sura, que o segurou pelo braço. Mas isso não impediu que ele gritasse com Victor ou tentasse se separar de Sura.

- Eu não vou permitir que isso aconteça, Victor. Você entendeu? – ele proferiu as palavras o suficiente para que todo o colégio ouvisse – Ela poderia morrer por isso!

Victor que parecia calmo há algum tempo atrás, não estava mais. Ele andou ate Lucius em passos duros, recebendo um olhar desaprovador de Sura. Ela ficou entre eles tentando evitar uma briga. Entre eles havia suas asas negras, abertas, mostrando sua força e determinação. Ela não deixaria que eles brigassem, pelo menos era isso que esperava.

- Era isso que você fazia com a Minogue quando eu não estava aqui, Lucius? Tentava evitar que eles a atacassem? – Lucius não respondeu, mas suas mãos estavam em punhos – Quantos demônios você matou para que isso não acontecesse? - um sorriso demoníaco apareceu no rosto de Victor – Mas deixa eu te informar. Isso não deu certo. Você não conseguiu fazer seu trabalho e ela quase morreu por isso.

A mão de Lucius foi parar no rosto de Victor, tirando sangue do canto de sua boca, enquanto Sura, ainda entre eles, agarrava a blusa de Lucius tentando afastá-lo. Eu vi suas asas abrirem em exaspero, o impedindo de atravessar o pequeno espaço entre eles. Eles iam acabar matando um ao outro. Então eu fiz o que uma menina mimada e chata faria.

- PAAAAAAAAAAAAAREEEEEM! - Gritei. Gritei alto.

Os olhos assustados e nervosos de Lucius foram parar em mim. Victor voltou a sua postura, mas um pouco hesitante. E Sura finalmente conseguiu uma folga. Bem pelo menos tinha dado certo. Eu olhei para Lucius, ainda recuperando meu fôlego.

- Eu não o culpo pelo o que aconteceu, a única culpada aqui sou eu – ele pareceu querer falar alguma coisa, mas eu não deixei – Mas se eu tenho a chance de impedir que isso aconteça novamente, eu tenho o direito de saber como. E essa decisão é somente minha.

- Não é tão simples assim Claire – Sura disse mais calma.

- Mas eu pelo menos poderia saber o que é, não posso? – eu a enfrentei pela segunda vez no dia.

Ela assentiu e olhou para Victor, pedindo que ele me explicasse, mas em seus olhos havia um aviso perigoso e taciturno. Victor demorou um pouco a falar.

- Eu poderia treinar você – havia certo entusiasmo quando ele falava – Você, Claire, tem habilidades que poderiam acabar com qualquer pessoa que quisesse e se fosse treinada da forma correta, você poderia se tornar mais poderosa que seus inimigos. Porém, para isso, você teria que treinar fora do Instituto junto com o quinto ano.

Então eu entendi o porquê de ele me levar para cachoeira. Ele iria me treinar. Você poderia se tornar mais poderosa que seus inimigos. Essa idéia me parecia melhor do que continuar trancado no Instituto junto com meus vários mistérios.

- O Conselho não aprovaria essa ação – Sura completou diante meu silêncio repentino.

- E nem eu – Lucius disse entre dentes.

Eu me forcei a não rolar os olhos com essa declaração e falar o que ele merecia ouvir. Eu apenas me contentei a concordar com eles enquanto em minha cabeça eu já arquitetava um plano.

- Eu entendo – eu disse baixo e com uma entonação triste, tentando ser o mais convincente possível.

Eles não se convenceram muito, então tentei mudar de assunto.

- Quando as meninas vão poder me visitar?

- Elas não sabem que você esta aqui – Lucius respondeu em tom duro.

- Não sabem? – eu disse um pouco indignada.

- Não podemos alertar os alunos sem ter certeza do que aconteceu, Claire – Sura disse mais autoritária – Infelizmente o Conselho não me autorizou a fazer isso.

- É claro que não. Mas eu tenho certeza que vocês podem mentir pra elas que eu sofri um acidente de moto ou algo assim. Uma mentira a mais não vai fazer diferença.

- Não uso esse tom de voz com a Sura – Lucius me avisou.

Eu entrecerrei meus olhos para ele – Eu quero que vocês saiam do quarto, por favor.

Eles pareceram duvidar no começo, mas com meu silêncio viram que eu estava falando a sério. Victor começou a levantar ao meu lado e eu segurei seu pulso com algum esforço

- Não você – eu disse baixo.

Com esse gesto Lucius não precisou de mais nada para sair da enfermaria. Ele me olhou com desgosto antes de virar e sair do quarto. Sura fez o mesmo, se despedindo de mim de longe e se distanciando com uma expressão magoada. Eu olhei um pouco indignada a cena. Era eu que quase morri há pouco tempo atrás, não eles! Quando a porta se fechou, eu olhei para Victor e coloquei meu dedo sobre a minha boca, pedindo que ele fizesse silêncio. Ele obedeceu. Eu o chamei com minha mão e ele se inclinou para mim. Com algum esforço eu consegui alcançar os lábios deles com os meus. Ele pareceu surpreso no começo, mas cedeu. Lucius poderia estar bravo, mas não era tão bobo. Ele estaria perto dali, em algum lugar próximo para poder ouvir nossa conversa. Eu o conhecia bem e tinha certeza que ele faria isso. Então eu tentei distraí-lo com algo. Um beijo, por exemplo. Ainda com o corpo debilitado eu consegui por minhas mãos no braço de Victor, aprofundando o beijo. Ele colocou sua mão em meu pescoço e me puxou para ele suavemente. Meus ombros estavam enfaixados e uma camisola cobria meu corpo, mas, além disso, não havia mais nada. Então quando ele passou uma mão levemente sobre meu seio eu arfei, sem hesitar. Ele sabia o que fazia, mas não era isso que importava agora, eu já tinha me distraído bastante. Eu tirei minha boca da dele e a deslizei ate seu ouvido.

- Eu concordo com você – eu disse quase inaudível – Mas para que isso dê certo você precisa me fazer um favor. Antes que eu saía daqui, eu preciso que você traga a Moira pra cá.

Ele não disse nada e eu soube que ele estava confuso. Ainda em seu ouvido eu sussurrei “Confie em mim”. Ele assentiu e antes de sair de perto, mordeu o lóbulo da minha orelha, me provocando. Eu não resisti e fechei meus olhos.

- Pode me usar como desculpa quantas vezes quiser – ele sussurrou tão baixo quanto eu.

Eu assenti rindo. Ele não perdia tempo. E por incrível que pareça eu gostei.

- Pode ir indo agora – eu dei um último selinho sobre seus lábios, dessa vez para que Lucius ouvisse – eu preciso descansar, amor.

Ele riu quando eu disse a última palavra. Amor. Brega o suficiente para soar convincente.

- Você tem certeza disso? – ele se inclinou fazendo menção que me beijaria de novo.

Eu o empurrei com as mãos e balancei a cabeça em negativo.

- Tenho. Mas se você trouxer meu presente, eu posso te dar algo em troca.

- Oh! Garotinha, não me prometa o que não pode cumprir.

- Eu não blefo Victor. Eu posso te dar o que você mais deseja de mim.

Ele saiu do quarto um pouco desconcertado, tentando entender do que falava. Mas eu sabia muito bem o que ele queria de mim. Minhas lembranças.




- Camille! – eu disse vendo a porta se abrir – Trouxe meu bolo de brigadeiro?

Eu me virei para colocar o copo de água sobre a cômoda ao meu lado e quando voltei a olhar em direção a porta percebi que não era Camille. Já tinha passado três dias desde a visita não tão agradável do Lucius, Sura e Victor. Felizmente minhas feridas não foram tão graves, então logo eu estaria fora daqui. Logo eu esperava ver Moira o mais rápido possível. Mas nunca a pessoa tinha acabado de adentrar ao quarto.

- Bianca? – eu disse em um sussurro baixo.

- Oi irmã – ela fechou a porta atrás de si.

- O que você esta fazendo aqui? – soou um pouco desesperado, mas eu ainda não estava preparada para falar com ela.

- Vim ver você – ela andou ate a cadeira do meu lado e sentou – Como você esta?

- Melhor – eu não consegui olhar em seus olhos.

- Tem certeza? – ela passou seus dedos sobre o meu tórax – Eu não acreditei quando me disseram que você tinha sido atacada.

As palavras de Sura vieram a minha mente. Não podemos alertar os alunos sem ter certeza do que aconteceu, Claire. Infelizmente o Conselho não me autorizou a fazer isso. Talvez fosse só com os alunos do Instituto, não as dominações. Ou talvez por ela ser minha irmã. Eu não sabia, mas precisava perguntar.

- Como você sabe disso?

Ela sentiu a desconfiança em meu olhar e me olhou igualmente.

- E por que eu não deveria saber? – ela não me respondeu.

Ficamos em silêncio. Eu não sabia o que responder.

- Por nada. Eu só pensei que receberia visitas quando me recuperasse.

Ela sorriu.

- Você é minha irmã, Claire, não a nada que eu não faça para te ver.

- Eu também – eu assenti, deixando meu corpo relaxar aos poucos.

- Já tomou café? – eu neguei com a cabeça – Se você quiser eu posso pegar alguma coisa para você...

Ela começou a se levantar, mas eu a puxei pelo braço, chamando sua atenção.

- Não. Eu só preciso... Preciso que você me diga o que aconteceu em 2002! – as palavras saíram antes de eu poder evitar.

Ela franziu sua testa e me olhou com mais atenção – Quem te disse sobre isso?

- Foi Victor. Ele disse...

- É claro que foi o Victor – ela me interrompeu – E desde quando você anda conversando com Victor Lefroy?

- Ele é o investigador do Conselho, Bianca – eu disse mais séria.

- Eu sei disse. Ele não me deixou esquecer disso da última vez que apareceu aqui.

- Então você o conhece?
- Sim – ela soltou uma risada de deboche – Todo seu charme, aquela atitude atrevida, a promessa de que ele resolveria tudo. Mas diferente de você eu não me deixei ser levada por essa conversa fiada.

- Eu só estou tentando conversar com você, Bianca!

- E eu sou estou te avisando, Claire, do que ele é capaz!

- Da mesma forma que você me avisou sobre o Lucius?

- É. Mas como sempre você parece não querer me ouvir, como a menina mimada e fraca que é!

Eu calei, magoada com as palavras. Ela se abaixou e apertou meu rosto entre sua mão – Se eu fosse você não acreditaria em tudo que te dizem.

- Mas se eles não me disseram nada – eu cuspi de volta.

- Então esta na hora de traçar suas próprias verdades – ela tirou a mão do meu rosto arrastando suas unhas no processo.

Ela me deu uma última olhada antes de se despedir – Ate mais irmã.

Sua alta confiança e sua frieza nas últimas palavras confirmaram o que tentava negar para mim mesma. Ela tinha mudado. Mudado de uma forma que eu temia não ter mais volta.



Eu passei a tarde inteira remoendo as palavras que Bianca tinha me dito. Então esta na hora de traçar suas próprias verdades. Ela queria dizer algo com aquilo, mas o que? Eu parecia mais cheia de perguntas do que antes. E nada disso fazia sentido para mim. Isso só fez com que minha decisão ganhasse mais força. Quando Victor veio me visitar novamente, meu ombro estava praticamente curado. Felizmente ele trouxe Moira antes que isso acontecesse. Vê-la fez me sentir mais feliz depois de tudo. Ela ainda estava com o uniforme de treino, o que indicava que ela tinha acabado de sair do último treino. Ela me abraçou rapidamente antes de me avaliar. O rosto dela me mostrou que talvez eu tenha me machucado mais do que eu imaginava.

- Que merda aconteceu com você? – ela demonstrou, da sua forma, sua preocupação.

- Eu pensei que nunca diria isso, mas como eu senti sua falta Moira. – eu senti as lágrimas se formarem, as mesmas que eu tinha segurado durante todos esses dias.

- Oh amiga! Eu também senti saudades – ela segurou minha mão e acariciou com seu polegar – eu nunca pensei que um acidente de moto poderia causar tantos danos.

Então Victor tinha usado minha desculpa. Eu ri da mentira – Nem eu!

- Não querendo estragar o momento, mas nós temos pouco tempo aqui – Victor disse atrás de Moira.

- Claro, desculpa – eu contive as lágrimas e me voltei para Moira – Eu preciso da sua ajuda Moira!

- Tudo que você pedir amiga! – ela disse séria, o que era bem raro no caso dela.

Eu tive que rir. Não era como se fosse algo tão difícil.

- Eu preciso que você me empreste suas roupas. As roupas que mais lembrem você.

- Minhas roupas?

- É. Suas roupas – vendo sua testa franzida eu tentei explicar – Eu não posso te contar agora, mas é por uma boa causa... Eu acho.

- Ta. Eu vou pegar minhas roupas, mas como eu faço pra te entregar?

- Você entrega para o Victor e ele traz pra mim, mas eu preciso disso para amanhã!

- Amanhã? – foi à vez de Victor protestar.

- Eu não sei quanto tempo mais eu vou ficar na enfermaria e para que eu vou fazer, eu preciso usar isso como desculpa, se algo der errado – vendo os olhares desconfiados, eu completei – Mas nada vai dar errado.

- Eu espero que nada de errado!

- Eu também – Victor concordou – mas agora nós precisamos ir.

- Victor espere. Eu quero te dar seu presente.

- Agora? Na frente da Moira? – ele perguntou rindo. Eu rolei os olhos.

- Não é disso que eu estou falando. Eu quero que você me ajude a lembrar de algo. Algo sobre minha irmã.

- Eu acho que agora não é o melhor momento.

- Se eu vou fazer isso, eu preciso saber de algo agora.

- Não é tão simples assim Claire. Eu não posso traçar um caminho na sua cabeça e apontar a lembrança que eu quero ver. E também tem o fato de você ser uma Blind.

- O que isso tem a ver?

- Você tem proteções naturais que me impedem de fazer isso, sendo mentais ou físicas.

- Você não poderia pelo menos tentar?

- Agora não seria a melhor hora.

- Por Favor... Só... Só tente!

Ele arfou e andou ate a mim.

- Isso não será nada agradável – ele me avisou.

- Obrigada.

Moira nos assistia sem entender nada, mas continuou ali.

- Então como você quer fazer?

- Tem várias formas? – eu perguntei incrédula

- É. Eu posso usar a compulsão em você, poderia fazer uma sessão oficial com o Conselho ou, a minha favorita, beber seu sangue. Qual você prefere?

Moira começou abrir a boca, mas eu a interrompi – Nada de beber meu sangue!

Eu poderia querer saber sobre meu passado, mas não assim. Uma mordida de vampiro podia significar muito mais que sangue e endorfina no Instituto. Eles não aceitariam um membro dos principados sendo usado como milkshake de vampiro. Havia formas de uma mordida não ser perceptível, ficando em outro lugar alem do pescoço, mas nada que eu considerasse. E falar com o Conselho seria a última coisa que eu faria por agora. Então só me sobrou uma opção.

- Compulsão. – eu finalmente respondi.

- Chato e previsível, mas eu concordo com você – ele saiu de atrás da Moira e foi ate a mim – Moira segura as pernas dela, com força.

Ele deu ênfase nas últimas palavras. Talvez não fosse tão fácil como eu imaginava.

- Eu preciso que você se concentre nas minhas palavras e olhe em meus olhos – ele segurou meus pulsos na cama, um de cada lado, me dando uma melhor visão dos seus olhos – e por último tente pensar na pessoa que você quer lembrar. Pronta?

Eu olhei aqueles olhos azuis a minha frente, me passando segurança e assenti. Eu precisava saber. Eu tinha que saber.

- E por último, se algo der errado, se a mínima coisa te atrapalhar, você vai chamar meu nome, entendeu? – eu assenti novamente – Assim eu posso te tirar do transe e voltar ao presente. Agora olhe em meus olhos.

Então eu olhei. Sua pupila foi dilatando gradualmente tornando sua íris praticamente preta, se não fosse a linha fina azul que ainda estava ali. Claire me mostre. A imagem da minha irmã quando ainda éramos criança, quando ela ainda vivia comigo, sentada a minha frente, com suas pequenas asas, formaram em minha mente. Na época eu não entendia o porquê das asas, mas eu ainda assim as achava lindas. O que você vê? Seu rosto pequeno marcado com pequenas sardas, seu cabelo loiro claro com cachinhos nas pontas, seus olhos azuis que sorriam para mim, suas mãozinhas pequenas juntas as minhas. O que mais? Suas mãos foram tiradas das minhas, alguém a segurava deixando apenas seu rosto a mostra, ele também tinha asas, maiores e negras. Bem negras, se fundindo as delas, que eram brancas. Quem é ele? Eu não sei. Não via seu rosto, apenas suas roupas negras. Ele estava de costas. Por um instante ele olhou para mim. Sua feição magra. Seus olhos azuis. Sua boca em uma linha fina. Suas bochechas altas. A pequena cicatriz em sua sobrancelha. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. E seus olhos extremos. Lucius. Sua boca na minha. Lucius. E suas palavras certas. Lucius. E sua atitude terna. Lucius. E seu amor. Seu amor por mim. Lucius. Meu Lucius.

Seus olhos azuis me olhavam fixamente. Suas mãos desenhavam o contorno do meu rosto e seus olhos me pediam, não, rogavam por mim. Eu não estava entendendo nada, mas ele precisava que eu entendesse. Ele beijou ternamente meus lábios, tirou uma parte de mim. Daqui para frente não haveria mais volta. Ele roçou seus lábios novamente aos meus, como uma pequena prece, um pedido delicado para que eu me entregasse a ele.

- Você tem fé em mim Claire? – Suas mãos ainda seguravam meu rosto carinhosamente e seus olhos transmitiam toda sinceridade e dor que eu nunca tinha visto nele – Você acredita em mim?

- Eu acredito. – eu disse em um sussurro, as palavras ditas em tom baixo refletiam sua dor e a minha fé nele, em nós.

Eu ainda encarava seus olhos azuis. Minhas mãos foram para seu rosto pedindo que ele me explicasse o porquê daquilo.

- Você não precisa fazer isso. Você entende o que isso pode te causar Lucius?

Ele me puxou para um abraço, apoiou seu queixo em meu ombro, respirou profundamente o perfume dos meus cabelos, massageou minhas costas com seus dedos, me tirou do chão e sussurrou em meus ouvidos.

- Você não sabe o que seria capaz para te salvar? Para te ter Claire? – eu senti a doce e cautelosa dor se mesclando com uma felicidade morna e terna – Eu faria de tudo por você. Eu cairia por você. Eu perderia minhas asas. Porque eu não posso voar se eu não tenho pra onde ir. Eu não posso viver se eu não tenho motivos. Eu não posso te deixar se você é a única que me faz feliz. Eu não posso te perder se eu acabei de encontrar... Encontrar a pessoa que eu amo.

Então ele caiu. Ele caiu por mim.

claire. claire. claire. claire. claire. Claire.CLaire. CLAire. CLAIre. CLAIRE! CLAIRE! CLAIRE!



- Não! Não! Não! Por favor, Não! – eu me debati tentando sair do aperto de algo, não, de alguém. Se a mínima coisa te atrapalhar, você vai chamar meu nome. Qual era o nome? Meu Deus, qual era o nome? O nome? Victor.

- Victor... Victor!

- Eu estou aqui... Estou aqui. Calma Claire. Calma – ele me abraçou e eu me entreguei a esse abraço.Mas não chorei. Guardei a magoa em mim. Eu não podia contar. Não. Eu precisava saber se aquilo era verdade. Então ele caiu. Ele caiu por mim. Eu me negava a acreditar. Eu não podia ser a causa disso. Eu me separei dos braços de Victor e baixei meus olhos à cama.

- O que aconteceu comigo?

- Você não se lembra? – Victor levantou minha cabeça com suas mãos.

- Eu... Eu não me lembro – eu menti.

- Você tem certeza?

- Você não viu?

- Não. Depois que você começou a se debater foi meio difícil prestar atenção em alguma coisa – um meio sorriso apareceu em seu rosto, tentando me confortar.

- Onde esta a Moira?

- Eu to aqui. – ela me chamou em frente à cama – eu nunca pensei que você poderia ser tão forte!

- Desculpa – eu disse um pouco desconcertada.

Depois de alguns minutos de silêncio, eu consegui colocar meus pensamentos em ordem.

– Vocês poderiam me deixar um pouco sozinha?

Moira assentiu. Victor não pareceu concordar muito, mas também acabou cedendo.

- Tchau Claire – Moira se aproximou e beijou minha testa.

Victor selou minha boca com a sua por poucos segundos e me deixou sozinha. Eu sei que não deveria ter mentido, mas agora a única coisa que eu queria era ficar sozinha com minha dor e culpa.


******


Droga. Droga. Droga! Onde eu estava com a cabeça quando pensei em invadir o quarto do Lucius? Uma hora atrás o plano parecia infalível. Eu me vestia como a Moira, tentando não chamar tanto atenção, entraria no quarto de Lucius quando ele não estivesse lá e pegava a chave do meu quarto sem que ninguém me visse. A outra parte do plano ainda estava sendo elaborada, mas isso não importava agora. O que importava era que eu estava em baixo da sua cama, me escondendo, enquanto os pés de Lucius e da Luisa me davam o aviso que eles não sairiam tão cedo do quarto.

- Eu consegui o que você me pediu – eu vi os pés de Luisa se aproximar dos pés de Lucius.

Provavelmente ela entregou a ele o tal pedido.

- Original? – ele perguntou com ar superior.

- Sim. Delineada pelo Arcanjo Miguel, ungida em Israel e a descrição é em hebraico – ela disse como se fosse à coisa mais normal do mundo – Você mais do que ninguém deveria saber que é original.

- Certo – ele continuou em silêncio. Do que eles estavam falando?

- Eu não sei por que você ainda se importa – ela andou ate a cama, sentou e cruzou as pernas – A garota não passou nem meia hora sem você e no outro minuto já estava nos braços de Victor.

Agora eu sabia do que ela falava. Ela falava de mim.

- Não a julgue – a voz de Lucius soou ameaçadora. Toma vadia!

- Eu sei! Eu sei! Ela já sofreu de mais e nada do que esta acontecendo é culpa dela – ela se levantou da cama e foi ate Lucius, em passos lentos – Eu me pergunto é quando você vai parar de se culpar depois de tantos sacrifícios que você já fez por essa garota.

- Não começa Luisa... – ele falou mais calmo, mas impaciente de qualquer forma.

- É só que eu não entendo Lucius. Você já se sacrificou tanto e ainda tem esse plano maluco que não faz sentido algum. E isso tudo por ela – eu pude ver suas pernas aproximarem com as do Lucius – Tem tantas formas de fazer isso.

- Você não entende? – ele disse sarcástico – Ela nunca me perdoaria se soubesse o que aconteceu. Essa é a única forma de me redimir...

As últimas palavras soaram tristes e desesperançadas.

- Se redimir? Aquela garota faria qualquer coisa para te ter Lucius. É você que não entende! A única que deveria se desculpar é ela por te fazer sofrer assim – um silêncio estalou no quarto durante alguns segundos – As coisas poderiam ser diferentes se você quisesse.

- Não daria certo, Luisa – ele a cortou.

- Você tem certeza? – ela fez o impossível e ficou mais perto dele – Já deu certo antes. Antes de ela aparecer. Antes de isso tudo acontecer no Instituto. Quando havia somente eu e você.

Então eu vi seus pés se levantarem e soube o que ela tinha feito. Ela tinha o beijado. O ar em meus pulmões se foi. Eu me segurei para não sair de baixo da cama e acabar com aquilo tudo, mas isso só pioraria as coisas. Os segundos se passaram. Os minutos. Então ela voltou à posição de antes.

- Não faça isso Lu – ele pareceu rogar para ela.

- Eu só quero que pense a respeito, só isso – as palavras soaram mais doces do que eu queria admitir – Mas, pelo menos, você poderia me levar ate meu quarto. Não poderia?

- Claro.

Eles saíram com os passos contados, juntos, me deixando sozinha no quarto. Eu ouvi a porta se fechar e suspirei em alívio. Ainda bem que eu já tinha encontrado a chave, se não teria que passar mais algum tempo naquele quarto. Eu me arrastei ate a beirada da cama e me levantei, ainda com medo de ser pega. Dei uma última olhada no quarto e encontrei sobre o que eles estavam discutindo. Uma adaga prata estava sobre a mesinha perto da cama. Eu fui ate lá e a peguei. Ela tinha o cabo feito de aço e a lamina de prata. Havia pequeno espirais em seu cabo e alguns pequenos rubis dentro dos espirais. Em sua lamina havia as descrições que Luisa tinha falado, em hebraico, mas eu não sabia do que falavam. Então era isso. Eu coloquei a pequena adaga sobre a cômoda novamente, com cuidado, para que ele não notasse. Respirei fundo me preparando para sair do quarto. Dei uma última olhada na cama. Foi ali que eu havia me deitado fazia alguns meses. Sai do quarto deixando a porta na mesma posição, entreaberta. Ainda no pequeno corredor, eu encarei a cozinha. Eu havia o abraçado ali. O peso das palavras veio à tona. A única que deveria se desculpar é ela por te fazer sofrer assim. Atravessei o corredor lateral apressada. Olhei para a porta que dava para o jardim. Eu havia o beijado lá. Ele caiu por mim. Minha visão embargou antes de chegar à piscina. Você já se sacrificou tanto. As lagrimas escorreram, sem que eu percebesse. Eu não sei por que você ainda se importa. Minhas pernas cederam e eu caí sentada em frente à piscina. Você não sabe o que seria capaz para te salvar? Para te ter Claire? Talvez eu não seja a vítima nessa história e sim a causadora de tudo. Quando havia somente eu e você. Era a hora de traçar minhas próprias verdades.