terça-feira, 27 de julho de 2010

Capítulo 21 - Recordações:

Eu não saberia explicar o que tinha acontecido. Eu sabia o que eu tinha feito, eu sabia o que tinha falado, mas a cena do que tinha acontecido não me vinha à mente. Tudo tinha acontecido tão rápido. Foi tudo tão sem nexo. As palavras que saíram de mim, as palavras que saíram dele. Então tudo o que tinha acontecido durante esses sete anos foram resumidos em cinco minutos. Tudo resumido em apenas uma frase. Não se preocupe Claire, eu não vou estar mais na sua vida. Eu vou esquecer você. Pareceu tão simples. Ele não gritou ou apertou meus pulsos, ele não riu cinicamente para mim ou me machucou com suas palavras acidas. Ele simplesmente me deixou ali. Ele simplesmente não lutou por mim. Eu apertei minhas pernas sentindo a náusea aumentar, respirei profundamente tentando não me sentir tão tonta. Mas isso não me machucava tanto. Eu havia provocado isso, era isso que eu tinha esperado, então eu não podia reclamar. Mas o que mais machucava era simples idéia que ele conseguisse cumprir o que tinha me falado, me esquecer. Se ele me esquecesse não teria muita coisa que eu poderia fazer. Ele poderia sair da minha vida, mas nunca da minha cabeça. Desde os noves anos, tudo, tudo se resumia a ele. Eu me lembro de cada momento, cada sorriso, cada abraço, cada beijo, cada sonho, cada olhar, eu lembrava de quase tudo. Ele deixava me deitar entre seus braços na promessa que me acalmaria, que eu estaria segura ali. Agora que eu não o teria mais, não teria mais seus braços, eu não sabia mais o que aconteceria. Só em pensar que não o veria mais sorrir para mim, só para mim, me fazia sentir mal. Se eu sorria era só para vê-lo sorrir de volta, se eu passava meus cabelos atrás da minha orelha era apenas para fazer charme e ele notasse que eu sentia seu efeito sobre mim, se eu me apertava entre seus braços era para que ele visse o quanto eu precisava dele e se eu olhava em seus olhos, por intermináveis minutos, era para que ele soubesse que eu o amava. Mas agora não mais. Agora eu tinha lhe dado à única razão para mantê-lo longe. Eu disse que o que eu pensava sentir por ele era uma ilusão. Eu disse que não o amava mais. Mais que isso. Eu disse que amava outro. A realidade me acertou. As palavras que havia dito não estavam tão longe da verdade. Eu tinha me agarrado a ele como minha única salvação. No orfanato, depois que minha irmã foi levada, eu vivi a fase mais escura da minha vida. Eu tinha cinco anos quando tive minha primeira visão. Sombras. Em quase tudo que eu via tinha sombras. Elas se arrastavam e circundavam pessoas como se fizesse parte delas. O mal existe em qualquer lugar. Então eu comecei a ouvir vozes. Vozes grossas ou angelicais, mas as intenções não eram das melhores. Eu me recusava a obedecer, então eles me ameaçavam. Toda madrugada os barulhos se espalhavam pelo quarto. Gritos de dor, raiva, sons estranhos, desconexos. Ate eu não aquentar mais. Eu tive meu primeiro ataque aos seis. A madre superiora não sabia o que fazer comigo na época, então na maioria das vezes ela me trancava no quarto. Eu nunca fui uma criança normal, as crianças não costumavam a brincar comigo. Quando eu passei a ser trancafiada no meu quarto ninguém sentiu minha falta, o que só fez as coisas piorar. Só um ano mais tarde eu fui levada a médicos e diagnosticada com epilepsia. Os médicos não conseguiram detectar a causa da doença. Os remédios receitados não fizeram os efeitos esperados. As crises diminuíram, mas não como esperado. Logo eu continuei presa no meu quarto. Eu não culpo Julia, a madre superiora, eu vivia em uma cidade pequena, cheia de superstições e crenças, o medo do que aquilo significasse me baniu no orfanato. Só quando eu tinha nove anos eu o vi. Ele era uma parte da minha ilusão que eu queria que se tornasse realidade. E ele se tornou. Eu apenas o vi, na pequena praça em frente a minha janela. A neve, o casaco preto assim como suas asas, os olhos azuis, a pele branca, o sorriso. Ele vinha todas as noites quando eu ameaçava ter outro ataque, me reconfortando. Até que suas visitas se tornaram mais constantes. Ele me contava histórias sobre suas crenças e origem, o que eu era no mundo e minha importância. Ele me convenceu que eu fazia parte de algo importante, algo maior. Então pela segunda vez na minha vida eu me senti no lugar certo, junto a ele. Ele passava a maior parte da noite lendo para mim ate eu adormecer. Eu amava a sua voz, a forma como ele me abraçava ou quando ele beijava a minha testa quando pensava que estava dormindo. Aos doze eu já estava viciada nos livros da Clarisse Lispector. Foi ela que me convenceu que eu tinha o direito de ser quem eu era e amar quem eu amava. Eu disse a ele que não tinha mais ninguém que eu poderia casar alem dele. Ele apenas riu da minha afirmação. E eu? Eu o expulsei do meu quarto aquela noite. Ele voltou apenas dois meses depois, mais distante e frio. Aquilo me fez esquecer minhas pretensões por um tempo. Se amá-lo significava perdê-lo, eu guardaria aquele sentimento só para mim. Foram meses ate ele voltar ao que ele era. E foram anos ate eu voltar a expressar o que eu sentia.

Eu puxei as cobertas sobre meu corpo, me encolhendo mais. Estava mais frio essa noite. Lucius estava em frente da janela, com os braços cruzados, observando a neve se dissipar pela rua. Eu tremi involuntariamente trazendo a atenção de Lucius para mim.

- Ainda com frio? – ele perguntou sério.

Eu apenas balancei a cabeça, confirmando, já que meus dentes batiam sem me deixar responder. Ele andou ate a cama ainda com os braços cruzados e se sentou na beirada da cama. Tirou um sapato de cada vez e se levantou novamente. Ele tirou as cobertas rapidamente e se deitou ao meu lado. Uma brisa leve vindo do piso amadeirado me fez tremer novamente. Ele passou os braços em volta do meu corpo e me puxou mais para ele. Eu juntei meus braços e deixei que seu corpo me aquecesse. Eu fechei meus olhos sem perceber e ri. O contato do seu corpo ao meu me fazia sentir estranha. Esfreguei meus pés aos seus. Eu não precisava abrir os olhos pra saber que ele ria do meu ato. Eu poderia ficar ali, assim, sem me mexer, que viveria feliz. Abri meus olhos lentamente e senti seus braços afrouxarem um pouco. Eu encarei aquela imensidão azul, seus olhos, e percebi como ele estava próximo. Minha mão deslizou sobre sua camisa azul de algodão e parou na sua nuca. Eu o senti hesitar com meu ato e se distanciar um pouco.

- Minha mão ta fria... – eu simplesmente disse, tentando mascarar minha ação.

Ele concordou com a cabeça, com os olhos cerrados, desconfiando.

- Você nunca sente frio? – ele apenas negou, parecendo tão extasiado como eu – Nunca?

Fingi não acreditar. Aconcheguei-me melhor no meu travesseiro, colocando meus olhos na mesma altura dos seus. Movi minha mão ate seu nariz e apertei. Ele me deu um meio sorriso e eu sorri de volta.

- É. Realmente não ta frio e nem um pouco vermelho.

- Eu te disse – ele me disse com um tom como se falasse com uma criança teimosa.

- O meu nariz ta vermelho? – arqueei minha sobrancelha.

- Só um pouco – ele passou as mãos nas minhas costas tentando me esquentar e eu me aproveitei para ficar mais próxima.

- E gelado?

Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, eu me aproximei mais. Passei meu nariz no seu em um processo demorado, como um beijo de esquimó. Percebi que sua respiração quente sobre minha bochecha ficar mais pesada e suas mãos hesitarem sobre meu corpo. Aproveitei esse pequeno momento, quando seus olhos pareciam perdidos entre meus olhos e minha boca, e o beijei. Minha mão esquerda circundava seu rosto enquanto meus lábios se encostavam aos seus. Meu coração batia descontroladamente e minhas mãos estavam suando frio. Eu nunca me senti tão quente como naquele inverno. Eu senti sua boca abrir lentamente sobre a minha e corresponder. Seus braços me apertaram levemente. Eu movi meus lábios sobre seu lábio inferior. Cada momento, cada pedaço do beijo, fazia meu corpo reagir de forma estranha. Um minuto depois eu senti sua língua na minha e me senti nervosa, sem saber o que fazer. Mas ele simplesmente fez com que tudo procedesse naturalmente. O beijo ficou cada vez mais intenso, mas lento ao mesmo tempo. Como se cada um quisesse captar e absolver tudo que acontecia. Eu o beijei por mais um minuto ou por mais meia hora, eu não sei, ate que o beijo se tornou em curtos beijos e depois selinhos. Ele olhou em meus olhos, me reprovando com o olhar, mas em sua boca ele tentava conter um sorriso. Eu fiquei um pouco desconcertada depois, sem saber o que fazer ou para onde olhar. Ele segurou meu queixo entre seus dedos e me fez olhar para ele.

- Nós não podemos fazer isso. Não agora – eu senti um soluço formar em minha garganta e tentei desviar o olhar, mas ele segurou meu queixo – Apenas dê... dê tempo ao tempo, minha pequena.

Eu sorri ligeiramente e deixei que ele me abraçasse. Com a cabeça perto do seu pescoço, ele beijou minha testa e me reconfortou. Eu me senti, pela primeira vez, no lugar certo. Entre seus braços, perto da sua boca e dentro do seu coração.


Eu tinha quinze anos quando eu o beijei pela primeira vez e nada parecia tão certo como aquele beijo.


Eu senti meu corpo ser levantado, mas não tinha forças para ajudar a levantar ou me afastar. Abri meus olhos com certa dificuldade e senti uma pontada na parte direita da minha cabeça. A imagem desfocada foi ganhando forma ate eu reconhecer a Celina a minha frente. Eu tentei sorrir para ela, mas a dor que se espalhava por meu corpo não permitiu. Celina sorriu de volta. Ela me levantou com certa dificuldade enquanto minhas pernas temiam em me obedecer. Desequilibrei-me e vi Celina me segurar pelos braços. Tudo rodou. A náusea foi voltando e meu corpo se reprimindo.

- Respira amiga – Celina disse calmamente olhando para mim.

Eu fiz o que ela me mandou, mas não adiantou muito.

- Vem. eu vou te levar pro banheiro.

Passou o braço pelos meus ombros e me guiou ate o banheiro. Eu pude ver que perto da mesa havia uma poça de vomito e me sentia mais enjoada ainda. Eu entrei no banheiro com ajuda da Celina e vi minha imagem refletida no espelho. Meu sutiã estava manchado, meu short todo amassado, meu cabelo estava todo embolado e tinha imensas marcas roxas envolta dos meus olhos. Eu sorri para imagem a minha frente. Essa nunca fui eu. Mas agora essa garota parecia muito mais com que eu vivia do que eu estava representando normalmente. Tentei segurar o choro, mas as lagrimas já escorriam. Estúpida. Inútil. Mentirosa. Manipuladora. Essa sou eu.

- Deixa eu te dar um banho.

Celina me tirou da frente do espelho e me levou ate o box, embaixo do chuveiro, ajudou-me a tirar minhas roupas e ligou o chuveiro. A água quente escorreu por meus cabelos e depois por minhas costas. Ela me ajudou a me ensaboar e a lavar meu cabelo. Depois de tudo ainda me fez escovar os dentes, me levou ate ao quarto, colocou meu pijama e penteou meu cabelo. Eu me senti cair sobre suas pernas cruzadas numa tentativa que ela me consolasse.

- Eu me sinto... – um soluço escapou de mim – tão... tão perdida, Céu.

Tudo saiu baixo, como se eu tivesse medo de que ela escutasse e não pudesse fazer nada. Ela passou as mãos em minha cabeça e me deixou chorando, sem dizer nada. Aos poucos o choro foi diminuindo e eu me senti melhor por um tempo.

- Você sabe por que eu to aqui?

Eu neguei, não tendo a mínima idéia do que a Celina se referia.

- Eu sonhei com você essa noite. Sonhei com você da mesma maneira que eu te vi deitada na sala – ela afagou minha cabeça – Claire, eu sei que parece bem clichê, mas eu sei como você se senti. Quando meu pai me abandonou, abandonou a mim e a minha mãe, eu me senti assim como você. Perdida. Eu me perguntava se tinha feito algo de errado ou se ele simplesmente não me amava. Eu me culpei, culpei minha mãe. Ele nunca ligou ou mandou uma carta. Eu tive que me virar durante esse tempo. Reconstruir. Graça a Deus eu tive meus amigos e a minha mãe pra me ajudar. – ela levantou minha cabeça e me fez olhar pra ela – Você pode se sentir perdida agora, mas acredite, sempre tem uma saída. Só lute por ela. Você sempre vai ter a mim, a Moira, a Bianca, o Jeremi, o Lucius, a Sura e eu ate acho que você tem o Sam, se precisar.

Eu sorri gratuitamente e me deitei de novo.

- Eu acho que o perdi, Céu.

- Perdeu quem, Claire?

- O Lucius...

Eu ouvi a Celina bufar e rir depois.

- Você acha que perdeu o Lucius? – ela perguntou incrédula.

- Eu tenho quase certeza.

- Eu não sei como você vê as coisas, amiga, mas eu posso te falar o que eu vejo. Eu nunca vi uma pessoa tão devota, tão entregue a você igual o Lucius.

Agora foi a minha vez de rir descrente – Certo!

- Eu sei que ele não costuma demonstrar isso, na verdade ele luta pra não demonstrar isso, mas às vezes, nas raras vezes que ele não consegue disfarçar, a gente pode ver como e quão intenso ele te ama. Por enquanto você não corre esse risco de perdê-lo, pelo menos não agora.

- Eu não acredito tanto nisso...
- Olha em volta Claire. Ele te deixou morar junto a ele, ele te salvou na piscina, dançou com você na noite da iniciação, ele quase enlouquece quando te vê junto com o Jeremi ou com o Victor...

- Sabe – eu a interrompi e me sentei a sua frente – Ele disse que me amava, de uma forma triste e sádica, mas disse. Então ele disse que me deixaria viver minha vida e que iria me esquecer.

- E quantas vezes ele não te disse isso, en Claire? Não com essas palavras, mas é quase a mesma coisa... – eu tentei não sorrir feito uma boba com essa pergunta – Ele sempre volta pra você, sempre.

Apertei as mãos da Celina e sorri para ela. Isso era tudo que eu precisava ouvir agora.

- Brigada, Céu. Agora eu me pergunto como você nunca me disse isso antes?

- Bem amiga, eu não costuma dizer o que é óbvio.

- Ah! Isso era muito óbvio, claro – eu ri da cara indignada que ela fez.

Nós rimos ate ouvir a porta da sala ser aberta. Por um instante eu vi tudo parar. Poderia ser ele. Era ele. Quem mais seria? Os passos foram aumentando e eu pude ouvir que estava próximo a minha porta. Meu coração acelerou só ao ver a maçaneta ser rodada. Não podia ser ele, não agora. Eu não estava preparada para isso.

- ‘Tão’ fazendo reuniãozinha sem mim?

Para minha sorte não era ele. Era a Moira. Por um momento ela me encarou sem disfarçar o espanto.

- Ta tudo bem com você Claire? – ela pareceu realmente preocupada.

Eu previ que minha cara inchada e o vomito que ela encontrou na sala deve ter dado alguma dica para ela.

- Defina bem? – eu tentei não soar tão desesperada como eu fiz com a Celina.

- Deixa eu adivinhar! – ela cruzou a distancia entre nós e sentou ao meu lado da cama – Lucius?

- Mais ou menos – eu tentei não colocar a culpa nele, já que a culpa, dessa vez, era totalmente minha.

- Dica amiga! Se ele ainda não percebeu como ta te fazendo sofrer com todo esse dramazinho ‘eu-não-gosto-de-você-fica-longe-de-mim’ é porque definitivamente ele não te merece, então dá um pé na bunda dele e manda ele se foder.

- E se dessa vez a culpa for minha...?

- Então inferniza a vida dele ate ele implorar pra te ter de volta. Simples assim.

- Sua filosofia de vida, Moira, me choca!

- Também me choca – Celina completou.

- Pelo menos pra mim esse filosofia de vida ta dando MUITO certo!

- E isso por quê? – Celina perguntou um pouco desconfiada.

- Deixa eu adivinhar! – eu imitei o ar presunçoso da Moira – Você obrigou o Irial a entrar no seu dormitório e o violentou sexualmente ate ele te implorar pra continuar?

- Defina obrigar? – foi à vez dela me imitar.

Eu fiz cara de chocada para ela e Celina pareceu querer morrer nessa hora.

- Me diz que você não fez o que eu to pensando, no MEU dormitório, enquanto eu tava dormindo – Celina disse.

- Disse a que fez sexo no jardim do Instituto – Celina corou e fez careta – Mas não... – Moira sorriu maliciosamente – Ainda!

- Ate eu to curiosa. Conta tudo. Agora! – eu disse animada, pela primeira vez no dia.

- Eu sei que vou parecer uma adolescente apaixonadinha, mas o Irial. Meu Deus. O Irial é lindo, perfeito e fodasticamente gostoso.

- Definitivamente você não pareceu uma adolescente apaixonadinha! – eu fui irônica.

- Tanto faz – Moira deu de ombros – Continuando... Depois daquela briga, que eu não entendi nada, entre o Victor e o Jeremi, eu pedi gentilmente que o Irial me levasse pro dormitório, já que a Celina aqui – Moira olhou pra Celina – tinha sumido junto com o namorado dela e o Jeremi.

- Gentilmente? – Celina arqueou a sobrancelha – Você deve ter agarrado o Irial pela gola da camisa dele e ter arrastado ele pro quarto – Celina continuou e imitou o Irial, me fazendo rir ainda mais – “Por favor, Moira, eu não posso, ta tarde, se alguém ver a gente aqui...”.

- Cala Boca! – Moira interrompeu parecendo um pouco incomodada.

- Foi exatamente isso que você disse pra ele e o levou gentilmente pro nosso dormitório.

Eu ria descontroladamente vendo a cara da Moira. Ela não tinha gostado tanto da brincadeira.

- Vocês vão me deixar terminar de contar ou não?

Eu confirmei tentando segurar a risada. Celina fez o mesmo.

- Então... O Irial, como eu ia dizendo, me levou ate o dormitório gentilmente. Pra falar a verdade eu tava tão bêbada que eu fui meio que pendurada no braço dele, mas isso é apenas um detalhe. Eu nem sei se era porque eu tava muito bêbada ou porque eu tava tímida – Moira falou como se não acreditasse no que tinha acabado de fala. Eu tive que me conter pra não rir, olhando pra expressão da Celina ela também estava com vontade de rir. – mas eu não consegui dizer muita coisa ate chegar à porta do quarto.

Moira suspirou e continuou.
- Quando eu cheguei à porta do quarto, eu disse... Bem, eu disse que, mesmo com a briga, eu tinha gostado da noite e principalmente das declarações veladas. Então ele me disse que também tinha gostado – Moira parecia mais animada do que o normal – Agora presta atenção que vou contar detalhadamente o que aconteceu!

Eu e Celina rimos.

- Ele foi na minha direção lentamente, como se tivesse medo que eu falasse não ou sei lá, e foi me pressionando contra a parede. E pela primeira vez na minha vida eu fiquei sem ação. Não consegui falar nada, fazer nada... Eu só sei que ele encostou seu corpo com o meu, me pressionou contra parede e me beijou. E não foi só um beijou. Foi O beijo. Eu senti como se ele pudesse se fundir a mim, suas mãos, tudo, tinha uma sincronia. Perfeito... Só perfeito.

Eu fiquei encarando a Moira enquanto ela parecia ainda estar em transe. Ela realmente gostava do Irial, eu diria ate que amava. Foi a Celina que cortou o silêncio.

- Depois dessa declaração, eu preciso de um momento de silêncio... – eu e Moira encaramos a Celina sem entender – A minha amiga mais devassa de todas ta apaixonada. Isso precisa de um momento de silêncio.

- Cala boca Celina! – Moira disse e bateu na cabeça da Celina.

Eu ria tanto quanto a Céu.

- Realmente se ate a Moira conseguiu o homem que ela queria, eu posso desistir – eu disse fingindo estar séria.

- Como vocês são engraçadas! – Moira cruzou os braços – Mas ainda tem um pequeno problema...

- E seria qual? – eu perguntei.

- Ele me disse pra manter segredo por enquanto, não dizer a ninguém.

- Mas ele tem razão, Moira – Celina disse – Não é como se fosse normal um instrutor se envolver com um principado no Instituto. Por mais que o Instituto diga que não vai se intrometer na nossa vida e deixar a gente fazer a nossas escolhas, existem responsabilidades e regras. E se envolver com um instrutor vai contra todas as regras estabelecidas, principalmente contra o nosso destino de guardar as dominações.

- Destino? Onde você vai com toda essa alegria amiga? Se tem uma coisa que não tem espaço na minha vida é o destino. A única coisa que pode definir minha vida sou eu mesma e minhas escolhas. Nada e nem destino nenhum vai me impedir de ter o que eu quero.

- Eu tenho que concordar com as duas. – Moira me olhou em duvida – Nada vai te impedir de ter o que você quer, mas não precisa ser exatamente agora. Como já me disseram: apenas dê tempo ao tempo. O Irial vai ser seu, amiga.

- Eu sei, Claire – Moira me olhou confiante – Assim como nada vai tirar o Lucius de você.

- Eu espero.
- Como eu senti orgulho de vocês agora – Celina disse rindo – Sério! Pela primeira vez vocês se pareceram centradas, corretas, assim como eu.

- Quer dizer chatas e entediantes, ne Celina? – Moira disse.

Então nós rimos, assim como nós fizemos a tarde inteira. Era só isso que eu precisava. Minhas amigas.





- Qual é Claire? A gente ate limpou o lindo vômito que tinha na sala, não dá pra fazer um esforço e levar eu e a Celina ate o nosso dormitório?

Eu fechei os olhos em exaspero. A última coisa que eu queria fazer era sair e dar de cara com Lucius. As coisas estavam indo bem ate agora. Como eu previ Lucius não voltou ao dormitório a tarde toda tentando me evitar e seria assim durante um longo tempo.

- Vem logo, Claire! Levanta e troca de roupa.

- A não! – eu me recostei no sofá da sala – Eu já to com pijama, já é noite e eu quero dormir, Moira...

- Claire não adianta reclamar. A Moira vai te fazer ir de qualquer jeito.

Eu olhei para Celina e bufei. Não dava pra ela me dar uma força?

- Ta! Eu vou trocar de roupa.

Levantei-me e fui para meu quarto enquanto Moira sorria vitoriosa e Celina rolava os olhos. Vesti o primeiro vestido que encontrei, coloquei minha sandália havaiana roxa e voltei ate a sala.

- Vamos? – eu disse sem ao menos olhar para as meninas e indo abrir a porta.

- Também não precisa ficar tão mal humorada, Claire. O dormitório é bem ali.

- Claro! Bem depois do jardim, lá do outro lado, descendo as escadas... – eu disse emburrada.

Olhei para trás e vi as meninas indo em minha direção, fechei a porta e andei ao lado delas.

- Você pretende continuar com o Irial, como casal eu quero dizer? – olhei para Moira.

- Eu não sei. – ela pareceu frustrada – Tudo que eu mais quero é ele pra mim. Mesmo que eu tenha que quebrar regras ou fingir para os outros que a gente não esta junto.

Eu balancei a cabeça em concordância enquanto continuamos a andar. Celina se pronunciou depois de um momento de silêncio.

- Eu olho para vocês e me pergunto como vai ser para mim. – eu a olhei sem entender – Teve uma parte da minha vida que não tinha nada que eu queria mais do que ser um principado, então eu encontrei o Sam e os meus objetivos meio que mudaram. Eu não sei como vai ser quando tudo isso terminar, os treinos, as aulas e começar a vida real... Vai ser difícil me separar dele.

Eu nunca pensei que a Celina cogitasse a idéia de se separar do Sam, na verdade eu nunca pensei como seria meu futuro fora do Instituto.

- Vocês nunca pensaram em abandonar o Instituto? Sei lá, ter outra vida?

- Não – a Moira foi a primeira a responder – Eu gosto do Irial, eu acho que poderia ate amá-lo, mas abandonar o Instituto? Nunca. Não tem nada que eu faça melhor e é o que eu amo fazer.

- Eu costumava pensar igual a você, Moira, mas as coisas estão tomando outra proporção agora. Eu começo a pensar na minha mãe, eu só não consigo imaginar em deixá-la sozinha enquanto eu possa morrer a qualquer hora e muito menos minha vida sem o Sam. Mas eu também não consigo ver outra coisa que eu possa fazer. Eu vivo isso, eu respiro isso, sabe? E também tem o Sam, ele nunca deixaria o Instituto ou decepcionaria o Conselho por mim. Nunca – Celina disse as últimas palavras como se isso fosse a pior parte de todas.

- Sério? – Moira perguntou.

- É. Mas não se preocupe Moira, eu nunca deixaria de ser sua parceira por causa disso, são só pensamentos...

- Eu penso totalmente diferente de vocês. Eu nunca me imaginei fazendo isso. Matar demônios ou proteger anjos. Meu único sonho era ter minha irmã de volta ou encontrar uma família ou, por mais estúpido que isso pareça, ficar com o Lucius. Agora eu não tenho a mínima idéia do que fazer, mas ser um principado me parece a melhor alternativa. – eu esbocei um sorriso para elas.

Passamos à porta que dava para o jardim e eu pude notar que havia alguém sentado em um dos bancos. As meninas ficaram em silêncio quando também notaram que havia alguém ali. Pelo horário não deveria ter ninguém, amanha teríamos treino, como sempre, e todos tinham que estar dormindo. O que não aplicava muito a nós que ainda estávamos acordadas, então não seria tão difícil alguém fazer o mesmo.

- Sou eu – o estranho gritou vendo que estávamos paradas perto da porta.

- Jeremi? – eu gritei de volta.

- É – ele respondeu.

Eu me virei para meninas, as impedindo de ir ate lá.

- Eu preciso conversar com o Jeremi. Sozinha. Tudo bem?

Celina e Moira se entre olharam, mas não disseram nada.

- Tudo bem Claire – Moira se adiantou – Mas só dessa vez.

Ela piscou e se despediu. Celina fez o mesmo e minutos depois eu me encontrava sozinha com o Jeremi no jardim externo.

- Onde elas foram? – Jeremi me perguntou logo depois que eu sentei ao seu lado.

- Eu disse que queria conversar com você.

- Ah – ele assentiu rapidamente e não disse mais nada.

- Então... – eu puxei assunto – O que você ta fazendo aqui, sozinho, no meio da noite?

- Apenas pensando.

Jeremi não disse nada por um tempo. Eu me encolhi a seu lado e cruzei minhas pernas sobre o banco de madeira. Olhei para Jeremi e vi que ele olhava o céu. A lua estava imensa e clareava toda a dimensão do seu rosto. Agora, o olhando, ele parecia diferente. O rosto sério e fechado o deixava mais velho, seu cabelo estava molhado e penteado para trás, sua boca parecia um pouco ressecada e seus olhos mais triste. Ele sabia por que eu estava ali e parecia não gostar muito disso.

- O que aconteceu ontem?

- Eu acho que não preciso descrever a cena pra você Claire. Você tava lá, você sabe o que aconteceu.

Ouch! Ele deveria estar mesmo chateado. Ele nunca tinha me tratado assim antes, mas eu não desistiria fácil.

- Você sabe ao que eu me refiro Jeremi... – eu virei seu rosto em minha direção com a minha mão – Do que o Victor tava falando?

Ele me olhou como se eu não tivesse perguntado nada. Ficou em silêncio e não me respondeu.

- Não me faça perguntar ao Victor... – ele franziu a testa em reprovação – Então, por favor, me fala o que aconteceu ontem? Do que o Victor tava falando?

- Minha família... Ele tava falando da minha família, Claire – ele ainda tinha um olhar triste e perdido quando falou isso.

- Sua família?

- Foi há muito tempo atrás – ele virou o rosto e fitou o céu novamente – Um grupo de rastreadores me encontrou quando eu era mais novo e quase matou toda a minha família por minha causa. Foi Victor que a salvou na época.

- Rastreadores?

- Faz parte da corte negra. Demônios designados a encontrar principados e aniquilá-los. E eles me encontraram.

- E o que o Victor tem a ver com isso?

- Victor faz muita coisa em nome do Conselho, Claire. Varias coisas. Na época ele caçava os rastreadores. Graças a ele minha família não foi massacrada... – eu vi seu maxilar travar com as próximas palavras – Desde então ele faz questão de jogar isso na minha cara. Como eu fui incapaz de fazer alguma coisa.

- Mas você era a apenas uma criança, Jeremi – eu peguei sua mão e o vi olhar para mim – Não é sua culpa. Não se culpe por isso.

- Eu era apenas uma criança, certo? – ele sorriu sádico.

Eu confirmei e apertei mais sua mão. Eu vi uma lágrima escorrer sobre seu rosto. Antes que ela pudesse chegar a seu queixo, eu limpei com a palma da minha mão. Jeremi a segurou, com a sua mão, e se reconfortou ali. Eu pude sentir a intensidade do seu olhar, a forma como ele me olhava, o desespero por mais. Eu poderia amá-lo, seria mais fácil, tão fácil.

- Você parece ser a única pessoa que me faz esquecer tudo que eu já vivi, mesmo que seja por pouco tempo – eu senti a sua sinceridade refletir em mim.

- Ainda bem que eu tenho as meninas e... e você agora. Parece fazer as coisas ficarem mais fáceis – eu disse.

Ele sorriu e concordou comigo. Sua mão foi da minha ate meu rosto, parou sobre minha bochecha e a acariciou com seus dedos. Baixei minha mão do seu rosto e curti um pouco o seu carinho, ainda com os olhos nele.

- Sabe? Agora eu seu o porquê do Sam e da Celina fazerem isso aqui... – ele sorriu mais mostrando seus dentes brancos.

- Fazer o quê... – eu me calei me lembrando do que a Celina tinha falado ontem na brincadeira. – Imbecil! - Eu tirei sua mão do meu rosto e ri – Só você pra pensar, pior, pra falar uma coisa dessas!

- Me diz que você não pensou nisso? – ele inclinou a cabeça para o lado e riu.

Vi as covinhas no seu rosto e fiquei o olhando por um tempo. Tão lindo.

- Eu sabia! – ele me sorriu vitorioso e eu bati em seu braço.

- Não! Eu não pensei, seu pervertido – me levantei e olhei de novo – Depois dessa eu acho que a única coisa que eu tenho a fazer é ir pro meu dormitório...

Eu tentei ir, mas ele segurou meu pulso.

- Você quer que eu vá com você? – ele sorriu de lado.

- Não Jeremi! – eu tentei não rir, mas não consegui.

Ele se levantou e continuou a segurar meu pulso, o acariciando com o dedo.

- Eu ainda não terminei – ele disse mais sério.

Seu corpo foi se aproximando e por um momento eu não consegui me mover. Seus olhos pareciam querer me engolir. Intenso como eu nunca o vi antes, sério, compenetrado. Sua mão ainda estava no meu pulso. Eu engoli em seco. Ele parou a poucos centímetros de mim.

- Fique longe do Victor, Claire. Ele é ta usando você.

- Eu vou tentar - eu forcei um sorriso - Boa noite, Jeremi.

- Boa noite - ele se aproximou lentamente, movendo sua boca próxima a minha.

No último momento eu virei meu rosto. Eu não podia enganá-lo. Eu não podia me enganar. Ele riu da minha esquiva e beijou minha bochecha. Desvencilhei-me dele e no próximo instante eu já estava praticamente correndo para o meu dormitório, fugindo dele e da realidade que me cercava.


******


- O que você ta fazendo?! – eu disse entre dentes.

- Devolvendo suas roupas, Claire.

- Na frente de todo mundo, Victor!

Todos nos olhavam enquanto ele me dava peça por peça.

- Não fui eu que esqueci essas roupas no meu dormitório... – ele disse enquanto um sorriso maldoso se formava em seu rosto.

- Fala.mais.baixo! – eu peguei minha blusa bege das suas mãos – Da última vez que eu me lembro minhas roupas estavam numa mala!

- E perder seção ‘humilha-Claire’? Nunca! – ele me rodeou com uma velocidade sobre-humana quando tentei pegar a pilha de roupas da sua mão.

Depois de uma noite mal dormida, a única coisa que eu poderia fazer era continuar com a minha vida no Instituto. Agora estava eu, no começo de um treino, tentando pegar minhas roupas que eu tinha esquecido no quarto do Victor no sábado.
Me virei para encontrar ele segurando uma peça muito intima nas mãos e um sorriso maior ainda no seu rosto.

- Minha calcinha?! – eu tentei falar baixo para não chamar a atenção de ninguém, mas sinceramente não adiantou muito. Tudo mundo já olhava a cena.

Eu avancei para ele e tentei pegá-la de sua mão. Ele a levantou ate seu um e noventa e cinco metros de altura me impedindo de pegá-la.

- Se você ta tão obcecado com a minha calcinha, fica com ela... – eu peguei rapidamente a pilha da sua outra mão e sorri – porque é só isso que você vai conseguir de mim!

- Sério? Eu pensei que o que aconteceu sábado no meu quarto vale muito mais que uma calcinha...

Eu sabia a que ele se referia, sobre o beijo, mas do jeito que ele falou e o sorriso presunçoso que veio depois, deu a entender que era muito mais que isso. Ótimo! Agora a turma toda pensava que eu tinha transado com Victor Lefroy, o vampiro. E o pior era que eu não podia desmentir depois de tudo que eu falei para o Lucius. Bufei e revirei os olhos. Esse filho da puta!

- Onde você ta indo? – ele perguntou quando me viu dando as costas.

- Guardar minhas roupas.

- Se eu fosse você não iria por ai, amor...

- Eu não perguntei sua opinião.

Eu pude ver por escanteio que Jeremi assistia a tudo. Seus olhos estavam em mim, frios e letais, bem diferente de quando o encontrei no jardim. Ele nem tinha falado comigo hoje. Tanto faz. Eu já tinha feito minhas escolhas. Eu me aproximei da porta dupla e quando eu fui abrir, ela se abriu sozinha. Eu encarei aqueles olhos azuis inconfundíveis. Ele me olhou da mesma forma que tinha me olhado no primeiro treino, frio e distante. Eu lembrei da humilhação que passei por aquele dia e como ele me tratou. Ele parecia disposto a repetir tudo de novo e dessa vez parecia que ia ser pior, bem pior.

- Onde você pensa que você vai, senhorita Bauer? – ele disse em um tom baixo e grosso.

- Eu... An, eu vou guardar minhas roupas no dormitório, eu tinha esquecido na...

- Eu vou começar o treino agora, senhorita Bauer. - Ele me interrompeu - Se você sair, eu espero que não volte para aula.

Ele desviou e saiu da minha frente, me deixou ali, olhando atônita a porta dupla se fechar a minha frente. Ele me tratou com indiferença, não com raiva ou fúria, apenas como um aluno qualquer. Eu engoli em seco tentando desvencilhar as lagrimas. Se eu quisesse que ele acreditasse em toda a minha mentira, eu teria que fingir bem. Eu não sabia se conseguiria.

- Porque você ta chorando, pequena?

- Por nada! – eu virei meu rosto e me escondi, tampando meu rosto com as mãos. Eu não queria que ele me visse chorar.

- Claire olha pra mim – ele tentou tirar as mãos do meu rosto, mas não consegui – Claire, me diz, o que aconteceu?

Ele disse com a maior paciência do mundo, o que me fez chorar ainda mais – Nada, Lucius, eu já disse que foi nada.

- Você sabe que eu sempre vou saber quando você esta mentindo, não sabe Claire?

Eu balancei a cabeça ainda com as minhas mãos no rosto. Ele me puxou para o seu colo.

- Me diz, pequena, qual é o problema?
Eu funguei, tentando não chorar, e enfiei meu rosto em seu pescoço.

- Você acha que eu sou louca, Lucius? – o som saiu abafado, mas ele conseguiu escutar.

- Temo que sim, Claire. Você esta completamente maluca. Mas eu vou te contar um segredo. As melhores pessoas são malucas.

Eu tirei meu rosto do seu pescoço e o encarei.

- Eu não sou maluca! – eu disse, sem saber na época que ele tinha feito uma referência ao livro ‘Alice’.

Limpei meu nariz que escorria com a manga do meu pijama e fiz bico.

- Eu sei, pequena... – ele sorriu e passou a mão nos meus cabelos – Você sabe que quando uma pessoa é maluca ela nunca sai por ai perguntando se é, não sabe?

- Mas eu disse pra Melissa que eu te via e ela riu de mim e disse que eu te via porque eu era louca – eu cruzei os braços e bufei.

- Eu já te disse que você é diferente, Claire. Você consegue ver muito mais que as outras pessoas, o real mundo a sua volta, mas isso é nosso segredo, lembra?

Eu assenti ainda com os braços cruzados.

- Agora ta na hora de você dormir! – ele se levantou ainda comigo em seu colo.

- Você dorme comigo? – eu perguntei com a voz fanha.

- Durmo, se você prometer não esconder mais nada de mim, promete?

- Prometo – eu disse sorrindo, me esquecendo totalmente porque eu estava chorando.

Ele me levou ate a cama e em seguida deitou ao meu lado.

- O que eu não faço por você, minha menina dos olhos estranhos.


Fui ate o vestiário deixar minhas roupas. Quando voltei a aula estava preste a começar, os alunos já se posicionavam para começar o aquecimento. Victor estava me esperando.

- Comecem a correr! – a voz de Lucius soou por toda quadra.

Victor me acompanhou. Ele ainda era minha dupla.

- Depois disso eu posso dizer que deu tudo certo sábado? – a voz de Victor me tirou dos meus pensamentos.

- Eu acho que sim.

- Então isso significa que hoje à noite...? – Victor me olhou de soslaio.

- Sim, Victor.



Eu tinha trancado a porta do meu quarto como prevenção. Eu sabia que isso não adiantaria muito se ele resolvesse ver como eu estava, mas isso, de certa maneira, me dava segurança. Felizmente todo mundo acreditou quando eu disse que estava com dor de cabeça e que ia comer no meu dormitório mesmo. Depois de tomar banho e esperar o horário de recolher, eu saí. Não vi Lucius em nenhuma hora depois do meu treino. Eu sabia que ele me evitaria o máximo que podia depois da minha declaração. Corri o máximo que eu pude e me esquivei todas as horas que aparecia alguém. Cheguei ao dormitório de Victor e como previsto ele já estava me esperando. Ele nos guiou para fora do Instituto e em questão de minutos já estávamos em cima da sua moto correndo em direção a cidade mais próxima. Desta vez, quando estávamos na floresta, ninguém nós atacou e conseguimos chegar à cachoeira. Ela ficava mais longe do que eu imaginava, mas quando chegamos lá, todo o meu esforço, valeu a pena.

- É lindo!

Eu me perdi olhando toda a imensidão a minha frente. A água caía continuamente e a luz da lua clareava parcialmente a clareira onde ficava a cachoeira. Uma vontade imensa de entrar na água me invadiu. Eu me senti mais tranqüila olhando a paisagem.

- Não temos tempo pra isso, Claire – Victor apareceu a minha frente e chamou minha atenção para ele – Preparada?

- Sim, preparada.

- Feche os olhos.

Por um momento eu hesitei, mas obedeci ao que ele falou.

- Limpe sua mente, escute apenas o som da água, se concentre – eu fiz o que ele pediu – você pode ouvir o barulho do ar nas arvores... o som da água batendo nas pedras?

Eu assenti sem dizer nada, tentando me concentrar mais.

- Agora eu preciso que você se concentre no som da minha voz. Você consegui fazer isso? – nesse instante sua voz soou mais distante de mim.

Eu assenti novamente.

- Então onde eu estou? – sua voz estava distante, mas agora veio de outra direção – Onde eu estou, Claire?!

Ele gritou e eu pressenti que ele tinha mudado de posição novamente.

- Onde? ONDE?

- Eu... eu não sei!

- Resposta errada – a voz soou perto do meu pescoço e no próximo instante eu senti uma coisa acertar meu rosto fortemente.

- Qual é o seu problema, filho de uma...? – eu me afastei de Victor vendo que ele tinha acabado de me acertar um soco.

- Quem te disse que você poderia abrir os olhos? - o olhei com o cenho franzido – Nós não temos tempo pra isso. Se você acha que o Lucius vai demorar pra descobrir sobre isso, você esta enganada. Agora feche os olhos!

Ainda com raiva eu fechei os olhos. Ele estava certo, ele tinha mais experiência e esperava profundamente que ele soubesse o que estava fazendo.

- Então apenas me diga por que de tudo isso? – eu perguntei de olhos fechados.

- Os blinds têm a capacidade de prever o movimento do seu oponente, é só uma questão de concentração – sua voz apareceu distante indicando que ele começou a se mover – Com o tempo você vai perceber que pode prever onde eu vou estar, vai saber quais serão meus movimentos antes mesmo que eu os faça, vai visualizar cada passo meu sem ao menos eu ter dito nada, mas antes disso eu preciso treinar você – sua voz soou a minha direita, bem longe – Agora, onde eu estou?

Eu tentei me concentrar, ver onde ele poderia estar, visualizar, mas nada veio minha mente.

- Onde eu estou, Claire? – a voz veio de mais perto, mas não muito perto.

- A minha esquerda, atrás de mim.

- E agora? – a voz foi quase inaudível, não me dando a menor dica de onde ele estava - aonde?

Continuei em silêncio, tentando me concentrar na sua voz, mas ainda sim não consegui descobrir.

- Um – ele falou ainda longe – dois... – e sim ele estava contando – três – sua voz estava distante, mas veio de outra direção – quatro – ele estava próximo – cinco – mais próximo – Seis!

Eu pude sentir seu corpo próximo ao meu, mas não tive tempo de reagir. Sua mão acertou meu queixo, o que o fez estralar, eu me desequilibrei e fui para trás.

- Merda! Merda! Merda! – eu coloquei as mãos no meu queixo e o toquei levemente – Desse jeito eu vou voltar pro Instituto cheia de hematoma!

- Eu não ligo Claire – ele sumiu da minha frente recomeçando o treinamento – Alem do mais você tem a marca parcial do trisquel, você se recupera mais rápido que os outros, ate o amanhecer essas marcas já desapareceram – ele se mexeu de novo, mas eu não tinha a mínima idéia de onde ele estava.

- Ok. Eu não ligo se você me espancar, desde que você me ensine a lutar.

Eu fechei os olhos sem saber que eu não estava tão longe da realidade do que eu tinha dito.



Foi praticamente uma semana de treino e nenhuma progressão em relação a isso. Eu poderia dizer onde ele estava quando eram lugares mais pertos, mas nunca quando ele se distanciava de mais. Pior ainda quando ele se aproximava de mim, eu só sabia que ele estava perto segundos antes, aí já era tarde. Felizmente Victor estava certo, então as marcas que ele me deixou saíram antes do amanhecer. As aulas duravam só duas horas, mas era o suficiente para me deixaram cansadas. Eu passava maior parte das aulas matinais dormindo e outra boa parte treinando, mas por mais estranho que pareça quando a noite chegava, eu ficava mais ansiosa pela aula e por aprender logo. Victor dizia que era por causa de toda essa animação que eu não conseguia me concentrar, logo, hoje, ele decidiu me liberar da aula.

- Você podia ter me avisado antes de eu ter vindo aqui, não podia?

Eu estava no dormitório de Victor, depois da meia noite, na expectativa que ele me levasse pra treinar.

- Eu só decidi isso agora, Claire. E por favor, pára de fazer drama e vai pro seu dormitório, eu ando meio cansado depois de todos esses treinos.

Ele parecia tão frustrado quanto eu em relação aos treinos. Depois de uma semana eu não o culpava de estar entediado também.

- Semana que vem nos recomeçamos o treino, ta bom? – ele ainda estava sentando em sua cadeira com o olhar arrogante.

- Tudo bem, Victor – eu saí do seu dormitório em passos duros e não me importei de sair sem me esconder.

Esse filho da puta arrogante me paga. Eu andei no corredor escuro ainda com raiva pelo que Victor tinha dito. Eu não via a hora de começar a lidar com a minha força, já ele não parecia tão entusiasmado. Um barulho a minha frente me fez parar. Logo depois da escada, mais a baixo, na parte do dormitório feminino havia alguém. Na verdade havia duas pessoas. Pela pouca luz que tinha eu mal pude ver quem era. Me esgueirei perto da parede e me aproximei, sem que eles percebessem. Eles tinham os corpos colados, um pressionado no outro, a perna da garota estava na cintura dele e as mãos do rapaz corriam livremente sobre o corpo dela, sem pudor. Eles se beijavam, um beijo profundo, que os faziam não prestar atenção em mais nada a seu redor, nem em mim. Forcei mais meus olhos tentando focar a cena a minha frente. A pele dela era morena e usava uma calça jeans bem justa junto com uma blusa branca, seu cabelo negro era comprido e estava sem sapato. Ele era bem mais alto que ela, usava calça preta e uma regata preta, seu cabelo era raspado bem curto e ... Deus! O ar fugiu dos meus pulmões, meu coração começou a bater dolorosamente no peito, eu tentei não soluçar ou gritar com o que eu via. Era ele. Era o Lucius e a Luiza.