- Eu ainda não acredito que você venceu a Luisa! Não dá pra acreditar...
Moira sentou-se à mesa do refeitório com os olhos arregalados assim como Celina, que pareciam não entender ou acreditar no que acabava de dizer a elas.
- Eu deveria ter contado sobre o treino com o Victor antes, mas era segredo, vocês sabem...
Celina riu de uma forma engraçada, o que me deixou um pouco desconfiada.
- O que? – eu disse sem entender.
- Você acharia estranho se eu dissesse que suspeitava?
- Suspeitava?
Moira a olhou incrédula. Celina confirmou com o simples dar de ombros.
- Como?
- Eu não sei... Eu apenas sentia. Essas saídas repentinas, o seu envolvimento com Victor e o Sam me disse que você andou conversando com ele sobre o Instituto, certo?
- Sim, mas isso não indica nada, Céu.
- Mas não é só isso. Jeremi e Sam me disseram que estava ocorrendo movimentos estranhos ao redor do Instituto, eu só juntei o meu instinto e a lógica.
- Espera! Jeremi e Sam? O que eles tem haver com isso?
- É um pouco complicado...
- Não mesmo Céu. Começou, agora termina... Jeremi e Sam... – Moira disse em um tom acima, tão curiosa quanto eu.
- Sam vai me matar...
- Vamos, Céu, me conta. – eu disse.
- Ok, mas não pode contar pra ninguém, ninguém, me ouviu Moira?
- Porque você não fala isso pra Claire? - Céu a olhou com pouco animo – Ta bom, eu juro que não conto pra ninguém.
Depois de um minuto em silêncio, Celina se convenceu de que nós não contaríamos para ninguém.
- Depois dos ataques que ocorreram, os treinadores acharam melhor criarem um grupo de ronda para averiguar que não haveria mais nenhum ataque, mas como havia poucos professores eles chamaram os melhores alunos para auxiliarem na busca. Sam e Jeremi foram chamados.
- Eu entendi ate a parte do Sam, mas o Jeremi?
- Sim, porque o Jeremi? – eu tive que concordar com a Moira.
- Eu não sei. O Sam não quis me contar. E não é só isso, a Sophia e o Paulo Vitor também estão no grupo. Então quando você dizia que ia ter aulas com a Sophia ou quando você derrotou o Paulo Vitor no treino, eu sabia que alguma coisa tinha mudado.
Fiquei encarando Celina tentando digerir a nova informação sobre Jeremi. Eu entendia perfeitamente o envolvimento do Sam com Instituto, mas Jeremi? Não. Tinha alguma coisa errada nessa historia.
- To chocada. O Jeremi ajudando em uma busca junto com os treinadores? Isso não faz o menor sentido...
- O que não faz sentido?
Olhei para trás encontrando Sam e Jeremi se aproximando da nossa mesa, com suas roupas de treino e seus corpos suados.
- A Claire derrotar a Luisa? – Jeremi brincou – Isso realmente não faz nenhum sentindo...
- Por quê? Você acha que eu não sou capaz?
Minha vontade era dizer tudo o que eu sabia, dizer que não precisava mais mentir para mim, que ele sabia sobre meus treinos com Victor, mas eu havia prometido para Celina. Eu não diria nada, por enquanto.
- Ouw! Calma, eu só to brincando.
- Claro!
- Então... Como você conseguiu essa proeza, Claire?
Sam se sentou ao lado de Celina, enquanto Jeremi ficou em pé, ao meu lado, já que não havia mais cadeiras na mesa.
- Andei treinando com Victor durante alguns meses... – deixei as palavras saírem como se não fossem nada.
- Victor? – Sam puxou a cadeira de outra mesa e se sentou próximo a mim, mais interessado no assunto – Porque isso não me surpreende?
Porque você estava me espionando?
- Eu não sei. Por quê? – perguntei irônica.
Ele me olhou nos olhos, entre sua franja molhada de suor, seus braços cruzados sobre a mesa, me olhando com intensidade da mesma maneira que eu o olhava.
- O treino já terminou?
Celina perguntou para Sam, que continuou a conversa sem perceber o estranho mal estar que se formou entre mim e Jeremi.
- Eu preciso ir agora, Victor ta me esperando...
- Alguma coisa me diz que você anda saindo demais com o Victor e não é só pra treinar.
Moira me sorriu de forma maliciosa deixando todos na mesa entenderem o outro sentido por trás da frase. Eu ri sem medo de demonstrar o que ocorria entre mim e Victor. Muitas coisas haviam mudado.
- O que você vai fazer com o Victor? – Jeremi disse em tom forte.
Olhei Jeremi não acreditando que ele tinha usado esse tom de voz comigo.
- Eu vou sair com ele. Algum problema?
- Nenhum. Eu já te disse o que eu penso sobre ele... Ele vai cobrar o favor que te fez, espero que você não se arrependa depois.
- Não se preocupe, Jeremi, eu sei me cuidar - disse mais séria.
Levantei-me e despedi de todos, menos de Jeremi. Andei ate a porta ouvindo Moira reclamar algo sobre ciúme e por Jeremi ser um idiota comigo. Mas eu tive que discordar dela, idiota era pouco.
******
- Você esta tão...
Victor não terminou a frase, deixando aquele sorriso convencido e delicioso me impregnar. Seus olhos desceram ate minhas pernas descobertas do vestido leve e floral, e ficaram ali por um tempo ate voltar ao meu rosto. Ele andou ate a mim, com sua blusa social preta e sua calça jeans também preta, seu cabelo loiro solto cobrindo seus ombros e seu sorriso indiscreto.
- Não consigo me decidir sobre o que é melhor... – ele olhou novamente minhas pernas e voltou para meu pescoço – a barra do seu vestido ou o seu decote em v. Você ta assim pra me provocar, Claire?
- Não!
Sorri, mas ele não. Colocou a mão sobre a pequena parte descoberta dos meus ombros e meu pescoço e acariciou com o polegar. Senti um arrepio se deslizar sobre minha nuca com o simples toque.
- Tem certeza?
- Talvez – sorri maior e tirei, delicadamente, sua mão do meu pescoço – Agora, aonde você vai me levar?
- Eu poderia dizer que é surpresa, mas não vai fazer diferença, você mal conhece a cidade. Vou te levar no Deli-Deli, já ouviu falar?
- Não. Como você disse, eu mal conheço a cidade. Mas eu acho melhor nós irmos antes que alguém nos veja.
Entrelacei minha mão a dele e sorri gentilmente. Ele disse absolutamente nada, apenas nos guiou do corredor escuro ate a parte frontal do Instituto, onde varias vezes nós nos encontrávamos para fugir, indo aos treinos.
- O que isso?
Olhei, sem entender e acreditar, quando paramos em frente a uma BMW idêntica ao carro de Lucius.
- O que você acha?
- Isso não ta certo Victor...
Tirei minhas mãos da dele e me afastei, ficando de costas.
- Isso não é nada, Claire... Apenas a minha vingança.
Balancei a cabeça em negativa, ainda sem olhá-lo.
- Não é nada comparado ao que ele me fez.
- Essa não é a maneira certa de fazer isso, Victor. Eu não quero mais brigar com ele.
- Maneira certa? Bater na Luisa daquela forma foi à maneira correta então?
Bufei, vendo-o jogar minhas ações na minha cara. Jeremi, em parte, estava certo. Ele não me deixaria esquecer o favor que fez por mim.
- Acho que é melhor eu voltar...
- Não – senti sua mão em minhas costas, sua respiração sobre meus cabelos – Não vamos estragar essa noite por causa dele, não hoje.
Virei-me e o vi ali, a minha frente, um pouco vulnerável, um pouco instável.
- Você tem consciência do que ele vai fazer se souber que você pegou o carro dele?
- Eu tenho mais consciência do que vai me acontecer quando ele souber que eu estou te levando pra sair...
Olhando o assim, parecia que algo, algo que eu não saberia definir, estava acontecendo entre mim e Victor. E por mais difícil que fosse admitir, eu estava gostando, gostando de ter alguém alem de Lucius.
- Certo. Então vamos antes que fique tarde...
- Claro, mon chéri.
Ri um riso anasalado, abafando meu agrado por ouvi-lo falar francês. Andei ate o carro quando Victor abriu a porta e me sentei, o vendo dar a volta e sentar ao meu lado. Seria uma longa noite.
- Ops!
Ri alto, tropeçando entre meus pés, e quase caindo no chão de granito. Victor me segurou com suas mãos gélidas e seu corpo delineado. Tudo nele exalava desejo, mas não só ele. Eu não poderia desejar nada melhor do que aquele jantar. O lugar simples, a música ao vivo, o sorvete de creme com creme de jabuticaba, a cerveja alemã, o peixe com castanhos do baru, o vinho e Victor. Victor poderia ser inacreditavelmente agradável e engraçado. Seu humor ácido e imprevisível. Agradável ao tato, a audição, a visão, ao olfato e o melhor, ao paladar. Estava disposta a provar novamente o gosto da sua boca. Jogou meu corpo contra a parede escura do corredor e me beijou, como sempre, tudo parecia tão novo. Suas mãos corriam livremente pelo meu corpo e eu realmente não estava me importando. Cada beijo, cada toque, cada sussurro me faziam arrepiar inteiramente, como se uma descarga elétrica passasse por mim. Eu não podia me conter. Escorri minhas mãos por debaixo de sua blusa, sentindo cada músculo moldar minha mão. Ele era frio, mas tudo parecia me queimar por dentro. Uma alça do meu vestido desceu deixando meu pescoço totalmente exposto. Suas presas deslizaram por ali como agulhas afiadas, me deixando mais excitada. Eu não sabia explicar se era por ter bebido demais ou porque inconscientemente eu sempre quis aquilo. A única coisa que eu sabia era que eu precisava esquecer o Lucius e Victor estava conseguindo isso. Ele ergueu minha perna colocando seu quadril entre suas pernas e apertando mais suas presas.
- Não! – eu disse em êxtase.
Ele tirou sua boca dali e continuou a beijar a extensão do meu colo, meu ombro descoberto, meu maxilar, minha boca. Beijo ardente, intenso demais para que eu pudesse raciocinar direito. Ele o cortou com um pouco de esforço e me olhou atentamente.
- Você se lembra do nosso acordo, não lembra? – escorreu sua mão da parte mais baixa da minha coxa ate mais em cima.
- Sim – disse quase em um sussurro.
- Eu consegui te treinar, agora eu quero a minha parte...
Ele desceu sua cabeça em meu pescoço, dando pequenos beijos na região.
- Eu preciso do seu sangue Claire... Só isso.
Eu sabia da conseqüência desse ato, o que me acarretaria no Instituto. Mas eu estava cansada de esperar, ser usada, pressionada, eu queria a verdade e essa parecia à forma mais fácil e doce de consegui-la.
- Tudo bem – disse em um sopro.
Adrenalina correu por meu sangue quando senti suas presas em meu pescoço novamente. As senti rasgar minha pele em um misto de dor e prazer, um pouco de sangue escorrer, e minhas mãos segurarem seus cabelos. Mas isso foi por pouco tempo. Senti sua língua em minha pele, as presas firmes, seus lábios e um pequeno sussurrar:
- O seu sangue...
Alguém. Um vulto, eu não sei! Arrastou Victor para longe de mim. Tudo rápido demais para que eu impedisse, muito rápido para eu ver. Então eu vi quem era, o único que poderia estar ali.
- Não! – eu gritei – NÃO LUCIUS!
O desespero aumentou quando vi as mãos de Lucius agarrar e forçar a garganta de Victor. Seu corpo junto ao dele, o enforcando, o deixando sem saída. Victor reagia instintivamente ao contato de Lucius, agarrando o pulso da mão que apertava sua garganta, suas presas amostra.
- Eu te disse... – Lucius soletrava cada palavra, em tom baixo, ameaçador – que se você tocasse nela. Não! Se você pensasse nisso, eu te mataria – Lucius aproximou mais seu rosto ao de Victor e sussurrou quase inaudível – Agora é hora de cumprir minha promessa.
Em um reflexo a outra mão de Lucius foi parar na base do pescoço de Victor, forçando-o para baixo enquanto sua outra mão puxava para cima, brutalmente. Eu ouvi sons quase animalescos de dor saírem de Victor e ecoar pelo corredor, confirmando que Lucius não blefava. Saí do estado de choque em que estava e corri para Lucius, segurando, tentando, tirar ele de perto de Victor.
- Não faça isso Lucius. Não faça... – disse alto, mas minha voz saiu tremula.
As palavras se repetindo em minha cabeça. Ele vai matar Victor. Vai matá-lo. E tudo será minha culpa. Eu tentei tirar sua mão, mas ele não prestava atenção em meus gritos ou em mim, ele apenas continuava a puxar, puxar, puxar, puxar... Um estralo se fez alto, podendo ver o sangue escorrer pela boca de Victor. Eu estremeci com essa visão. Eu tinha que fazer algo antes que fosse tarde. Eu precisava, precisava... chamar atenção de Lucius.
- Não faça isso! – eu gritei novamente – Não me faça sentir mais culpada do que eu me sinto!
As lagrimas desceram sobre meu rosto, ácidas, marcadas de rancor, dor.
- Eu já te fiz cair, não me faça ser a culpa da morte de Victor...
Pela primeira vez eu senti Lucius hesitar, não forçar mais. Ele ainda continuava ali, sobre Victor, mas ele prestou atenção no que eu havia dito. Eu precisava me manter assim, com ele preso em minha conversa, fazer com que Victor pudesse ir.
- Eu sei o que aconteceu Lucius... Eu me lembro.
Ele virou o rosto de súbito, me olhando com os olhos amargos, a boca franzida.
- O que você disse?
Victor pulou sobre ele no mesmo momento. Vi o desenrolar da cena com o medo me subindo a garganta. O pequeno corredor parecia menor, mais escuro, impenetrável. Eu não podia acreditar que tudo poderia acabar ali. Perigoso, mortal. Eu precisava fazer algo. Victor estava por cima dele, tentando morde-lo, empurrando suas mãos para baixo, mas não estava adiantando muito. Os pés de Lucius subiram rapidamente para cima e chutaram o estomago de Victor, fazendo-o ir para trás. Eu não sabia se daria certo, mas eu tinha que tentar. Corri, como nunca havia corrido, e me joguei em Lucius. Ele poderia me evitar, na verdade eu acho que ele tentou, mas quando nossos corpos colidiram, a única coisa que eu pensei, que eu necessitava fazer, foi abraçá-lo. Como se minha vida dependesse disso, como se aquilo fosse à única salvação, como se estivesse preste a morrer e a única coisa que eu precisasse dele fosse isso, ele em meus braços. Minhas mãos se entrelaçaram, com meus braços em volta de seu pescoço, com os olhos fechados, com a respiração desconexa.
- Não faça isso – sussurrei – Não o mate.
Eu podia sentir seu peito subir e descer, seu silêncio perturbador, não dizendo nada, mas eu sabia que ele estava cedendo. Respirei aquele cheiro agridoce que exalava dele e me senti cair na teia de sentimentos que eu sempre estive quando Lucius estava próximo assim.
- Fique comigo. O deixe ir.
Não disse nada. Ele não iria dizer nada. Ele apenas precisava me sentir, me tocar, como eu precisava, como estava acontecendo agora. Fiquei nas pontas dos pés e subi minha mão sobre sua cabeça, sentindo minha pele eriçar sobre o contanto hostil do seu cabelo. Agarrei-me a ele com medo da reação que ele poderia ter ao ouvir o que eu diria.
- Vai embora Victor... – não houve resposta, mas eu sabia que ele ainda estava lá – Vá embora se você não quiser morrer!
Então ele foi, em uma corrente fria e silenciosa, me deixando sozinha com Lucius e sua raiva. Tudo caiu sobre a mim, à realidade dos fatos. Lucius mataria Victor se eu não estivesse ali, não se importaria com as conseqüências, só por minha causa. Meus braços foram caindo, rente ao meu corpo, gradualmente. Lucius não reagiu, me abraçou ou disse algo. Só ficou ali, me encarando, como se tudo dependesse de mim. Eu o olhava sentindo aquele vazio me encher, uma tristeza sem precedentes, não podendo sentir nada. Decepção.
- Do que você se lembra Claire?
Pude sentir a voz calma oscilando com seu nervosismo. Ele tentava não demonstrar, mas estava em seus olhos a preocupação.
- Eu só me lembro que você caiu por mim... não sei o porque, só que você caiu.
Consegui responder, mas era como se eu não estivesse ali. Eu queria correr, sentir a brisa forte da noite, ir para cachoeira, esquecer de tudo. O choro voltou mais forte, mais denso. Eu soluçava, eu podia ouvir, mas era como se meu corpo não correspondesse.
- Só isso?
Pude ouvir Lucius falar, mas era como se não escutasse, como se eu não estivesse ali. Eu só precisava ir, ir para longe dali, dele, de todos, de tudo. Pressionei meus lábios não querendo soltar um grito ou deixá-lo ouvir meu choro. Porque eu tinha que ser tão fraca ao lado dele, como se estivesse doente, febril?
- Você ia matá-lo, Lucius... Matá-lo.
Afastei-me, sentindo meu corpo ir, mas sem perceber direito o que fazia. Eu só precisava dormir, era a única coisa que eu poderia fazer agora. Caminhei ate o jardim em passos lentos, mas podia sentir Lucius atrás de mim. Quando entrei na área das piscinas eu sabia que ele não me deixaria.
- Vá embora Lucius, por favor...
- Porque Claire? Porque você ia fazer isso?
Não o olhei, só continuei a andar. Eu tinha que chegar ao meu quarto, ficar longe dele.
- Por quê? Por quê? POR QUÊ?
Ele gritava forte. Eu não podia fazer nada, eu não cederia. Eu já tinha feito isso, isso só nos machucava. Comecei a acelerar meus passos, fugindo, desta vez era eu que fugia. Avistei a porta do dormitório e corri, tentando entrar, deixar Lucius de fora. Não adiantou.
- Porque Claire? Porque você não me disse?
Ele apertou meus ombros, eu já em frente a ele, olhando seu desespero aumentar, ferver, se diluir em mim. Baixei meus olhos, não querendo ver, apenas balancei minha cabeça em negativa.
- Me diz... Desde quando... Desde quando você sabe?
Senti seus dedos afagarem meus braços, em um pedido mudo de redenção. Olhei seus olhos claros, cintilantes, refletindo dor, o nó se formando em minha garganta, querendo despejar todas as verdades, mentiras e as conversas veladas.
- Eu soube um dia antes... – a voz me faltou, mas eu precisava falar - um dia antes de te beijar na piscina.
O peso das palavras caíram sobre Lucius. Então eu pude ver. Ele entendeu, entendeu o que eu fiz, as mentiras que eu disse, porque eu o afastei. Ele engoliu em seco. Eu sentia através dos seus olhos, do toque de seus dedos, do variar da sua boca, ele tentava dizer algo, algo que simplificasse tudo, mas nenhuma palavra expressaria os seus sentimentos. Então ele me beijou. Resisti no começo, mas quando suas mãos me rodearam, era como se nada mais importasse. Sua língua, gentil, doce, me beijou sem pressa, com lábios macios, hábeis. Suas mãos vivazes. Eu me apeguei a ele, me agarrei, sentindo o seu cabelo áspero, seu rosto anguloso, seus braços grandes, suas mãos ternas. Eu ofegava, me afogava nele, necessitada, sem ar, com vida. Meus pés foram guiados pelos toques desejosos de Lucius, eu não podia sentir nada alem dele. Ouvi uma porta sendo aberta e percebi que estava no quarto de Lucius. Minhas costas se juntaram a parede, sentindo em cada parte de meu corpo a presença de Lucius. Eu precisava parar, não era assim que tinha que acontecer, não depois de tudo. Desencostei minha boca e meu corpo de Lucius, ainda ofegante, tentando evitá-lo.
- Não – disse de olhos fechados – Eu não posso fazer isso.
- Porque não Claire? – ele me suplicava.
Eu abri os olhos e encontrei-o ali, da mesma forma no dia que ele tinha me deixado. Sua testa encostada a minha, suas mãos moldando meu rosto, com os olhos fechados. Eu podia o ver repetindo as palavras. Não se preocupe Claire, eu não vou estar mais na sua vida. Eu vou esquecer você.
- Você não entende Lucius? Depois de tudo o que aconteceu... Tudo ta errado. A única coisa que a gente faz é se machucar, e não só a gente, mas todo mundo ao nosso redor. Eu não posso fazer isso... É só que... Você quase matou o Victor, por mim.
- Você sabe por que eu fiz isso Claire – sua voz saiu amarga.
- Eu sei e é por isso, Lucius... Você mesmo disse que nada tinha mudado, então porque você faz isso? Porque você não me deixa ir, me deixa viver minha vida? Eu disse ao Victor que eu queria aquilo, eu sabia as conseqüências, o que ele ia fazer e eu disse sim. São as minhas decisões, minha vida. Então porque você não me deixa? Me esquece?
- Você acha que eu não tentei? – suas mãos estavam espalmadas, cada uma ao lado da minha cabeça, sua voz grossa e firme – Você acha que eu não tentei te odiar? Te esquecer? Luisa era tudo que eu precisava, ela é igual a mim. Mas você... Você ta minha pele, me rasgando por dentro toda vez que eu te vejo, no ar, a droga do seu cheiro me persegui toda noite... Quando eu beijo a Luisa eu só consigo sentir o seu gosto – passou as mãos em meus lábios com os olhos fixos neles – quando eu me imagino com alguém, eu me imagino com você. Eu ouço sua risada em qualquer lugar onde eu vou. Eu sinto você como um veneno, impregnando, vicioso, me matando aos poucos... Claire, porque você não me entende? – sua mão envolveu meu pescoço e acariciou minha bochecha, se aproximando do meu rosto - É só você que eu amo. É só você que eu vou amar.
Eu não contive as lagrimas. Eu esperei tanto, mais tanto por isso, que quando eu o ouvi dizer, não consegui dizer nada.
- Então me diga que não sente o mesmo Claire... Me diga que não me ama – segurou meu rosto com as duas mãos, olhando seus olhos azuis, intensos, extremos – Me diga que ama o Victor. Você já mentiu para mim antes, eu sei que você pode mentir de novo. Minta para mim Claire, quebre meu raciocínio, foda com meu coração mais uma vez e minta.... diga que não me ama e eu te deixarei ir.
Eu olhei para ele e disse o que eu já tinha dito antes, tantas vezes, mas desta vez ele não fugiria.
- Eu não posso... Eu te amo Lucius.
Ele abandonou meu rosto para colocar as mãos sobre meus ombros. Meu peito subia e descia, procurando ar, razão, mas nenhum dos dois apareceu. Lentamente suas mãos foram fazendo o contorno de meus ombros, com as alças do vestido em suas mãos, o tecido deslizando sobre minha pele, seus olhos sobre os meus, descerem junto com o vestido. Senti o tecido leve sobre os meus pés e tive consciência que estava apenas de calcinha a sua frente. Seus olhos me observaram com lentidão, absorvendo cada detalhe. Meu colo, meus seios, minha barriga, meu quadril, minhas pernas, meu rosto. Ele me olhava enquanto sentia meus sentidos falharem. Vi suas mãos agirem sobre sua camisa branca e a tirarem, deixando seu tronco à mostra. Encostou seu corpo ao meu novamente, me fazendo arrepiar inteiramente, sentindo sua pele através dos meus seios, barriga, mãos. Ele me recostou novamente na parede e me beijou, desta vez com fúria, desejo. Eu correspondi, agarrei a sua nuca, arranhei suas costas. Ele arfou entre o beijo e continuou a trabalhar com as mãos. Desceu sua mão grossa sobre minha barriga e chegou a meus quadris, colocou a mão debaixo da minha calcinha, deixando seus dedos me tocarem. Todo ar fugiu por minha boca, ele continuava lentamente, pressionando, excitando. Mordi meu lábio inferior tentando não gritar de dor e desejo, me agarrava a ele com as unhas, deslizando sobre a pele, arrancando sua carne. Podia sentir respiração forte sobre meus cabelos e ombros, tão desesperado quanto eu. Eu podia sentir meu ventre expandir e encolher com cada toque. Ele começou a acelerar a fricção, me deixando louca, de uma forma estranha, indescritível. Quando parecia que tudo explodiria, quando não agüentaria mais, quando minhas pernas não me sustentavam, ele parou.
- Não – eu consegui dizer – Continua...
- Vem comigo Claire...
Suas mãos me guiaram ate a beirada de sua cama, me sustentando com seus braços. Eu queria beijá-lo, cada extensão de seu corpo, começando por seu peito, descendo em sua barriga, terminar o que um dia eu comecei. Mas eu não pude fazer nada quando eu o vi descer sua calça, depois sua boxer. Eu mal conseguia respirar antes, agora que ele estava nu era como se não respirasse. Ele sentou a beirada da cama, próximo a mim e me puxou, deixando minha barriga a centímetros de sua boca. Deslizou sua boca em minha barriga, senti sua língua quente enquanto suas mãos tiravam minha calcinha. Ele ficou quieto por um tempo, só olhando, me deixando absorta.
- Tudo em você é perfeito... tudo – ele perdia o ar entre as palavras, me deixando mais extasiada.
Uma de suas mãos foram para meu quadril enquanto a outra apertava a minha bunda com força, ele aproximou sua boca e começou a beijar novamente minha barriga, meu quadril, a parte interna da minha coxa, minha intimidade. Minha cabeça pendia para trás, o ar escasso, sua mão sobre meu seio, acariciando, moldando, beliscando. Tudo estava voltando com uma força maior, sua língua insistia, mais, mais, e mais... Urrei sentindo me contrair e depois tudo explodir dentro de mim, um desejo descontrolado se esvaindo. Olhei Lucius mais uma vez, aqueles olhos grandes, indecifráveis. Eu precisava de mais, eu precisava dele. Ele pareceu entender. Moldou meus quadris com suas mãos e me puxou para ele, cada perna envolta de seu quadril, me encaixando em seus quadris. Senti seu membro, perto de estar dentro de mim, mas ele não o fez. Ele parecia querer me excitar mais, como se isso fosse possível. Suas mãos apertavam minha bunda enquanto sua boca mordia levemente meus seios, delineavam os com sua língua, me fazendo arfar mais. Segurei sua cabeça com força querendo mais, ele me obedecia, beijando meu colo, meus ombros, meus seios. Desci minha mão sobre seu tórax, arranhando de leve sua barriga, chegando à parte interior da sua coxa. Senti-o encolher e apertar minha coxa também. Acariciei seu membro, sem saber muito o que fazer, ele arfou, baixou sua cabeça em meu ombro, se derreteu em mim.
- Mais rápido... – suplicou.
Eu continuei, rápida, o ouvindo arfar mais e mais. Sentia seu desejo correr em minha corrente sangüínea, como estivéssemos ligados. Ele segurou minha mão como se não agüentasse mais e a tirou. Fiquei sem entender no começo quando sua mão puxou meus cabelos e juntou meu rosto em seu ombro. Mas a duvida se foi quando ele juntou meu quadril ao dele. Deixei um grito abafado de dor escapar quando ele se deslizou dentro de mim. Doloroso. Eu só senti dor. Mordi seu ombro com força tentando afastar a dor.
- Calma pequena, eu vou cuidar de você...
Ele deitou meu corpo sobre a cama, me colocando de baixo dele, ainda dentro de mim. Limpou as lagrimas que escorriam silenciosamente e pousou seu corpo sobre o meu. Puxou minha perna para cima, acariciou do começo da minha coxa ate em cima, se enterrando mais em mim. O ar fugiu dos meus pulmões, sentindo a dor diluir e se misturar com gotas de prazer. Ele continuou lento, atencioso, me olhando nos olhos, esperando qualquer sinal de dor. Mas ela não veio. Ele continuou, aumentando o ritmo, suas mãos sobre meu quadril, subindo gradualmente, acariciando, afagando cada parte ate chegar meu rosto. Ele me beijou, sentindo ele dentro de mim, pulsante, acelerando. Me agarrei a ele sentindo aquela sensação inacreditável aumentar. Ele sussurrava entre as palavras coisas indecifráveis, menos uma.
- Amo... Eu te amo, minha pequena.
Ele me levantou, me colocando sentado sobre ele, colocando mais dele dentro de mim. O beijei expressando todo o meu desejo, meu prazer, meu amor, minha paixão. Seguia o ritmo que ele ditava, mais extasiada, mais feroz, mais vivaz. Senti aquela pontada novamente se desenvolver, contraindo, expandindo, me controlando. Ofegava, arfava, gritava, gritava seu nome, sentindo chegar perto de mais daquele abismo, entregue aos meus sentidos. Agarrei-me a ele, eu queria senti-lo, comprovar que ele realmente estava aqui. Beijei-o uma ultima vez sabendo que não agüentaria mais. Gritei, me contorci sobre ele, com a cabeça pendida, os pés contraídos, o coração acelerado. Fui voltando aos poucos, o senti também urrar, se derramar em mim, gozar assim como eu. Uma languidez tomou conta do meu corpo. Aquela felicidade terna me envolvendo. Eu o amei de todas as formas possíveis. Deitou-me novamente na cama e se retirou, deitou ao meu lado e me envolveu entre seus braços, o único lugar onde eu pertencia, o único lugar que ele queria que eu estivesse. Começou a passar as mãos entre meus cabelos, lento, dócil, me desfazendo nele. O sono chegava leve e preciso. Puxou-me, colocando seu rosto em frente ao dele, me olhando intenso.
- Eu te tive da forma que eu nunca imaginava ser. Você é tudo que eu preciso, Claire. Tudo que preciso ser é quando estou ao seu lado. Eu nunca vou te deixar... nunca.
- Você me entendi agora? Porque eu sempre insisti?
- Suponho que te entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, entrar em contato.
Sorri ao ouvir as palavras de Clarisse Lispector serem repetidas pela voz de Lucius. Beijei seus lábios de leve.
- Eu te amo...
- Eu nunca vou te abandonar Claire... – sua mão sobre meu rosto, segurando – Porque não há nenhuma outra mulher que eu possa amar.
Dexei-me embalar por suas palavras e dormir entre seus braços, sem saber que amanha seria o primeiro dia em que ele me abandonaria.
Apoiei meu pé sobre a beirada da cama e amarrei o cadarço do meu tênis. Eu já estava atrasada e precisava ir, mesmo que a última coisa que eu queria fazer agora era deixá-lo aqui.
- Me diga de novo porque você precisa ir?
Ele puxou meu corpo para trás, me fazendo deitar novamente na cama. Eu ri alto e tentei me desfazer de seus braços, mas ele era maior e mais forte que eu. E quando eu pude ver aqueles olhos, ele sobre mim e seu sorriso, não precisou de muito esforço para eu continuar ali.
- Eu preciso conversar com a Sura sobre o teste de ontem.
Tentei soar séria, convincente, mas não estava funcionando muito. Ele continuava a brincar com uma mexa do meu cabelo enquanto me olhava nos olhos.
- Só isso? – eu assenti, mordendo meu lábio inferior, tentando não rir – Eu posso ser mais convincente que isso...
Ele falou com um sorriso malicioso no rosto, me fazendo rir também. Continuei a olhá-lo, ele fazia o mesmo comigo. As sobrancelhas grossas, a pequena cicatriz, os olhos azuis profundos, a boca bem delineado, o queixo anguloso. Minha respiração se tornou pesada. Ele era tão perfeito, tudo nele me fazia sentir assim, sem ar, sem chão, sem escolhas. Eu precisava dele, tanto. E agora ele estava aqui comigo, como sempre quis, mas muito melhor do que já imaginei.
- Me promete... – deixei as palavras fluírem – Me promete que não vai me deixar...
Eu vi um triste sorriso se formar em sua boca, com os olhos em mim, sua mão entre meus cabelos.
- Eu te prometo, Claire, que não haverá ninguém que faça te tirar de mim, de tirar de dentro de mim. Eu nunca vou te deixar... você já faz parte de mim.
Senti aquele estranho medo me cercar. Não era a resposta que eu esperava. Eu queria mais, eu precisava de mais. Ele me forçou a olhá-lo de novo. Ele sabia o que eu senti com suas palavras, mas ele não me deu tempo de concretizá-las.
- Me prometa... – ele repetiu minhas palavras, só que mais sério – Me prometa que nunca deixara de me amar, independente do que aconteça, independente do que eu faça, você sempre vai me amar...
Pude sentir o gosto amargo das palavras, a sua dominação e seu egoísmo, mas eu sabia a resposta.
- Eu prometo... Eu sempre vou te amar, independente do que aconteça.
Ele continuou a me encarar, com os olhos fixos, parecendo absorver o que eu tinha dito e feliz com minha promessa. Sua mão, que acariciava meu rosto, parou e se espalmou sobre meu rosto, sua boca se aproximando, seus olhos nos meus, o beijo. Sua língua quente, preenchendo o vão da minha boca, se encaixando em mim, murmúrios surdos, mãos gentis, pernas entrelaçadas, sorrisos bobos, promessas de um amor, gemidos, o céu, a terra, ele e eu, suados, entregues, amando. Eu sempre vou amá-lo, independente se isso me machuque, mesmo que seja meu fim.
Atravessei a área da piscina, com passos apressados. Eu estava muito atrasada. Eu tinha que conversar com Sura e ainda tinha aula de manhã e começar a treinar com o quinto ano. Mas não estava arrependida, eu tinha gastado meu tempo com uma coisa bem melhor. Sorri. Era estranho e ate um pouco surreal pensar sobre o que tinha acontecido. Tudo tinha mudado tão rápido. Eu finalmente tinha conseguido Lucius só para mim, ele tinha se entregue a mim, tirando os escudos, me amando de verdade. Eu não queria deixá-lo sozinho no quarto, já que diferente de mim, ele só tinha treinos à tarde, mas eu precisava. Eu tinha que conversar com Sura e com Victor. Victor seria a parte mais difícil. Eu sabia que Lucius não aprovaria minha decisão e por isso não tinha dito a ele, mas eu precisava falar com Victor, esclarecer as coisas, saber se ele sabia de algo. Ele tinha bebido meu sangue, mesmo que pouco, poderia ter descoberto algo. Ajeitei minha blusa lembrando desse fato. Ele havia me mordido de leve, havia apenas pequenos furos, mas visíveis. Coloquei um band-aid no local e uma blusa onde a gola não deixasse o ferimento exposto, porem se alguém visse, eu poderia alegar que me machuquei. Os únicos que poderiam presumir a verdade era Celina, Moira, Sam e Jeremi, mas eles não contariam nada a ninguém se eu pedisse. Pelo menos eu esperava isso. Passei a parede de vidro e observei a quadra vazia. Não havia ninguém ali, mas por trás da porta dupla eu podia ouvir algumas vozes. Ate alguns gritos. Eu estranhei, mas não hesitei. Precisava saber o que estava acontecendo. Andei mais rápido, alcançando a barra da porta e a abrindo. Fiquei atônita por um tempo olhando a cena a minha frente. Estavam todos aqui, alguns chorando, outros desesperados, outros em transe. Mas a maioria estava tensa, esperando, sérios. Afinal eles foram treinados para isso. Eu pude ver alguns alunos do quinto nível orientando os mais novos, a maioria estava sentada nas mesas, sem saber o que fazer. Eu pude notar que faltavam alguns alunos, na verdade quase todo o quinto ano, mas principalmente, eu notei que nem Sam e nem Jeremi estavam ali. Passei pelas mesas, sentindo os olhares sobre mim, e cheguei onde Celina e Moira estavam. Moira olhava para o nada, absorta pelos seus pensamentos, enquanto Celina tinha seu rosto entre suas mãos e ela estava chorando. Havia acontecido algo, algo muito ruim. Sentei em frente à Moira e ao lado de Celina. Moira olhou diretamente para mim enquanto Celina pareceu nem sentir minha presença. Eu pude ver através dos olhos de Moira o desespero e a dor.
- O que ta acontecendo?
Moira respirou longamente antes de me responder.
- A Base foi atacada.
Olhei Moira por um tempo. A Base foi atacada. Eu sabia o que aquilo significava. As dominações, onde eles se encontravam atualmente, foi atacada. Então eles tinham conseguido a localização do novo Instituto. Um súbito pensamento me veio à cabeça. Bianca.
- Alguém morreu? – o desespero expresso em cada palavra.
- Sim, três dominações foram mortas e alguns principados foram feridos.
- Bianca?!
- Não, ela não morreu, ela esta viva, Claire, ela esta bem.
Depois do susto, eu percebi o que aquelas palavras poderiam significar, o porquê de Celina estar chorando.
- Onde Sam e Jeremi estão?
- Eu não sei, ninguém sabe... – Moira olhou para os alunos mais velhos – e eles não dizem nada.
O medo aumentou. Poderia ter acontecido algo mais sério, eles poderiam... Poderiam... Levantei-me da mesa, eu precisava saber o que estava acontecendo e eles me diriam o que era. Moira segurou meu antebraço um segundo antes de eu ir.
- Isso não é tudo Claire. Pelo o que eu fiquei sabendo as Dominações foram encontradas em um raio perto do nosso Instituto... Eles estão vindo para cá e a Bianca...
- O que tem a Bianca? – quase gritei de volta.
- Ela esta dizendo que foi a Luisa... – Moira hesitou – Luisa e Lucius que os ajudaram a encontrar o local.
As palavras foram como um choque. Isso não poderia ser verdade. Não era. Ele estava comigo, sempre esteve. Não, não era verdade. Tirei meu braço da mão de Moira.
- Aonde você vai?
- Eu vou falar com a Sura...
As palavras mal foram ditas quando deu as costas para Moira e Celina. Saí o mais rápido que pude, passando pelas mesas e chegando a porta. Antes que pudesse abri-la alguém me segurou pelo braço. Tentei desvencilhar, mas a pessoa me segurou com força.
- O que você esta fazendo? – uma voz firme e feminina me disse.
Olhei para trás para encontrar uma garota, da mesma altura, com o cabelo curto, rente a cabeça e traços delicados, me segurando. Tirei meu braço de suas mãos sem esforço algum, de forma rápida e bruta.
- Eu vou falar com a Sura e espero que você não me impeça!
Ele se posicionou, me avisando que não me deixaria passar, mas antes que uma luta armasse, alguém interveio. Paulo Vitor.
- Tais... – ele a chamou e prendeu sua atenção – Deixe a ir, ela é irmã da Bianca.
Ela hesitou no início, mas depois saiu de perto de mim, indo para o outro lado, um pouco contra gosto.
- Obrigada.
Ele apenas acenou e abriu a porta para mim. Não demorei nem um segundo a mais para sair dali. Eu iria falar com Sura, ela me diria a verdade.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
sábado, 21 de agosto de 2010
Capítulo 24 - *Sangue Fresco:
- O que você ta fazendo aqui? – eu disse com a voz ofegante, preocupada.
- Era o que eu deveria perguntar pra você... – voltou a olhar a estrada, com a expressão fria de sempre e os lábios cerrados – Agora, deixe te levar pra dar uma volta.
Ele girou a chave e deu a partindo, acelerando o carro o máximo possível. A estrada passava rapidamente através da janela. Eu continuei a olhá-lo. O que ele queria com tudo aquilo? Não bastava falar comigo no Instituto? Não, lógico que não. As coisas com Lucius nunca foram simples.
- Quando você descobriu? – eu disse sem rodeios.
Era claro que ele sabia, não havia outra explicação.
- Uma semana depois que Victor te levou pra “sair” – ele disse a última palavra com desgosto e raiva.
O silêncio permaneceu entre nós. Eu não tive coragem de perguntar mais nada, eu não queria saber as respostas. Foi ele quem quebrou o silêncio.
- Quanto tempo você achou que me enganaria? – ele continuava a olhar a estrada, mas eu podia sentir a pressão por detrás das palavras.
- Eu nunca pensei sobre isso, só deixava acontecer. Pra falar a verdade eu nunca pensei que você seria estúpido o bastante pra acreditar em tudo que eu disse – eu deixei que as palavras veladas falassem por mim – mas eu estava errada.
Ele apertou o volante, mostrando os nós brancos das juntas – Não me provoque Claire...
- É apenas a verdade Lucius... – eu disse com os dentes cerrados de raiva – Agora o que te fez mudar de idéia e intervir no meu treino?
- Luisa – ele foi direto – Ela também estava desconfiada ate antes que eu. Mas foi só agora que ela ficou sabendo sobre sua melhora nos treinos.
- Ficou sabendo? – indaguei atônita.
- Quem você acha que te vigiava? – perguntou cínico.
- Vigiava? Eu não acredito que aquela... Arg! Não sei quem é mais patético nessa sua relação. Mandando sua vadiazinha fazer o trabalho sujo?
De súbito Lucius desviou seus olhos da estrada para mim, com a boca estreita, a testa franzida, os olhos tensos, com raiva – Não ouse falar assim dela!
Ele quase gritou para mim, mas eu não me importei. Aquela vadia pretensiosa ia me pagar!
- Claro, porque ela é tão esperta! – eu disse irônica, com um sorriso falso – Agora me fala qual é a lógica de parar meu treino quando eu estou melhorando?
- Por causa disso! – ele jogou as palavras para mim e parou o carro.
Olhei ao redor já reconhecendo o lugar. Era o mesmo lugar onde eu e Victor treinávamos. Quando voltei a olhar para Lucius ele já não estava mais lá. Olhei novamente a mata e vi que Lucius já se movia entre as árvores. Merda! Desci do carro seguindo seus passos, mas não conseguindo alcançá-lo. No final ele estava parado no centro de uma pequena clareira, onde havia poucas árvores, formando uma área aberta. Olhei sem entender toda a situação. O que ele tinha em mente me trazendo aqui?
- O que a gente ta fazendo aqui? – cruzei os braços, mais zangada.
- Era aqui que você e o Victor treinavam, certo?
Não respondi. Ele já sabia a resposta.
- Então eu vou treinar com você...
- Não mesmo! Eu não vou fazer isso.
- Porque não? Com medo? – soou desafiador.
Ele sabia como me provocar e eu estava quase aceitando o desafio.
- Eu não to com a roupa do treino – olhei para baixo e vi minha calça jeans e minha regata verde - Se você me es...
- Quem você acha que eu sou? O Victor? – ele me interrompeu – Se vamos fazer isso, vamos fazer do jeito certo. Quando você proteger sua dominação não haverá segundas chances. Você não vai poder escolher a roupa que veste, garotinha...
Eu quis arrancar aquele sorrisinho idiota do rosto dele, mas continuei calada, apenas o observando. Ele tirou sua jaqueta de couro preta, deixando amostra sua camiseta cinza e seu jeans preto surrado. Por último tirou seu coturno preto desgastado e me encarou com a feição divertida.
- Agora... vamos lutar.
Eu não sabia o que ele queria dizer com ‘lutar’, mas sabia que não seria coisa boa.
Como uma luz ele se jogou em minha direção sem ao menos avisar. Eu mal percebi quando meu corpo atingiu o chão.
- Mas que merda você acha que...
Tentei dizer mais, me levantando, quando senti meu corpo ser empurrado e pressionado contra uma árvore. Seu sorriso demente, seu corpo junto ao meu, sua mão no meu pescoço e em minha cintura. Seu rosto cada vez mais perto do meu, mais e mais e mais... Ele queria me distrair, mas não adiantaria. Projetei forças em minhas mãos que encontraram seus ombros e o empurrei com mais força, girando nossos corpos para o nada. No momento seguinte ele não estava mais em minhas mãos, no momento seguinte eu não tinha a mínima idéia de onde ele estava. Fechei meus olhos tentando encontrá-lo. Eu precisava me concentrar, me focar nele. Senti sua vibração perto de um toque e me esgueirei, sentindo o fraco vento tocar minhas faces. Abri os olhos e me lancei contra a árvore mais próxima, evitando o chute de Lucius. Senti suas mãos entrelaçarem minha cintura me puxando contra ele. Fiz um esforço inútil de me agachar e retirar suas mãos, mas não adiantou. Meu corpo foi de encontro a árvore do lado e senti minha cabeça latejar de dor. Eu precisava arranjar... Meus pensamentos foram interrompidos quando minha cabeça foi lançada novamente à árvore com o corpo virado de costas para ele. Meu corpo reclamou de dor e meu pescoço foi apertado contra árvore com antebraço de Lucius. Meus dentes rangeram de dor e minhas mãos atadas às costas com apenas uma mão. O ar quente da sua respiração pairou a centímetros da minha orelha, inquieto, fervente.
- Se você desistir agora, eu paro de lutar com você...
Virei meu rosto o máximo que pude e o olhei transpassado, a centímetros da sua boca. Vi como seus olhos foram a minha boca, tentado a tocar a dele a minha.
- Nunca! – vociferei.
Aproveitei do seu devaneio, pisei seu pé com força e me livrei uma das minhas mãos do seu aperto. Contra ataquei atingindo a área do seu diafragma com meu cotovelo com bastante força. Quando percebi que sua mão perdia força, tirei a minha outra mão e virei meu corpo rápido, roçando meu corpo à casca áspera da árvore, já que ele me limitava com seu corpo. Levei minha mão a seu cabelo e o puxei para trás, com toda força que eu tinha. Antes que ele percebesse minha intenção, chutei entre suas pernas o vendo encolher. Afinal ele não era tão diferente quanto os humanos. Acertei sua cabeça com o joelho com bastante força, mas seu rosto não mexeu, continuou a olhar o chão.
-Desculpa... – ouvi sua voz rouca, baixa e desconexa me dizer.
Eu nem o vi levantar completamente. Em um momento ele estava meio agachado a minha frente e no outro ele estava na minha frente golpeando meu rosto com sua mão. Cada músculo do meu rosto exalou dor quando sua mão me atingiu, um som agudo saiu da minha garganta, meu corpo foi projetado para longe, entre o solo seco e as folhas quebradiças. Antes mesmo que sentisse a dor se alastrar por mim ou percebesse o que tinha acabado de acontecer, ele já estava sobre mim com a mão no meu pescoço, virando meu rosto para o lado. Senti o sangue escorrer do canto da minha boca até a terra quando sua boca foi de encontro à curva do meu pescoço, encostando seus dentes ali. Uma mistura de dor e prazer se dissolveu em mim quando a mordida se tornou cada vez mais forte. Lucius tirou sua boca dessa região e sussurrou entre palavras cortadas.
- Isso não é nada comparado a uma luta de verdade... ao que realmente aconteceria se você perdesse.
Ele levantou o rosto, como se para ler as verdades nele, e eu pude ver a cena se formar novamente em minha cabeça. Não era tão escuro quanto no meu quarto, no meu sonho, mas eu ainda podia ver sua barba rala ou mesmo senti-la quando ele me mordeu. Não foi um sonho, foi real, o maldito sonho foi real. Eu franzi o cenho vendo a realidade estampada na minha cara.
- Foi real... – eu sussurrei mais para mim do que para ele – o sonho foi real.
Eu vi a confusão se tornar certeza em segundos através dos seus olhos. Ele se levantou rápido, fugindo do que eu acabara de dizer. Ele ofereceu sua mão, mas eu não a evitei, aceitei sua ajuda. Estava confusa de mais para não aceitar. Ele me olhou com os olhos inexoráveis e feições sérias.
- Essa luta foi só uma amostra que você ainda não esta preparada pra lutar fora do Instituto. Os seus treinamentos com o Victor acabaram.
Ele começou a ir a direção onde sua jaqueta e seus coturnos ficavam, mas eu intervim e virei seu corpo para o meu.
- Você não manda em mim. Eu paro de treinar quando eu quiser e se eu quiser.
Vi como seus olhos borbulhavam raiva e como suas mãos lutavam para não me agarrar.
- Isso não é decisão sua – seu maxilar travado me disse que sua raiva havia aumentado – Se você quer treinar, você vai treinar dentro do Instituto sob o meu supervisionamento. Aqui não é lugar pra você. Não é seguro. Da próxima vez que você me desobedecer eu não vou lutar com você, eu vou te trancar no seu quarto.
Eu o olhei indignada. Ele não podia fazer isso! Fiquei atônita o vendo colocar novamente seus coturnos e sua jaqueta de couro. Quando eu acordei do meu transe, não pude sentir mais nada do que raiva, fúria, desgosto, amargura.
- Seu filho da puta arrogante. Se você acha que pode me trancar no meu quarto e moldar minha vida. Eu to cansada de você. Da sua arrogância, do seu egoísmo, sua prepotência...
Comecei a andar sem rumo, indo para mata, sem me importar. Eu só queria ficar longe dele, não o ver nunca mais.
- Onde você pensa que vai, Claire? – a voz dele soou atrás de mim.
- Onde você acha que eu vou, Lucius? – me virei para ele com as mãos na cintura – Para o Instituto, mas dessa vez sem você!
- Não me force a te obrigar...
- Me obrigar ao que?! – avancei para ele – Eu quero que você tente...
Antes que eu terminasse a frase, ele dominou meus ombros e puxou minhas pernas de encontro ao seu braço estendido, me carregando no colo. Trinta segundos depois eu estava no banco de carona, com o sinto me prendendo e as portas do carro travadas. Eu bufei de raiva vendo Lucius ligar o carro e se dirigir à estrada. Eu pensei em desatar o sinto, mas...
- Não pense nisso, Claire. Você sabe que não conseguiria escapar.
Cruzei os braços já conformada e olhei para o lado, vendo a imagem se deslocar rapidamente. Eu não podia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Ele tinha descoberto e me levado pra lutar. Pior, ele tinha descoberto sobre minhas mentiras e isso mudava tudo. Não tinha a mínima idéia do que se passava na mente do Lucius. Ele tinha esperado dois meses para fazer alguma coisa. Aceitando minhas saídas com Victor e a relação que eu tinha com ele. Agora que ele tinha resolvido me contar, eu não sabia como isso ia ficar. A única certeza que eu tinha era que ele estava de volta a minha vida, mandando e limitando minhas escolhas. O carro foi parando lentamente quando fomos chegando à porta do Instituto. Tentei abrir a porta, mas os pinos ainda estavam travados. Olhei Lucius sem entender.
- Nada mudou entre nós, eu espero que você entenda isso. – ele disse olhando a frente, sem me olhar.
A única coisa que se ouviu depois foram às portas sendo destravadas, mas eu não deixaria Lucius ter a última palavra, não deixaria demonstrar como essas palavras me afetaram.
- Não se preocupe Lucius - abri a porta e segurei minha mochila – Eu entendi bem isso quando você socou minha cara, ficou bem claro – saí do carro e disse as palavras ao vento, sabendo que ele as ouviria – Eu também vou continuar com Victor.
Disse às palavras que ele não teve coragem de me dizer. “Nada mudou entre nós” – eu ainda continuo com a Luisa. Bati a porta do carro com força, ouvindo o vidro estralar. Eu queria, naquele momento, que aquele carro explodisse, junto com ele.
Adentrei ao jardim em passos duros e apressados, a raiva revirando minhas vísceras. Eu tinha que encontrar Victor e era agora. Toda raiva foi se acumulando quando as memórias do que tinha acabado de acontecer emanaram em minha mente. Ele me usou, me manipulou com aquele miserável sonho, como ele sempre fazia. Eu revirei tudo em minha mente, quando eu passava as noites tentando entender o porquê daquele sonho. Tão simples. Eu era dele. Então porque agora que ele podia me ter, ele não me queria? Usando-me pelo simples fato de me ter ao alcance. Cheguei ao corredor estreito e subi as escadas indo aos dormitórios masculinos. Encontrei a porta do quarto de Victor ao fundo. Abri a porta de súbito e pude ouvir resmungos surdos saírem do quarto. Não hesitei nenhum momento quando fui a seu quarto. Algo me dizia que não era algo bom e eu não estava enganada.
- Finalmente!
Vi Luisa levantar da cadeira ao lado da cama onde Victor se encontrava. Minha respiração cessou por alguns segundos ate digerir tudo o que via. Victor amarrado à cama com correntes de prata, seus braços e pernas segurados a cabeceira e o final da cama, me fizeram ficar sem reação. Não pensei que eles seriam capazes. Luisa ainda ao seu lado, já levantada, pegou a espada que estava recostada no colchão e foi em minha direção. Pude ver nitidamente o sangue seco por sua extensão. O sangue de Victor.
- Eu acho que você pode cuidar do Victor por mim, não pode Claire? – Luisa disse jogando todo o escárnio nessa frase.
Desviei meus olhos de Victor para encontrar Luisa a minha frente, com o sorriso débil no rosto e a espada encostada em seu ombro. Aquela raiva de antes só fez aumentar, latejar em meus olhos, membros, corpo e mente. Soquei seu rosto sem pensar, vendo seu corpo ser lançado para trás. Empurrei seu corpo contra a parede e juntei minhas mãos em sua garganta.
- Eu vou fazer você sofrer o dobro que ele sofreu, sua vadia imbecil!
Senti a ponta aguda da espada ser forjada contra minha pele embaixo da regata, no quadril, segurada habilidosamente por Minogue.
- Eu estarei esperando por isso.
Forçando mais a espadas a minha cintura, ela me fez afastar. Vi sua silhueta atravessar o pequeno espaço entre nós e ir para porta.
- Agora eu preciso ir... Lucius esta me esperando – ela esboçou um sorriso grande e fechou a porta atrás de si.
No próximo segundo eu estava indo para cama de Victor para conferir se nada tinha acontecido. Ele parecia fraco, mas, para minha surpresa, estava quieto, como se esperasse. Vi a mancha de sangue em sua blusa, na área do abdômen, e previ que o corte deveria ser ali. Levantei a blusa fazendo Victor acordar do seu transe. Ele se debateu contra as correntes enquanto eu tentava acalmá-lo.
- Victor sou eu. Olhe pra mim... Sou eu.
Seus dentes estavam expostos, sons animalescos saindo da sua boca, se debatendo mais.
- Porra Victor! Sou EU! – gritei para ele
Ele parou de repente, me reconhecendo.
- Você...
- Eu não acredito que ela fez isso com você.
Comecei a limpar a ferida em seu abdômen com o lençol branco da cama.
- Não ela... – ele disse com ar cortado – Ele. Foi o Lucius que fez isso comigo.
As palavras foram como um impacto para mim, mas eu continuei a limpar. O sangue foi desaparecendo ate não encontrar nada no lugar.
- Ela me deu sangue um tempo depois que ele me feriu e me prendeu aqui – ele respondeu antes mesmo que eu perguntasse.
- Certo.
Eu não pude dizer mais nada depois disso. Se ele tinha se machucado era por minha culpa. Só minha culpa.
- Eu realmente estou gostando do que você esta fazendo com suas mãos, mas eu acho que esta na hora de me libertar – ele disse com algum humor, mas as palavras saíram fracas.
Parei de limpar seu tórax e me dirigi ate as correntes, vendo que estavam prendidas com um grande cadeado.
- As chaves estão na gaveta do criado mudo.
Dei a volta à cama e peguei a chave onde ele disse que estaria. Desprendi primeiro seu braço e fui fazendo o mesmo com o restante.
- Ele te torturou muito?
Sentei ao seu lado, vendo o levantar seu tronco para sentar a minha frente, já com aparência normal.
- Luisa me torturou, Claire... Lucius não. Ele não blefa ou brinca, só faz.
Olhei sua camisa embrenhada de sangue e sua aparência fraca, débil, e me senti mais culpada.
- Me desculpa Victor. Eu não pensei que ele fosse capaz.
- Eu sempre soube – senti sua mão em meu cabelo – E isso não é sua culpa – ele tirou algo que estava entre meus cabelos e me mostrou – Eu suponho que ele também não foi tão gentil com você?
Olhei a folha seca entre seus dedos e ri, cansada.
- Não. Ele disse que não poderia mais treinar.
- Previsível.
- Eu sei. Mas eu não concordo com ele.
- Eu não posso fazer nada a respeito Claire... Mas talvez você possa fazer algo.
- Eu?
- Sim. A única coisa que você precisa fazer é conversar com a Sura.
Os poucos treinadores que o Instituto tinha estavam ao meu redor. Isso contava Luisa e Lucius. Todos me olhavam curiosos, sem entender a situação, apenas Sura sabia a verdadeira motivação de tudo aquilo. Talvez eu estivesse louca ou apenas um pouco alterada, mas eu estava pouco me importando. As recomendações de Victor ainda estavam em minha cabeça. Ele me disse que seria complicado convencer a Sura, mas que isso também era um direito meu e que dificilmente ela poderia dizer não.
- Eu vou ser rápida e sucinta para todos aqui – Sura lançou um olhar penetrante para Lucius que se manteve no lugar – Claire Bauer exigiu um novo teste de nível – ela rodeou o olhar, olhando para todos – E espero que todos estejam em acordo.
- Eu não...
- Não você Lucius. Você não tem o direito de revogar minha decisão, já que você foi à causa dela – ela interrompeu Lucius – Claire alegou que o seu teste foi influenciado por suas emoções e decisões precipitadas e eu estou de acordo com ela.
Sua postura se tornou mais dura e seu maxilar travou com os dentes cerrados – Claro Sura.
- Mas alguém?
Todos se entreolharam e não disseram nada. Sura continuou com seu discurso.
- Como todos sabem os testes são avaliados por um treinador, mas nesse caso eu chamei todos aqui para que não haja dúvidas sobre a decisão feita aqui... Claire?
- Sura? – mantive meu porte com as mãos cruzadas a costas, vendo a olhar para mim.
- Seu teste foi anulado devido a uma falha de um dos nossos treinadores, por causa disto fica a sua escolha com quem você gostaria de lutar...
Sorri vendo as coisas que Victor tinha me dito se tornarem realidade.
“Ela vai te dar a opção de escolher com quem você quer lutar, já que foi o próprio Instituto que errou. E é nessa hora que o nosso plano entra em ação. Você vai dizer...”
- Luisa Minogue! – disse forte e com convicção.
Vi as feições de todos, Jace, Irial, Sofia e principalmente de Lucius me olharem confusos, como se eu tivesse cometido algum erro.
“Não faz a mínimo sentido Victor. Ela é mais forte que eu, mais experiente. Porra, Victor, ela é a melhor executadora! E ta louca pra me dar uma surra.”
Diferente dos outros, Luisa sorria de lado a lado, feliz por minha escolha. Ela parecia lutar tanto quanto eu.
- Se essa é sua decisão, Claire...
- Sim, é a minha decisão.
- Então, que o teste comece.
“Luisa tem um ponto fraco, Claire, o Lucius. E só você pode usar isso contra ela.”
Fui para o centro da quadra, sentindo todos os olhares em minhas costas. Luisa se juntou a mim com o sorriso convencido e o corpo preparado para luta*.
- Eu nunca pensei que isso chegaria às vias de fato, Claire...
- Eu te disse que te faria sofrer.
- E eu te disse que ficaria ansiosa por te ver tentar.
Nós dissemos baixo, um dialogo, mas sabíamos que todos estavam ouvindo. Começamos a andar em círculos lentamente, prestando atenção em cada detalhe, cada movimento, só esperando que alguma de nós duas déssemos o primeiro golpe. Com o tempo ela pareceu impaciente com todas as voltas. Eu fazia o que Victor tinha me dito para fazer. Eu não daria o primeiro passo, eu a deixaria impaciente, irritada, eminente ao erro. Estava concentrada de uma forma que não estava quando lutei com Lucius, dessa vez eu não perderia.
Projeção, soco, abaixa, empurra, soca, cabeça, chute, costela, derruba, imobiliza – escutei todas as palavras com uma velocidade maior do que o normal.
Logo depois ela fez exatamente o que eu previ. Meu corpo foi jogado ao chão, um estrondo se fez na quadra, e minhas pernas foram mobilizadas por suas pernas enquanto sua mão segurava meus pulsos.
“Faça a pensar que esta ganhando. Então jogue com ela.”
- Eu nunca pensei que seria tão fácil, garota – o sorriso estava de volta.
- Você tem certeza? Talvez você tenha esquecido de ver um pequeno detalhe... – estiquei meu pescoço e a deixei ver a pequena mancha roxa que Lucius havia feito em mim quando me mordeu – Adivinha quem fez isso comigo?
Como previsto ela levou a sério demais as verdadeiras intenções daquele hematoma. Seus olhos foram imediatamente para Lucius que estava a sua frente, com os olhos indagadores. Não dei tempo para que aquele gesto tivesse tempo para resposta. Joguei com força minhas mãos para frente e troquei nossos corpos de posição, ficando por cima dela. Foi a minha vez de sorrir.
- E não foi só isso... – ela se debatia ferozmente contra meu aperto, mas eu a segurei com força e com habilidade. Deitei sobre ela, tocando nossos corpos e chegando perto do seu ouvido – À noite ele me disse que eu só pertencia a ele, apenas a ele – sussurrei de forma calma e cruel.
As últimas palavras foram ditas e meus olhos teimaram em olhar Lucius. Ele mantinha a mesma pose, mas eu podia ver a tensão em seus olhos. Voltei a encarar Luisa com um sorriso demoníaco no rosto.
- Ele já te disse isso?
- Sua vadiazinha baixa!
Ela me empurrou com força para trás me fazendo sair de cima dela. Voltei a ficar em pé em questão de segundos e pressenti que Luisa iria me atacar. Desviei do seu primeiro golpe e a vi me passar, antes que ela me contra atacasse, puxei seu cabelo para trás e chutei suas costas, fazendo a ir para frente e quase cair. Era a minha hora de agir. Eu não podia a deixar reagir, recuperar a consciência e começar a lutar com a razão. Eu precisava dela desestabilizada, com raiva, sem foco. Corri para seu lado, vendo a virar para me socar, mas me abaixei à tempo e soquei sua barriga com força. Ela se afastou um pouco, mas eu continuei. Com rapidez enfiei minha mão cerrada em seu rosto, rodopiei e acertei suas costelas com meu cotovelo com uma força fora do normal, por último baixei meu corpo por inteiro, lhe deu uma rasteira e a derrubei no chão. O choque do seu corpo ao chão foi alto, mas não mais alto do que a minha raiva. Pulei sobre ela e segurei seus braços com as minhas pernas, sem me importar com suas pernas que se debatiam inutilmente. Comecei a socar em seu rosto repetidas vezes, aumentando minha força e fúria.
- Isso foi por me humilhar! – eu gritava quase desesperada e a soquei de novo – Isso foi por tirar o que é meu, sua vadia! – cuspi as palavras e continuei a bater – E isso foi por torturar o Victor.
Ela já não se mexia tanto, apenas murmurava sons. O sangue escorria da boca e do seu nariz. Eu sabia que estava exagerando, mas isso só tomou minha consciência quando meu nome foi dito.
- Claire! – Lucius gritou – Sai de cima dela. Pára!
Alguém segurou meu braço e me tirou de cima dela. Eu ainda olhava o rosto de Luisa um pouco desconfigurado quando Lucius foi a seu amparo.
- Quem é a vadia agora, en?
Afastei-me com medo do que poderia fazer e olhei como todos me olhavam. Foi Sura que veio falar primeiro comigo.
- Eu acho melhor você ir...
- Não! Eu quero saber o resultado.
- Agora não é hora, Claire.
- Eu não me importo. Ela não é a melhor executadora? – eu a olhei, vendo que ela já estava em pé enquanto Lucius tentava conversar com ela – Eu a derrotei. Eu quero meu resultado.
- Ela esta certa – Sophia falou – Ela a derrotou, ela merece ir pro quinto nível. Pra falar a verdade eu nem sei o porquê dela estar no segundo nível. Ela é uma blind, ela tem que estar no quinto nível.
Olhei para aquelas feições pequenas e delicadas que não combinavam nem um pouco com a voz decidida e forte que veio dela. Ela usava uma calça jeans justa e uma regata meio velha branca. Seu quadril era pequeno e suas pernas longas, seus seios eram maiores e um pouco desproporcionais. Seu cabelo grande era castanho assim como seus olhos, sua boca carnuda e em suas costas havia grandes e afiladas asas brancas. Eu não sabia o porquê, mas apenas sua visão me agradou.
- Sophia esta certa – Jace se posicionou – Essa amostra demonstrou que ela é capaz. Não podemos nos dar o luxo de escolher.
- Eu não concordo tanto com isso, mas Jace esta certo, nós não podemos escolher.
- Certo. Se essa é a escolha de vocês... – Sura se virou para mim – Claire Bauer você é oficialmente do quinto ano daqui por diante.
Eu ri alto, sem poder me conter, alguns gritos também saíram de mim. Eu ouvi a porta da quadra se abrir e reconhece bem aquele sorriso, os olhos azuis, o cabelo loiro. Não pude evitar, no próximo momento eu já estava correndo para ele. Pulei em seu colo e entrelacei minhas pernas em sua cintura.
- Eu não acredito que consegui!
- Eu te disso...
Eu não pensei em mais nada, a única coisa que eu pude fazer e queria fazer era beijá-lo, com força, desejo, desespero, lhe agradecer. O beijei com seus cabelos em minhas mãos, sua língua entrou em minha boca, tão intenso quanto a minha. Mordisquei seus lábios e separei meu rosto do dele.
- Eu consegui – disse um pouco ofegante.
- Conseguiu...
Ele puxou meu cabelo para frente como se fosse começar um novo beijo.
- Claire! – a voz de Sura soou forte.
Tirei minhas pernas do corpo de Victor e desci, sabendo que tinha excedido.
- Desculpa Sura.
- Por favor saiam um pouco, eu preciso resolver umas coisas por aqui.
Olhei em volta e observei como tudo parecia tenso. Os treinadores estavam ao redor de Luisa, parecendo conversar algo sério, Lucius a tinha em seus braços, a contendo.
- Claro Sura, a gente já vai.
Peguei a mão de Victor.
- Ate mais Sura.
Victor sorriu descarado para ela. Nós saímos sem dizer uma palavra.
- Porque você ta sorrindo assim? – perguntei quando chegamos ao jardim.
- Talvez devêssemos seguir o conselho da Sura... – franzi o cenho sem entender – Talvez eu deva te levar pra sair, mas dessa vez um encontro de verdade.
Sorri voluntariamente sem dizer nada, a resposta estava na minha cara.
******
Suas mãos corriam livremente pelo meu corpo e eu realmente não estava me importando. Cada beijo, cada toque, cada sussurro me faziam arrepiar inteiramente, como se uma descarga elétrica passasse por mim. Eu não podia me conter. Escorri minhas mãos por debaixo de sua blusa, sentindo cada músculo moldar minha mão. Ele era frio, mas tudo parecia me queimar por dentro. Uma alça do meu vestido desceu deixando meu pescoço totalmente exposto. Suas presas deslizaram por ali como agulhas afiadas, me deixando mais excitada. Eu não sabia explicar se era por ter bebido demais ou porque inconscientemente eu sempre quis aquilo. A única coisa que eu sabia era que eu precisava esquecer o Lucius e Victor estava conseguindo isso. Ele ergueu minha perna colocando seu quadril entre suas pernas e apertando mais suas presas.
- Não! – eu disse em êxtase.
Ele tirou sua boca dali e continuou a beijar a extensão do meu colo, meu ombro descoberto, meu maxilar, minha boca. Beijo ardente, intenso demais para que eu pudesse raciocinar direito. Ele o cortou com um pouco de esforço e me olhou atentamente.
- Você se lembra do nosso acordo, não lembra? – escorreu sua mão da parte mais baixa da minha coxa ate mais em cima.
- Sim – disse quase em um sussurro.
- Eu consegui te treinar, agora eu quero a minha parte...
Ele desceu sua cabeça em meu pescoço, dando pequenos beijos na região.
- Eu preciso do seu sangue Claire... Só isso.
Eu sabia da conseqüência desse ato, o que me acarretaria no Instituto. Mas eu estava cansada de esperar, ser usada, pressionada, eu queria a verdade e essa parecia à forma mais fácil e doce de consegui-la.
- Tudo bem – disse em um sopro.
Adrenalina correu por meu sangue quando senti suas presas em meu pescoço novamente. As senti rasgar minha pele em um misto de dor e prazer, um pouco de sangue escorrer, e minhas mãos segurarem seus cabelos. Mas isso foi por pouco tempo.
- Era o que eu deveria perguntar pra você... – voltou a olhar a estrada, com a expressão fria de sempre e os lábios cerrados – Agora, deixe te levar pra dar uma volta.
Ele girou a chave e deu a partindo, acelerando o carro o máximo possível. A estrada passava rapidamente através da janela. Eu continuei a olhá-lo. O que ele queria com tudo aquilo? Não bastava falar comigo no Instituto? Não, lógico que não. As coisas com Lucius nunca foram simples.
- Quando você descobriu? – eu disse sem rodeios.
Era claro que ele sabia, não havia outra explicação.
- Uma semana depois que Victor te levou pra “sair” – ele disse a última palavra com desgosto e raiva.
O silêncio permaneceu entre nós. Eu não tive coragem de perguntar mais nada, eu não queria saber as respostas. Foi ele quem quebrou o silêncio.
- Quanto tempo você achou que me enganaria? – ele continuava a olhar a estrada, mas eu podia sentir a pressão por detrás das palavras.
- Eu nunca pensei sobre isso, só deixava acontecer. Pra falar a verdade eu nunca pensei que você seria estúpido o bastante pra acreditar em tudo que eu disse – eu deixei que as palavras veladas falassem por mim – mas eu estava errada.
Ele apertou o volante, mostrando os nós brancos das juntas – Não me provoque Claire...
- É apenas a verdade Lucius... – eu disse com os dentes cerrados de raiva – Agora o que te fez mudar de idéia e intervir no meu treino?
- Luisa – ele foi direto – Ela também estava desconfiada ate antes que eu. Mas foi só agora que ela ficou sabendo sobre sua melhora nos treinos.
- Ficou sabendo? – indaguei atônita.
- Quem você acha que te vigiava? – perguntou cínico.
- Vigiava? Eu não acredito que aquela... Arg! Não sei quem é mais patético nessa sua relação. Mandando sua vadiazinha fazer o trabalho sujo?
De súbito Lucius desviou seus olhos da estrada para mim, com a boca estreita, a testa franzida, os olhos tensos, com raiva – Não ouse falar assim dela!
Ele quase gritou para mim, mas eu não me importei. Aquela vadia pretensiosa ia me pagar!
- Claro, porque ela é tão esperta! – eu disse irônica, com um sorriso falso – Agora me fala qual é a lógica de parar meu treino quando eu estou melhorando?
- Por causa disso! – ele jogou as palavras para mim e parou o carro.
Olhei ao redor já reconhecendo o lugar. Era o mesmo lugar onde eu e Victor treinávamos. Quando voltei a olhar para Lucius ele já não estava mais lá. Olhei novamente a mata e vi que Lucius já se movia entre as árvores. Merda! Desci do carro seguindo seus passos, mas não conseguindo alcançá-lo. No final ele estava parado no centro de uma pequena clareira, onde havia poucas árvores, formando uma área aberta. Olhei sem entender toda a situação. O que ele tinha em mente me trazendo aqui?
- O que a gente ta fazendo aqui? – cruzei os braços, mais zangada.
- Era aqui que você e o Victor treinavam, certo?
Não respondi. Ele já sabia a resposta.
- Então eu vou treinar com você...
- Não mesmo! Eu não vou fazer isso.
- Porque não? Com medo? – soou desafiador.
Ele sabia como me provocar e eu estava quase aceitando o desafio.
- Eu não to com a roupa do treino – olhei para baixo e vi minha calça jeans e minha regata verde - Se você me es...
- Quem você acha que eu sou? O Victor? – ele me interrompeu – Se vamos fazer isso, vamos fazer do jeito certo. Quando você proteger sua dominação não haverá segundas chances. Você não vai poder escolher a roupa que veste, garotinha...
Eu quis arrancar aquele sorrisinho idiota do rosto dele, mas continuei calada, apenas o observando. Ele tirou sua jaqueta de couro preta, deixando amostra sua camiseta cinza e seu jeans preto surrado. Por último tirou seu coturno preto desgastado e me encarou com a feição divertida.
- Agora... vamos lutar.
Eu não sabia o que ele queria dizer com ‘lutar’, mas sabia que não seria coisa boa.
Como uma luz ele se jogou em minha direção sem ao menos avisar. Eu mal percebi quando meu corpo atingiu o chão.
- Mas que merda você acha que...
Tentei dizer mais, me levantando, quando senti meu corpo ser empurrado e pressionado contra uma árvore. Seu sorriso demente, seu corpo junto ao meu, sua mão no meu pescoço e em minha cintura. Seu rosto cada vez mais perto do meu, mais e mais e mais... Ele queria me distrair, mas não adiantaria. Projetei forças em minhas mãos que encontraram seus ombros e o empurrei com mais força, girando nossos corpos para o nada. No momento seguinte ele não estava mais em minhas mãos, no momento seguinte eu não tinha a mínima idéia de onde ele estava. Fechei meus olhos tentando encontrá-lo. Eu precisava me concentrar, me focar nele. Senti sua vibração perto de um toque e me esgueirei, sentindo o fraco vento tocar minhas faces. Abri os olhos e me lancei contra a árvore mais próxima, evitando o chute de Lucius. Senti suas mãos entrelaçarem minha cintura me puxando contra ele. Fiz um esforço inútil de me agachar e retirar suas mãos, mas não adiantou. Meu corpo foi de encontro a árvore do lado e senti minha cabeça latejar de dor. Eu precisava arranjar... Meus pensamentos foram interrompidos quando minha cabeça foi lançada novamente à árvore com o corpo virado de costas para ele. Meu corpo reclamou de dor e meu pescoço foi apertado contra árvore com antebraço de Lucius. Meus dentes rangeram de dor e minhas mãos atadas às costas com apenas uma mão. O ar quente da sua respiração pairou a centímetros da minha orelha, inquieto, fervente.
- Se você desistir agora, eu paro de lutar com você...
Virei meu rosto o máximo que pude e o olhei transpassado, a centímetros da sua boca. Vi como seus olhos foram a minha boca, tentado a tocar a dele a minha.
- Nunca! – vociferei.
Aproveitei do seu devaneio, pisei seu pé com força e me livrei uma das minhas mãos do seu aperto. Contra ataquei atingindo a área do seu diafragma com meu cotovelo com bastante força. Quando percebi que sua mão perdia força, tirei a minha outra mão e virei meu corpo rápido, roçando meu corpo à casca áspera da árvore, já que ele me limitava com seu corpo. Levei minha mão a seu cabelo e o puxei para trás, com toda força que eu tinha. Antes que ele percebesse minha intenção, chutei entre suas pernas o vendo encolher. Afinal ele não era tão diferente quanto os humanos. Acertei sua cabeça com o joelho com bastante força, mas seu rosto não mexeu, continuou a olhar o chão.
-Desculpa... – ouvi sua voz rouca, baixa e desconexa me dizer.
Eu nem o vi levantar completamente. Em um momento ele estava meio agachado a minha frente e no outro ele estava na minha frente golpeando meu rosto com sua mão. Cada músculo do meu rosto exalou dor quando sua mão me atingiu, um som agudo saiu da minha garganta, meu corpo foi projetado para longe, entre o solo seco e as folhas quebradiças. Antes mesmo que sentisse a dor se alastrar por mim ou percebesse o que tinha acabado de acontecer, ele já estava sobre mim com a mão no meu pescoço, virando meu rosto para o lado. Senti o sangue escorrer do canto da minha boca até a terra quando sua boca foi de encontro à curva do meu pescoço, encostando seus dentes ali. Uma mistura de dor e prazer se dissolveu em mim quando a mordida se tornou cada vez mais forte. Lucius tirou sua boca dessa região e sussurrou entre palavras cortadas.
- Isso não é nada comparado a uma luta de verdade... ao que realmente aconteceria se você perdesse.
Ele levantou o rosto, como se para ler as verdades nele, e eu pude ver a cena se formar novamente em minha cabeça. Não era tão escuro quanto no meu quarto, no meu sonho, mas eu ainda podia ver sua barba rala ou mesmo senti-la quando ele me mordeu. Não foi um sonho, foi real, o maldito sonho foi real. Eu franzi o cenho vendo a realidade estampada na minha cara.
- Foi real... – eu sussurrei mais para mim do que para ele – o sonho foi real.
Eu vi a confusão se tornar certeza em segundos através dos seus olhos. Ele se levantou rápido, fugindo do que eu acabara de dizer. Ele ofereceu sua mão, mas eu não a evitei, aceitei sua ajuda. Estava confusa de mais para não aceitar. Ele me olhou com os olhos inexoráveis e feições sérias.
- Essa luta foi só uma amostra que você ainda não esta preparada pra lutar fora do Instituto. Os seus treinamentos com o Victor acabaram.
Ele começou a ir a direção onde sua jaqueta e seus coturnos ficavam, mas eu intervim e virei seu corpo para o meu.
- Você não manda em mim. Eu paro de treinar quando eu quiser e se eu quiser.
Vi como seus olhos borbulhavam raiva e como suas mãos lutavam para não me agarrar.
- Isso não é decisão sua – seu maxilar travado me disse que sua raiva havia aumentado – Se você quer treinar, você vai treinar dentro do Instituto sob o meu supervisionamento. Aqui não é lugar pra você. Não é seguro. Da próxima vez que você me desobedecer eu não vou lutar com você, eu vou te trancar no seu quarto.
Eu o olhei indignada. Ele não podia fazer isso! Fiquei atônita o vendo colocar novamente seus coturnos e sua jaqueta de couro. Quando eu acordei do meu transe, não pude sentir mais nada do que raiva, fúria, desgosto, amargura.
- Seu filho da puta arrogante. Se você acha que pode me trancar no meu quarto e moldar minha vida. Eu to cansada de você. Da sua arrogância, do seu egoísmo, sua prepotência...
Comecei a andar sem rumo, indo para mata, sem me importar. Eu só queria ficar longe dele, não o ver nunca mais.
- Onde você pensa que vai, Claire? – a voz dele soou atrás de mim.
- Onde você acha que eu vou, Lucius? – me virei para ele com as mãos na cintura – Para o Instituto, mas dessa vez sem você!
- Não me force a te obrigar...
- Me obrigar ao que?! – avancei para ele – Eu quero que você tente...
Antes que eu terminasse a frase, ele dominou meus ombros e puxou minhas pernas de encontro ao seu braço estendido, me carregando no colo. Trinta segundos depois eu estava no banco de carona, com o sinto me prendendo e as portas do carro travadas. Eu bufei de raiva vendo Lucius ligar o carro e se dirigir à estrada. Eu pensei em desatar o sinto, mas...
- Não pense nisso, Claire. Você sabe que não conseguiria escapar.
Cruzei os braços já conformada e olhei para o lado, vendo a imagem se deslocar rapidamente. Eu não podia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Ele tinha descoberto e me levado pra lutar. Pior, ele tinha descoberto sobre minhas mentiras e isso mudava tudo. Não tinha a mínima idéia do que se passava na mente do Lucius. Ele tinha esperado dois meses para fazer alguma coisa. Aceitando minhas saídas com Victor e a relação que eu tinha com ele. Agora que ele tinha resolvido me contar, eu não sabia como isso ia ficar. A única certeza que eu tinha era que ele estava de volta a minha vida, mandando e limitando minhas escolhas. O carro foi parando lentamente quando fomos chegando à porta do Instituto. Tentei abrir a porta, mas os pinos ainda estavam travados. Olhei Lucius sem entender.
- Nada mudou entre nós, eu espero que você entenda isso. – ele disse olhando a frente, sem me olhar.
A única coisa que se ouviu depois foram às portas sendo destravadas, mas eu não deixaria Lucius ter a última palavra, não deixaria demonstrar como essas palavras me afetaram.
- Não se preocupe Lucius - abri a porta e segurei minha mochila – Eu entendi bem isso quando você socou minha cara, ficou bem claro – saí do carro e disse as palavras ao vento, sabendo que ele as ouviria – Eu também vou continuar com Victor.
Disse às palavras que ele não teve coragem de me dizer. “Nada mudou entre nós” – eu ainda continuo com a Luisa. Bati a porta do carro com força, ouvindo o vidro estralar. Eu queria, naquele momento, que aquele carro explodisse, junto com ele.
Adentrei ao jardim em passos duros e apressados, a raiva revirando minhas vísceras. Eu tinha que encontrar Victor e era agora. Toda raiva foi se acumulando quando as memórias do que tinha acabado de acontecer emanaram em minha mente. Ele me usou, me manipulou com aquele miserável sonho, como ele sempre fazia. Eu revirei tudo em minha mente, quando eu passava as noites tentando entender o porquê daquele sonho. Tão simples. Eu era dele. Então porque agora que ele podia me ter, ele não me queria? Usando-me pelo simples fato de me ter ao alcance. Cheguei ao corredor estreito e subi as escadas indo aos dormitórios masculinos. Encontrei a porta do quarto de Victor ao fundo. Abri a porta de súbito e pude ouvir resmungos surdos saírem do quarto. Não hesitei nenhum momento quando fui a seu quarto. Algo me dizia que não era algo bom e eu não estava enganada.
- Finalmente!
Vi Luisa levantar da cadeira ao lado da cama onde Victor se encontrava. Minha respiração cessou por alguns segundos ate digerir tudo o que via. Victor amarrado à cama com correntes de prata, seus braços e pernas segurados a cabeceira e o final da cama, me fizeram ficar sem reação. Não pensei que eles seriam capazes. Luisa ainda ao seu lado, já levantada, pegou a espada que estava recostada no colchão e foi em minha direção. Pude ver nitidamente o sangue seco por sua extensão. O sangue de Victor.
- Eu acho que você pode cuidar do Victor por mim, não pode Claire? – Luisa disse jogando todo o escárnio nessa frase.
Desviei meus olhos de Victor para encontrar Luisa a minha frente, com o sorriso débil no rosto e a espada encostada em seu ombro. Aquela raiva de antes só fez aumentar, latejar em meus olhos, membros, corpo e mente. Soquei seu rosto sem pensar, vendo seu corpo ser lançado para trás. Empurrei seu corpo contra a parede e juntei minhas mãos em sua garganta.
- Eu vou fazer você sofrer o dobro que ele sofreu, sua vadia imbecil!
Senti a ponta aguda da espada ser forjada contra minha pele embaixo da regata, no quadril, segurada habilidosamente por Minogue.
- Eu estarei esperando por isso.
Forçando mais a espadas a minha cintura, ela me fez afastar. Vi sua silhueta atravessar o pequeno espaço entre nós e ir para porta.
- Agora eu preciso ir... Lucius esta me esperando – ela esboçou um sorriso grande e fechou a porta atrás de si.
No próximo segundo eu estava indo para cama de Victor para conferir se nada tinha acontecido. Ele parecia fraco, mas, para minha surpresa, estava quieto, como se esperasse. Vi a mancha de sangue em sua blusa, na área do abdômen, e previ que o corte deveria ser ali. Levantei a blusa fazendo Victor acordar do seu transe. Ele se debateu contra as correntes enquanto eu tentava acalmá-lo.
- Victor sou eu. Olhe pra mim... Sou eu.
Seus dentes estavam expostos, sons animalescos saindo da sua boca, se debatendo mais.
- Porra Victor! Sou EU! – gritei para ele
Ele parou de repente, me reconhecendo.
- Você...
- Eu não acredito que ela fez isso com você.
Comecei a limpar a ferida em seu abdômen com o lençol branco da cama.
- Não ela... – ele disse com ar cortado – Ele. Foi o Lucius que fez isso comigo.
As palavras foram como um impacto para mim, mas eu continuei a limpar. O sangue foi desaparecendo ate não encontrar nada no lugar.
- Ela me deu sangue um tempo depois que ele me feriu e me prendeu aqui – ele respondeu antes mesmo que eu perguntasse.
- Certo.
Eu não pude dizer mais nada depois disso. Se ele tinha se machucado era por minha culpa. Só minha culpa.
- Eu realmente estou gostando do que você esta fazendo com suas mãos, mas eu acho que esta na hora de me libertar – ele disse com algum humor, mas as palavras saíram fracas.
Parei de limpar seu tórax e me dirigi ate as correntes, vendo que estavam prendidas com um grande cadeado.
- As chaves estão na gaveta do criado mudo.
Dei a volta à cama e peguei a chave onde ele disse que estaria. Desprendi primeiro seu braço e fui fazendo o mesmo com o restante.
- Ele te torturou muito?
Sentei ao seu lado, vendo o levantar seu tronco para sentar a minha frente, já com aparência normal.
- Luisa me torturou, Claire... Lucius não. Ele não blefa ou brinca, só faz.
Olhei sua camisa embrenhada de sangue e sua aparência fraca, débil, e me senti mais culpada.
- Me desculpa Victor. Eu não pensei que ele fosse capaz.
- Eu sempre soube – senti sua mão em meu cabelo – E isso não é sua culpa – ele tirou algo que estava entre meus cabelos e me mostrou – Eu suponho que ele também não foi tão gentil com você?
Olhei a folha seca entre seus dedos e ri, cansada.
- Não. Ele disse que não poderia mais treinar.
- Previsível.
- Eu sei. Mas eu não concordo com ele.
- Eu não posso fazer nada a respeito Claire... Mas talvez você possa fazer algo.
- Eu?
- Sim. A única coisa que você precisa fazer é conversar com a Sura.
Os poucos treinadores que o Instituto tinha estavam ao meu redor. Isso contava Luisa e Lucius. Todos me olhavam curiosos, sem entender a situação, apenas Sura sabia a verdadeira motivação de tudo aquilo. Talvez eu estivesse louca ou apenas um pouco alterada, mas eu estava pouco me importando. As recomendações de Victor ainda estavam em minha cabeça. Ele me disse que seria complicado convencer a Sura, mas que isso também era um direito meu e que dificilmente ela poderia dizer não.
- Eu vou ser rápida e sucinta para todos aqui – Sura lançou um olhar penetrante para Lucius que se manteve no lugar – Claire Bauer exigiu um novo teste de nível – ela rodeou o olhar, olhando para todos – E espero que todos estejam em acordo.
- Eu não...
- Não você Lucius. Você não tem o direito de revogar minha decisão, já que você foi à causa dela – ela interrompeu Lucius – Claire alegou que o seu teste foi influenciado por suas emoções e decisões precipitadas e eu estou de acordo com ela.
Sua postura se tornou mais dura e seu maxilar travou com os dentes cerrados – Claro Sura.
- Mas alguém?
Todos se entreolharam e não disseram nada. Sura continuou com seu discurso.
- Como todos sabem os testes são avaliados por um treinador, mas nesse caso eu chamei todos aqui para que não haja dúvidas sobre a decisão feita aqui... Claire?
- Sura? – mantive meu porte com as mãos cruzadas a costas, vendo a olhar para mim.
- Seu teste foi anulado devido a uma falha de um dos nossos treinadores, por causa disto fica a sua escolha com quem você gostaria de lutar...
Sorri vendo as coisas que Victor tinha me dito se tornarem realidade.
“Ela vai te dar a opção de escolher com quem você quer lutar, já que foi o próprio Instituto que errou. E é nessa hora que o nosso plano entra em ação. Você vai dizer...”
- Luisa Minogue! – disse forte e com convicção.
Vi as feições de todos, Jace, Irial, Sofia e principalmente de Lucius me olharem confusos, como se eu tivesse cometido algum erro.
“Não faz a mínimo sentido Victor. Ela é mais forte que eu, mais experiente. Porra, Victor, ela é a melhor executadora! E ta louca pra me dar uma surra.”
Diferente dos outros, Luisa sorria de lado a lado, feliz por minha escolha. Ela parecia lutar tanto quanto eu.
- Se essa é sua decisão, Claire...
- Sim, é a minha decisão.
- Então, que o teste comece.
“Luisa tem um ponto fraco, Claire, o Lucius. E só você pode usar isso contra ela.”
Fui para o centro da quadra, sentindo todos os olhares em minhas costas. Luisa se juntou a mim com o sorriso convencido e o corpo preparado para luta*.
- Eu nunca pensei que isso chegaria às vias de fato, Claire...
- Eu te disse que te faria sofrer.
- E eu te disse que ficaria ansiosa por te ver tentar.
Nós dissemos baixo, um dialogo, mas sabíamos que todos estavam ouvindo. Começamos a andar em círculos lentamente, prestando atenção em cada detalhe, cada movimento, só esperando que alguma de nós duas déssemos o primeiro golpe. Com o tempo ela pareceu impaciente com todas as voltas. Eu fazia o que Victor tinha me dito para fazer. Eu não daria o primeiro passo, eu a deixaria impaciente, irritada, eminente ao erro. Estava concentrada de uma forma que não estava quando lutei com Lucius, dessa vez eu não perderia.
Projeção, soco, abaixa, empurra, soca, cabeça, chute, costela, derruba, imobiliza – escutei todas as palavras com uma velocidade maior do que o normal.
Logo depois ela fez exatamente o que eu previ. Meu corpo foi jogado ao chão, um estrondo se fez na quadra, e minhas pernas foram mobilizadas por suas pernas enquanto sua mão segurava meus pulsos.
“Faça a pensar que esta ganhando. Então jogue com ela.”
- Eu nunca pensei que seria tão fácil, garota – o sorriso estava de volta.
- Você tem certeza? Talvez você tenha esquecido de ver um pequeno detalhe... – estiquei meu pescoço e a deixei ver a pequena mancha roxa que Lucius havia feito em mim quando me mordeu – Adivinha quem fez isso comigo?
Como previsto ela levou a sério demais as verdadeiras intenções daquele hematoma. Seus olhos foram imediatamente para Lucius que estava a sua frente, com os olhos indagadores. Não dei tempo para que aquele gesto tivesse tempo para resposta. Joguei com força minhas mãos para frente e troquei nossos corpos de posição, ficando por cima dela. Foi a minha vez de sorrir.
- E não foi só isso... – ela se debatia ferozmente contra meu aperto, mas eu a segurei com força e com habilidade. Deitei sobre ela, tocando nossos corpos e chegando perto do seu ouvido – À noite ele me disse que eu só pertencia a ele, apenas a ele – sussurrei de forma calma e cruel.
As últimas palavras foram ditas e meus olhos teimaram em olhar Lucius. Ele mantinha a mesma pose, mas eu podia ver a tensão em seus olhos. Voltei a encarar Luisa com um sorriso demoníaco no rosto.
- Ele já te disse isso?
- Sua vadiazinha baixa!
Ela me empurrou com força para trás me fazendo sair de cima dela. Voltei a ficar em pé em questão de segundos e pressenti que Luisa iria me atacar. Desviei do seu primeiro golpe e a vi me passar, antes que ela me contra atacasse, puxei seu cabelo para trás e chutei suas costas, fazendo a ir para frente e quase cair. Era a minha hora de agir. Eu não podia a deixar reagir, recuperar a consciência e começar a lutar com a razão. Eu precisava dela desestabilizada, com raiva, sem foco. Corri para seu lado, vendo a virar para me socar, mas me abaixei à tempo e soquei sua barriga com força. Ela se afastou um pouco, mas eu continuei. Com rapidez enfiei minha mão cerrada em seu rosto, rodopiei e acertei suas costelas com meu cotovelo com uma força fora do normal, por último baixei meu corpo por inteiro, lhe deu uma rasteira e a derrubei no chão. O choque do seu corpo ao chão foi alto, mas não mais alto do que a minha raiva. Pulei sobre ela e segurei seus braços com as minhas pernas, sem me importar com suas pernas que se debatiam inutilmente. Comecei a socar em seu rosto repetidas vezes, aumentando minha força e fúria.
- Isso foi por me humilhar! – eu gritava quase desesperada e a soquei de novo – Isso foi por tirar o que é meu, sua vadia! – cuspi as palavras e continuei a bater – E isso foi por torturar o Victor.
Ela já não se mexia tanto, apenas murmurava sons. O sangue escorria da boca e do seu nariz. Eu sabia que estava exagerando, mas isso só tomou minha consciência quando meu nome foi dito.
- Claire! – Lucius gritou – Sai de cima dela. Pára!
Alguém segurou meu braço e me tirou de cima dela. Eu ainda olhava o rosto de Luisa um pouco desconfigurado quando Lucius foi a seu amparo.
- Quem é a vadia agora, en?
Afastei-me com medo do que poderia fazer e olhei como todos me olhavam. Foi Sura que veio falar primeiro comigo.
- Eu acho melhor você ir...
- Não! Eu quero saber o resultado.
- Agora não é hora, Claire.
- Eu não me importo. Ela não é a melhor executadora? – eu a olhei, vendo que ela já estava em pé enquanto Lucius tentava conversar com ela – Eu a derrotei. Eu quero meu resultado.
- Ela esta certa – Sophia falou – Ela a derrotou, ela merece ir pro quinto nível. Pra falar a verdade eu nem sei o porquê dela estar no segundo nível. Ela é uma blind, ela tem que estar no quinto nível.
Olhei para aquelas feições pequenas e delicadas que não combinavam nem um pouco com a voz decidida e forte que veio dela. Ela usava uma calça jeans justa e uma regata meio velha branca. Seu quadril era pequeno e suas pernas longas, seus seios eram maiores e um pouco desproporcionais. Seu cabelo grande era castanho assim como seus olhos, sua boca carnuda e em suas costas havia grandes e afiladas asas brancas. Eu não sabia o porquê, mas apenas sua visão me agradou.
- Sophia esta certa – Jace se posicionou – Essa amostra demonstrou que ela é capaz. Não podemos nos dar o luxo de escolher.
- Eu não concordo tanto com isso, mas Jace esta certo, nós não podemos escolher.
- Certo. Se essa é a escolha de vocês... – Sura se virou para mim – Claire Bauer você é oficialmente do quinto ano daqui por diante.
Eu ri alto, sem poder me conter, alguns gritos também saíram de mim. Eu ouvi a porta da quadra se abrir e reconhece bem aquele sorriso, os olhos azuis, o cabelo loiro. Não pude evitar, no próximo momento eu já estava correndo para ele. Pulei em seu colo e entrelacei minhas pernas em sua cintura.
- Eu não acredito que consegui!
- Eu te disso...
Eu não pensei em mais nada, a única coisa que eu pude fazer e queria fazer era beijá-lo, com força, desejo, desespero, lhe agradecer. O beijei com seus cabelos em minhas mãos, sua língua entrou em minha boca, tão intenso quanto a minha. Mordisquei seus lábios e separei meu rosto do dele.
- Eu consegui – disse um pouco ofegante.
- Conseguiu...
Ele puxou meu cabelo para frente como se fosse começar um novo beijo.
- Claire! – a voz de Sura soou forte.
Tirei minhas pernas do corpo de Victor e desci, sabendo que tinha excedido.
- Desculpa Sura.
- Por favor saiam um pouco, eu preciso resolver umas coisas por aqui.
Olhei em volta e observei como tudo parecia tenso. Os treinadores estavam ao redor de Luisa, parecendo conversar algo sério, Lucius a tinha em seus braços, a contendo.
- Claro Sura, a gente já vai.
Peguei a mão de Victor.
- Ate mais Sura.
Victor sorriu descarado para ela. Nós saímos sem dizer uma palavra.
- Porque você ta sorrindo assim? – perguntei quando chegamos ao jardim.
- Talvez devêssemos seguir o conselho da Sura... – franzi o cenho sem entender – Talvez eu deva te levar pra sair, mas dessa vez um encontro de verdade.
Sorri voluntariamente sem dizer nada, a resposta estava na minha cara.
******
Suas mãos corriam livremente pelo meu corpo e eu realmente não estava me importando. Cada beijo, cada toque, cada sussurro me faziam arrepiar inteiramente, como se uma descarga elétrica passasse por mim. Eu não podia me conter. Escorri minhas mãos por debaixo de sua blusa, sentindo cada músculo moldar minha mão. Ele era frio, mas tudo parecia me queimar por dentro. Uma alça do meu vestido desceu deixando meu pescoço totalmente exposto. Suas presas deslizaram por ali como agulhas afiadas, me deixando mais excitada. Eu não sabia explicar se era por ter bebido demais ou porque inconscientemente eu sempre quis aquilo. A única coisa que eu sabia era que eu precisava esquecer o Lucius e Victor estava conseguindo isso. Ele ergueu minha perna colocando seu quadril entre suas pernas e apertando mais suas presas.
- Não! – eu disse em êxtase.
Ele tirou sua boca dali e continuou a beijar a extensão do meu colo, meu ombro descoberto, meu maxilar, minha boca. Beijo ardente, intenso demais para que eu pudesse raciocinar direito. Ele o cortou com um pouco de esforço e me olhou atentamente.
- Você se lembra do nosso acordo, não lembra? – escorreu sua mão da parte mais baixa da minha coxa ate mais em cima.
- Sim – disse quase em um sussurro.
- Eu consegui te treinar, agora eu quero a minha parte...
Ele desceu sua cabeça em meu pescoço, dando pequenos beijos na região.
- Eu preciso do seu sangue Claire... Só isso.
Eu sabia da conseqüência desse ato, o que me acarretaria no Instituto. Mas eu estava cansada de esperar, ser usada, pressionada, eu queria a verdade e essa parecia à forma mais fácil e doce de consegui-la.
- Tudo bem – disse em um sopro.
Adrenalina correu por meu sangue quando senti suas presas em meu pescoço novamente. As senti rasgar minha pele em um misto de dor e prazer, um pouco de sangue escorrer, e minhas mãos segurarem seus cabelos. Mas isso foi por pouco tempo.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Capítulo 23 - *Mudanças:
Eu olhei novamente para porta fechada do meu quarto ouvindo o que vinha por de trás dela. Ele tinha voltado para o dormitório apenas uma semana depois, o pior de tudo, tinha voltado depois que Luisa tinha vindo aqui. Já era noite e a última coisa que eu esperava era vê-lo entrar por aquela porta, mas nada foi como eu imaginava. Depois da recepção nada agradável na quadra e depois de Luisa ter dito que ele estava dormindo em seu dormitório, eu nunca pensei que ele voltaria hoje. Eu ainda estava deitada no sofá tentando abafar toda raiva e desespero que eu sentia quando ele simplesmente abriu a porta. Eu o encarei por um tempo, sem esconder minha surpresa, enquanto ele adentrava ao quarto e ia para cozinha. Ainda usava a roupa do treino, sua fisionomia indicava que ele tinha acabado de acordar – o que confirmava o que Luisa tinha dito – e, como sempre, estava descalço. Abriu a geladeira e bebeu água da própria garrafa. Pude ver um traço de água descer por sua boca e escorrer por seu pescoço chegando ate seu colo, descendo ao ponto de não enxergar mais por causa da camisa preta. Isso chamou minha atenção mais do que deveria. Tentei não rir de mim mesma. Eu sabia que sentiria saudades dele, mas nunca pensei que chegaria a esse ponto. Talvez pela raiva ou pelo ódio por saber que ele tinha fodido a Minogue, a única coisa que eu queria fazer era agarrá-lo, mostrar quem realmente ele queria, mostrar quem eu queria. Desviei meus olhos quando percebi que ele me olhava de canto de olho. Mas eu não podia. Ele colocou a garrafa novamente dentro da geladeira e a fechou, andou para o seu quarto e fechou a porta. Não disse nada ou demonstrou algo em relação ao que tinha acontecido ontem ou mesmo ao que tinha acontecido hoje. Eu sentei e coloquei minha cabeça entre minhas mãos. Eu tenho que me segurar, focar no que eu quero agora, agora que ele tinha voltado, as coisas ficariam mais difíceis de se lidar. Visitas constantes da Luisa, minhas saídas com Victor, os encontros inesperados com ele ou simples fato de estarmos no mesmo lugar, mesmo sem se falar ou sem se ver, seria difícil para mim.
- Claire?
Eu olhei para cima e encontrei Lucius me olhando. Minha respiração cessou por um tempo. Ele estava sem camisa, cada pedaço de pele do seu peitoral amostra, com a calça meio baixa mostrando o elástico preto da sua boxer. Eu me detive nesse pequeno detalhe por mais tempo do que o necessário. Flashes de pequenas coisas que aconteceram vieram a minha mente. Na cozinha – Minha respiração parou enquanto suas mãos deslizavam da minha cintura até a base do meu seio, ainda sob a toalha, e minhas pernas tremeram quando ele beijou novamente o vão do meu pescoço onde meu sangue pulsava. Na sala – Colocou sua testa sobre a minha, fechou os olhos e me beijou. Um beijo curto, dura, seco, cheio de sentimentos e seco pelo que ele tinha ouvido. No jardim – Sua boca foi gentil no começo, lento e doce. Depois se tornou mais intenso, duro. Despejando todo ódio, raiva, desejo que ele sentia por mim. Eu correspondi com a mesma intensidade. Na piscina – Desci beijos sobre seu colo e continuei a descer. Beijei demoradamente seu tórax. Desci mais e deslizei minha língua sobre seu corpo quente, o fazendo tremer.
- Claire? – Lucius chamou minha atenção.
- Na?
- Você sabe onde ta minha toalha?
Eu olhei sem entender. Ele tinha vindo aqui pra perguntar onde estava a toalha?
- Não, Lucius. Não sei – eu disse me levantando.
Tentei sair, mas seu corpo me impedia.
- Talvez eu tenha esquecido no dormitório da Luiza – ele disse um pouco pensativo, mais para ele do que para mim.
Ele ainda estava na minha frente, impedindo que eu passasse. Eu cruzei os braços e esperei que ele percebesse minha intenção.
- Eu não queria ir lá agora, então... não teria como você me emprestar umas das suas?
- Claro. Porque não? – disse irônica.
Eu dei um passo à frente, esperando que ele se afastasse, mas ao invés disse ele apenas virou seu corpo um pouco, me dando pouco espaço para que eu passasse, já que a mesinha de centro me impedia de passar mais longe de seu corpo. Eu cogitei a idéia de passar pelo outro lado, mas já que era isso que ele queria. Passei de lado, com a costa voltada para ele, e imperceptível, fiz com que roçasse meu corpo ao dele, por poucos segundos. Não significaria nada se fosse com qualquer um, mas com ele não era bem assim. Ele não disse nada quando fui ate meu quarto, apenas me seguiu ate a porta, para que eu pegasse a toalha. Abri a porta esquerda e encontrei a toalha maior azul lá. Peguei e voltei para a porta, o encontrando com os braços cruzados e com os olhos avaliativos de sempre. Ele olhou rapidamente minhas pernas, cobertas com o pequeno short do meu pijama e voltou a olhar minhas mãos, aonde se encontrava a toalha. Ele a pegou.
- Obrigado.
Focou seus olhos no meu, com um sorriso atravessado e saiu indo ao banheiro. Eu tive que parar um pouco, respirar melhor, dissolver o que tinha acabado de acontecer. O mau pressentimento me rodeou. Ele estava diferente, mudado. E deveria ter acontecido alguma coisa para que isso acontecesse. Eu relembrei de cada detalhe que tinha acabado de ocorrer. Não pareceu acontecer por acaso, só por que ele tinha esquecido uma toalha. Eu conhecia Lucius, se ele não quisesse falar comigo, ele arranjaria um jeito de conseguir a toalha. Então isso devia ser algo que ele queria fazer, mas o que isso deveria significar? Eu tinha lido aquele sorriso que ele me deu, havia cinismo, maldade, algo que eu não sabia definir. Parecia que ele queria me provocar, como se soubesse de alguma coisa. Mas ele não podia saber. Se ele soubesse, ele já teria me dito isso. Lucius era protetor demais para que o seu orgulho o impedisse de me dizer algo. Mas se ele não sabia, provavelmente ele estava desconfiando. Talvez Luisa tenha dito algo, mas eu duvidava muito. Ele deve ter tirado algumas conclusões depois do treino de hoje. Me amaldiçoei por isso. Eu não deveria ter enfrentado Paulo, não mesmo. Se Lucius descobrisse, ele nunca deixaria que eu continuasse com os treinos noturnos com o Victor e eu definitivamente não queria isso. Fiquei deitada na minha cama, absorta pelos meus pensamentos, ate que alguém bateu na porta. E só poderia ser uma pessoa.
- O que foi? – gritei em resposta.
- Tem visita pra você. – Lucius disse baixo, mas audível.
Eu sentei na cama e ouvi um barulho próximo da porta ao lado ser fechada, indicando que Lucius tinha entrado em seu quarto. Quem seria nessa hora? Deveria ser a Celina ou a Moira, ou as duas. Levantei-me e fui ate a sala sem me preocupar de estar com pijama. Não era quem eu esperava ver. Victor estava em pé, de costa para mim, me esperando.
- Victor? O que você ta fazendo aqui?
- É assim que você trata o amor da sua vida? – ele se virou e mostrou um sorriso cínico, mas dessa vez eu notei que estava diferente.
- Desculpa, só to um pouco estressada.
- Isso deve ser porque sentiu minha falta – ele arqueou a sobrancelha, como se me perguntasse, mas sua voz foi determinada como uma afirmação.
Eu abafei um riso descrente. Victor, ao contrario de Lucius, nunca mudaria.
- É,senti saudades.
Vendo o sorriso em meu rosto, ele avançou em minha direção e parou a centímetros de mim.
- Agora você deveria me beijar pra matar suas saudades, você não acha?
Ele levantou sua mão e acariciou meu rosto com as pontas dos dedos, de forma lenta e compassada. Eu neguei com a cabeça, não querendo dizer nada. Eu estava confusa e cansada demais para isso e principalmente o que mais me incomodava era o fato de Lucius estar a poucos metros de distancia. Victor inclinou um pouco sua cabeça, como se lesse meus pensamentos, em advertência. O sorriso em seu rosto se desmanchou por alguns segundos dando o lugar para um olhar serio. Eu entendi a indireta. Levantei nas pontas do pé e depositei minha mão em seu ombro. Tomei sua boca com a minha por pouco tempo, em um beijo curto e sem demora. Victor apertou meus ombros em desaprovação, mas deixou que eu me afastasse. Continuei a olhá-lo, com a pouca distancia que nos separavam, e notei algo em seus olhos que não tinha notado antes, mas antes que eu detectasse algo ele se afastou.
- Eu preciso falar com você – eu disse depois de algum tempo de silêncio.
Ele concordou e completou – Mas não aqui.
- Não aqui – eu fui ate a porta e a abri – É melhor irmos pra outro lugar.
Eu e ele saímos sem dizer nada, indo para o jardim externo. Abracei-me, passando as mãos em meu braço, desvanecendo o frio. Victor me olhou melhor e deve ter notado que eu estava só de pijama.
- É melhor irmos ao meu quarto.
- Eu acho melhor não.
- Você esta só de pijama, no meio do jardim externo, ás nove da noite. E não é só isso, alguém pode nos ouvir aqui, Claire. No meu quarto é mais seguro.
- Certo.
Quando passei ao seu lado, ele envolveu seu braço em meu ombro, me guiando no caminho. Eu estranhei o gesto, mas deixei que ele me levasse. O seu dormitório não era tão longe, então chegamos lá rapidamente. O quarto estava praticamente do mesmo jeito que eu o tinha visto pela primeira vez, tirando o fato que tinha algumas roupas espelhadas pela sala. Sentei-me na mesa perto da bancada da cozinha e esperei que Victor fizesse o mesmo, mas ele apenas me olhou, com as mãos no bolso e o rosto intransigente.
- O que aconteceu?
- Lucius voltou ao dormitório hoje à tarde.
- Eu notei isso. O que eu quero dizer é o porquê dessa agitação. Quando ele me viu na porta, não disse nada, apenas te chamou. O que é estranho já que ele não costuma agir assim. Algo deve ter acontecido, mudado. Então... - Victor continuou sério – o que aconteceu?
- Eu acho que ele deve ter notado algo no treino.
- No treino?
- É. Eu tava treinando com um aluno do quinto nível, já que você não foi, o Paulo Vitor. Eu não sei o que aconteceu direito. Durante a luta aconteceu exatamente o que você tinha me dito nos treinos, eu consegui prever os golpes dele e o derrubei.
- Você derrubou o Paulo Vitor? – no fundo da sua voz eu pude notar um pouco de descrença.
- Derrubei. Mas não é só isso. Eu tava perdendo, perdendo mesmo, então, do nada, eu consegui desviar do golpe e o acertei. Isso chamou a atenção de muita gente, principalmente da Luisa.
- O que a Luisa fez com você? – eu notei sua postura ficar mais dura, preocupada.
- Nada que ela não tenha feito antes. Ela foi ao dormitório, antes do Lucius chegar, pra perguntar o que eu e você estamos fazendo realmente depois da meia-noite.
- O que você disse pra ela?
- Que eu tava fazendo o mesmo que ela.
- E é claro ela não acreditou.
- Não, não acreditou. Eu acho que talvez ela tenha dito algo pro Lucius.
- Não, ela não ia permitir perder a chance de te afastar do Lucius. Ele deve ter tirado algumas conclusões sozinhas. Ele disse algo que te indicasse isso?
- Dizer, diretamente, não. Mas ele veio com um papo de que tinha esquecido a toalha no quarto da Luisa e que precisava da minha emprestada.
- Só isso? Nada que te provocasse?
- Acho que sim. Ele ficou me olhando daquele jeito intenso, me provocando, andando sem camisa perto de mim. Isso é estranho, sabe. Se ele quisesse me evitar, ele nunca faria isso.
- Como você reagiu?
- Isso é importante?
- Eu não perguntaria se não fosse.
- Como sempre. Nervosa, sem jeito, um pouco com raiva...eu acho que também o provoquei um pouco, mas nada sério.
Victor balançou a cabeça, negando, me julgando com um sorriso idiota, como se lidasse como uma criança.
- O que? O que eu fiz? – perguntei com um pouco de raiva.
- Ele tava testando você.
- Me testando? - eu olhei incrédula – O que isso deveria significar?
- Ele tem a mesma sensibilidade que a minha, pode perceber o que você sente, como você sente, se suas mãos suam, se o batimento cardíaco aumenta, se suas pupilas dilatam ou se você sente algum desejo. Ele deve ter notado o que você sentia quando o olhei sem camisa.
Eu fiquei sem fala depois disso. Me testando? Como uma droga de rato de laboratório?
- Eu não acredito nisso! – eu disse mais alterada.
- Isso pode não significar nada agora. Sentir algo por ele não é problema, afinal você já o amou antes de me amar, certo? – ele disso com desgosto crescente e cinicamente – Mas isso não pode acontecer mais. Se um dia ele acreditou nessa sua mentirinha, não vai demorar muito pra descobrir a verdade se você sempre reagir da mesma maneira.
- Eu não acredito que ele me usou como teste.
- Esse não é o ponto, Claire! O ponto é como você vai agir daqui pra frente. Você tem que se afastar dele, não ficar muito próxima. Mesmo que ele esteja desconfiado, ele é muito orgulhoso pra admitir que cometeu um erro acreditando em você. Ele vai esperar que você cometa o erro, ele vai te forçar a isso. Então você não pode continuar assim se você quer continuar com o treino.
- É tão fácil dizer – eu disse baixo, mas sabia que ele tinha ouvido.
- Eu sei. Mas você não pode continuar a jogar esse joguinho mais, Claire. Você precisa se afastar.
- Eu já to fazendo isso. Não é o Lucius que me preocupa mais, é a Luisa. Ela vai fazer de tudo pra descobrir.
- Eu sei disso. Ela veio falar comigo sexta-feira.
- Ela também falou com você?
- Ela não acreditou na nossa farsa desde antes, principalmente depois da nossa discussão. Mas eu já resolvi isso.
- Já resolveu isso? – eu o olhei indagando – Por acaso você não ameaçou ela, Victor, ameaçou?
Ele riu do que eu disse.
- Não, não ameacei, Claire. Você me julga tão mal?
Não respondi, cansada do jeito arrogante que ele quase sempre falava comigo.
- Então o que você fez Victor?
- Eu conversei com a Sura...
- Conversou com a Sura!? – não me contive e levantei da cadeira – Você não contou pra ela, contou?
- Sim, contei.
- Eu não acredito – eu disse passando a mão no me cabelo – Você é louco? É lógico que ela vai contar pro Lucius!
- Não. Ela me prometeu que não vai contar.
- Você não conhece como eu a conheço, ela não vai mentir pro Lucius, nem mesmo pro Conselho.
- Eu sei que ela vai cumprir com o que me disse, Claire. Confie em mim.
- Isso não vai dar certo.
- Já deu certo.
Ele andou ate mim, sentou na cadeira mais próxima e me encarou. Eu cruzei os braços.
- E porque você acha isso?
- Ela concorda comigo. Também acha que você tem que saber se defender. Não é como você fosse uma criança, Claire, você já tem dezenove anos.
- Eu sei, mas às vezes eu acho que nem todo mundo vê isso.
- Isso não aconteceu ontem à noite. Você se impôs...
- Eu vivi isolada por muito tempo no orfanato, Victor, eu não gosto de agir assim, eu só queria que fosse mais fácil.
- Mas não é – ele se levantou e só deu dois passos para chegar ate a mim – Você não pode ser fraca, você não é – todo que ele dizia refletia em seus olhos azuis com sinceridade – Você só precisa acreditar em si mesma.
- É isso que eu venho tentando fazer.
Eu tentei sorrir, mas eu senti o riso demolir no meu rosto. Mesmo assim Victor sorriu de volta, cúmplice. Descruzei meus braços.
- Você disse a ela, mas isso não muda o fato de que o Lucius e a Luisa podem descobrir.
Eu voltei ao assunto, pressentindo que não podia continuar desse jeito com Victor. Ele pareceu perceber e se afastou, de maneira disfarçada.
- Sura me disse que vai nos acobertar ate o seu treinamento terminar.
- Mas, como?
- Ela vai deixar que nós saiamos durante a noite com a sua permissão como se fossemos a encontros e te dispensar de algumas aulas pra proceder com o treinamento.
- Encontros? Eu não sei se eles vão acreditar nisso.
- É melhor que nada. Alem do mais, Sura estará nos apoiando, será a palavra dela que estará em jogo, eles não vão poder ir contra isso, não diretamente.
- Certo. Se essa é a melhor solução, eu não posso falar nada.
- Falando nisso, eu ainda não te convidei...
- Não me convidou?
- Aceita sair comigo amanha a tarde?
Eu soltei um riso desprevenido, e um pouco alegre.
- Me convidando pra sair, Victor Lefroy?
Ele apenas assentiu, se curvando diante a mim, brincando com o fato de ser apenas mais um treino.
- Sendo assim eu aceito.
- Eu sabia que você não resistiria – ele me ofereceu aquele sorriso arrogante mais uma vez, mas eu pude ver uma sinceridade que eu não esperava.
- A que horas?
- Às duas.
- Então ate amanha.
Eu fui andando para porta, não esperando que tivéssemos algo a mais a dizer, mas Victor me interceptou. Com o corpo cruzado com o meu, próximo ao tato, de sentir sua respiração pairar sobre mim. Eu encarei aquele rosto, os cabelos circundando suas feições, seus olhos ferozes.
- Apenas isso? – ele colocou a mão sobre meu pescoço como um aviso.
- Não Victor – eu disse mais séria e apreensiva.
- Você já fez isso antes – ele disse calmo, mas eu senti a pressão por detrás das palavras.
- Você sabe o porquê. E eu não me sinto tão confortável agora.
Ele continuou a me segurar pela nuca, com os olhos em mim, talvez esperando que eu mudasse de opinião. No final eu desviei meus olhos do dele e o senti regredir. Deu me espaço para que eu passasse e assim eu o fiz. Quando comecei a sair pela porta, ele chamou meu nome.
- Claire?
- Que?
- Leve seu biquíni amanha – eu o olhei sem entender – Afinal ainda temos que fingir que vamos a um encontro, certo?
Eu assenti rindo e fechei a porta com a sensação de que várias coisas haviam mudado hoje.
******
- Pontual como sempre! - eu não consegui conter o riso.
O abracei rapidamente e o senti rir também entre meus cabelos. Ele pareceu um pouco surpreso com o abraço, mas apenas me abraçou de volta.
- Eu não costumo acordar tão cedo – ele respondeu com a voz embargada.
- Duas e meia é cedo? – eu ri o vendo arquear a sobrancelha como se a resposta fosse obvia.
- Espera que eu ainda tenho que pegar minha bolsa no quarto – eu comecei a entrar no dormitório ate lembrar – Não quer entrar?
Ele formou um sorriso pretensioso e negou a cabeça percebendo minha tática.
- Tentador, mas não.
- Então espera um pouco.
Eu saí em direção ao meu quarto sentindo o vestido branco brincar entre minhas pernas. Eu tinha vestido o meu biquíni azul marinho que Jeremi tanto gostava e por cima tinha colocado um vestido branco justo no torço e um pouco folgado na parte inferior, um pouco acima do meu joelho. Senti o olhar de Lucius demorar em mim por segundos, mas naturalmente ele voltou a mexer no seu leite na bancada da cozinha. Eu sorri vendo a situação em que eu estava. Muito propícia por acaso. Não haveria nada melhor que afastar Lucius do que mostrando que estava com Victor, mesmo que isso o machucasse, eu não me importava. Ele tinha feito o mesmo com a Luisa, agora era a minha vez. Abri a porta do meu quarto encontrando a minha bolsa aonde eu tinha a deixado. Olhei novamente o que eu levava. Uma toalha, minha roupa de treino, um creme e um conjunto de lingerie. Era tudo o que eu precisava. Abri a porta do meu quarto e percebi que Lucius não estava perto da bancada e sim sentado no sofá, tomando seu leite e assistindo televisão. Assim que eu adentrei a sala, senti seus olhos me seguindo, me perfurando, me julgando. Eu não desviei, indo a porta onde Victor me esperava. Palavras não ditas, sentimentos escondidos, ações não feitas, tudo transmitido em apenas nesse olhar. Eu me perdurei nesse momento ate ficar frente a frente com Victor. Ele já não tinha mais o sorriso, apenas um esboço de um, com o olhar perdido no que acabara de acontecer. Eu puxei sua atenção para mim, entrelacei minha mão com a dele e ofereci um sorriso tímido, como se pedisse desculpa pelo que eu tinha acabado de fazer.
- Vamos? - eu abri meus lábios em um sorriso grande – Eu to ansiosa pra ver aonde você vai me levar!
Ele apertou mais minha mão e me puxou para ele, segurando minha cintura com seus braços cruzados em minhas costas. Selou sua boca a minha por poucos segundos e se afastou, ainda com as mãos em mim e próximo a minha boca.
- Vamos.
Afastou-se e segurou minha mão me levando para fora do quarto e para fora da vista de Lucius.
- Fingiu bem – ele comentou, suspenso, como um comentário qualquer.
Atravessamos o salão principal e chegamos a entrando, dando de cara com a moto vermelha de Victor. Ele pegou o seu capacete preto, que estava presa a moto, e entregou o meu. Senti seu o olhar no meu antes de sentar na sua moto e esperasse que eu também sentasse. Eu sabia o que ele esperava, ele esperava uma resposta. Vendo que ele ainda não tinha colocado o capacete, aproveitei e me sentei atrás dele. Segurei seu braço que estava com o capacete e o vi virar seu rosto parcialmente.
- E quem disse que eu estava fingindo? – sussurrei em seu ouvido.
Coloquei meu capacete sem esperar por uma resposta. Ele esboçou um sorriso sincero, grande e colocou seu capacete também. O abracei, envolvendo seu torço com meus braços, ouvindo apenas o ronco do motor enquanto nós avançávamos novamente para cidade. A mata cerrada e os poucos carros que passavam pela estrada me distraíram ate chegar lá. Fomos para o mesmo lugar que íamos durante essa semana, mas desta vez não foi pela floresta e sim pela trilha. Eu percebi que ninguém passou por nós, mesmo não sendo o período de temporada, eu tinha quase certeza que mesmo assim haveria turistas ou mesmo os moradores. Eu entrei na área aberta da cachoeira e avistei a paisagem novamente. Mas estava diferente. Com o sol a vista, iluminando cada parte. Eu me vi sorrir voluntariamente. A água corria sobre as pedras intercaladas, o sol refletia a água cristalina, as árvores se balançavam um pouco devido a brisa fresca e a areia quente sob meus pés. Era tudo tão...
- Perfeito. Tudo parece tão perfeito – concretizei meus pensamentos – Toda vez que eu venho aqui eu me surpreendo.
- Eu sei, há belezas que não podem ser descritas.
Quando eu olhei para ele percebi que ele não olhava a cachoeira e sim a mim. Eu ri, meio tímida, mas não deixei de comentar.
- Eu já te vi ser cafajeste, imbecil, arrogante e ate meio carente, mas brega é a primeira vez.
Eu ri ainda mais vendo a cara que Victor fazia, um pouco ofendido e um pouco risonho.
- É isso que as garotas gostam, certo? – eu pude notar um pouco de sarcasmo na sua voz.
- Não, pelo menos não eu – eu coloquei a mão sobre meus olhos tentando cessar a luz do sol – Mas é ate bonitinho vindo de você!
Victor se lançou rápido ate mim, sem aviso algum, e me segurou entre seus braços, prevendo que eu me assustaria e tentaria me afastar.
- Não você – ele repetiu minhas palavras e eu tentei conter meu riso novamente – Você parece diferente... Por quê?
- Eu pensei muito depois que eu voltei para o dormitório – eu continuei em seus braços sem me importar – e cheguei à conclusão que não podia continuar assim, cheia de raiva. Eu só acho que tenho que aproveitar mais o que eu me propus a fazer, sabe?
- Eu acho que vou gostar disso...
Ele disse calmamente, saboreando cada palavra, saboreando também a vista privilegiada. Seus olhos foram do meu rosto para o nosso corpo colado, onde os meus seios ganharam uma maior proporção sob o vestido branco e devido à pressão de seu corpo. Eu revirei os olhos.
- Você realmente sabe estragar o momento – eu tentei me afastar dele, mas ele ainda forçava seu braço em minhas costas – Me solta! – eu tentei falar a sério, mas ri um pouco ao final.
- Me dê um motivo pra eu fazer isso – ele sorriu de lado, com os cabelos em seu rosto e seus olhos azuis marcantes.
- Eu vou tirar meu vestido se você me deixar ir – entrei na brincadeira.
- Se esse é o motivo, eu mesmo poderia fazer isso por você – ele passou os dedos por minhas costas, em um movimento de vai-e-vem, lentamente, me fazendo arrepiar inteiramente. Baixou-se próximo ao meu ouvido e sussurrou – Me dê um verdadeiro motivo...
Eu tremi com o som da sua voz, rouca, viva, fugaz. Acariciou a curva do meu pescoço com seus lábios frios. Não me contive e apertei seus braços enquanto fechava os olhos.
- Porque eu quero – eu disse com a voz tremula, nem um pouco convincente.
- Você realmente quer? – ele subiu os beijos sobre meu queixo, beijou minha orelha e sussurrou novamente – Um motivo...
Engoli em seco tentando encontrar as palavras, mas nada vinha a minha mente. Victor voltou a beijar meu pescoço, descendo um pouco ao colo, enquanto suas mãos me apertavam mais, bem mais. Eu abafei um som, tentando não parecer tão vulnerável como eu estava. Ele deslizou sua mão sobre minhas costas ate chegar a meus cabelos e entrelaçá-los. Ele começou a beijar minha bochecha, perto da minha boca e balbuciar:
- Só um...
“Porque você me ama” a voz de Lucius apareceu vagamente na minha cabeça, como um sussurro, quase inaudível para minha razão, mas bem presente para mim. Eu virei meu rosto subitamente e afastei meu rosto. Victor me encarou, com os olhos em chama, ainda com a pergunta impregnando suas feições.
- Não Victor. Não agora – eu disse séria desta vez, sem nenhuma dúvida estampada em minha voz.
Vi seu maxilar travar, parecendo um pouco mais impaciente do que a última vez que eu tinha dito não, mas ele me liberou. Deu dois passos para trás me encarando, me avaliando, tentando entender. Eu me virei de costas e andei ate a beira da água, não querendo ver mais seus olhos.
- Eu posso entrar antes de treinarmos, certo? – me referi a cachoeira.
Não esperei que ele respondesse, apenas tirei meu vestido branco e o joguei um pouco longe, aonde a água não chegaria. Deixei a água fria lavar meus pés, senti a leve brisa passar pelos meus cabelos e deixei descarregar tudo o que acabara de sentir com Victor. Eu pude sentir Victor se movimentar atrás de mim, mas não sabia o que ele estava fazendo. Os próximos passos na areia foram deles, chegando perto de mim, por trás. Ele encostou sua mão na minha cintura de leve, mal me tocando.
- Você sabe que eu ainda o amo.
- Eu sei... – ele deixou as palavras escorrerem junto ao vento – Mas isso não significa que você deva se manter a isso.
- Não? - Victor poderia me julgar, mas não era tão diferente de mim – Como era ela? Como você a deixou ir, Victor? – deixei as palavras saírem sem pensar muito.
O silêncio que sucedeu me mostrou que eu estava certa. Victor ainda se afetava com isso. Eu sabia que ele não responderia, então eu entrei na água. Água fria, gelada, calma, tranqüila, a única coisa que parecia realmente me acalmar. Eu me virei para olhar Victor, ver se ele ainda continuava ali enquanto eu flutuava. Ele já estava sem sua camisa azul clara e sua calça jeans, apenas com uma sunga preta larga com rajadas cinza, estilo um short. Eu podia ver sua pele branca, bem branca, suas pernas bem torneadas sob sua altura grande e afilada, seu peitoral definido destacando com seu cabelo loiro que chegava ate seus ombros. Eu não poderia fazer nada para evitar o que eu senti. Ele era lindo. Victor não desviou a atenção em nenhum momento, continuou a me olhar, enquanto entrava na água para tomar lugar perto de mim, tornando as coisas mais difíceis. Meus pés encostavam-se ao solo, mesmo que com as pontas, já Victor, por ser maior, se mantinha em pé, com a água encostando um pouco abaixo a seus ombros. Ele sustentou meus braços, me ajudando a continuar a seu lado. Senti quando sua barriga encostou-se à minha, mas não disse nada.
- Você me lembra um pouco ela – ele disse, me pegando de surpresa.
- Lembro? – um pouco decepcionada com a comparação que ele fez.
- Quando você brigou com a Luisa, anteontem, eu pude vê-la em você. Ela não é tão agressiva assim – eu vi um sorriso soldar sua boca enquanto ele lembrava – Mas ela não deixava que ninguém a rebaixasse. Ela tinha sua forma de fazer isso. Ela sabia ser doce e ao mesmo tempo amarga quando precisava, nada parecia atingir ela. Nada. Então eu a conhecia. – eu vi a inquietação aflorar em Victor enquanto ele despejava as lembranças – Ela era diferente comigo, não no começo, é claro, mas depois, quando ela me deixou entrar na vida dela – ele voltou os olhos para mim – Mas isso não importa, ela enterrou isso tudo quando se foi. Isso tudo morreu para mim.
- Ela era parecida comigo? – eu perguntei, um pouco incomoda com a comparação.
- Depois de tudo que eu digo, você só quer saber se é parecida com ela? – eu sabia que era egoísta, mas eu assenti – Não, não é. Só o jeito, se é que eu posso comparar vocês.
- Como você superou? Como você a deixou ir?
- Não teve muita coisa que pude fazer na época, Claire. Eu simplesmente a deixei ir. Doeu, mas não a nada a se fazer quando alguém é tirado da sua vida, principalmente quando você é imortal.
Ele acariciou meu rosto com as costas da sua mão e começou a se baixar.
- Deixe o ir, Claire...
Eu assenti sentindo sua respiração bater com a minha. Ele encontrou minha boca com a dele em poucos segundos, minha boca foi desenhada com a sua língua enquanto suas mãos moldavam minhas costas e me abraçavam, subi minha mão ate sua nuca e o beijei mais intensamente. Sua língua calma, fluente se contradizia com suas mãos rápidas e impacientes. Sentimentos começaram a se fundir em mim, sentimentos novos. Tudo era tão novo. Suas mãos frias se tornaram quentes ao toque enquanto a água gelada nos embalava. Cruzei minhas mãos em sua nuca, sentindo como cada proporção do meu corpo reagir com a aproximação. Incentivei que Victor continuasse a me beijar, tão profundo, tão quente, tão diferente. Ele colocou sua mão sobre minha bunda e me puxou, fazendo me senti-lo debaixo da sunga, pulsante. Eu arfei e afastei minhas mãos da sua nuca.
- Não, Victor. Eu não to pronta pra isso – cortei o beijo, arfando, e disse.
- Eu sei, mas é difícil com você agindo assim.
- Assim como? – eu abri os olhos e pude ver seus olhos vibrantes.
- Como se também quisesse isso tanto quanto eu.
Eu tirei seus braços da minha cintura e me afastei nadando.
- Então é melhor começarmos a treinar, certo?
Nadei um pouco ate chegar a um lugar onde meus pés alcançavam e andei ate a borda. Victor fez o mesmo minutos depois.
- Na próxima vez que você me deixar falando sozinho, eu não vou deixar você escapar...
Eu baixei e peguei meu vestido, depois fui aonde deixei minha bolsa. Olhei para Victor antes de guardar o vestido. Ele já tinha colocado a calça jeans novamente, sem que nada tivesse molhado, apenas as pontas do seu cabelo. Cheguei à conclusão que ele deveria ter tirado a sunga antes de colocar a calça, mas eu não tinha visto. Eu não sabia se ficava feliz ou triste por isso.
- Na próxima vez eu não vou deixar você escapar! – eu pisquei e voltei a olhar para bolsa enquanto Victor ria baixo.
Coloquei meu vestido dentro da bolsa e tirei minha roupa de treino junto com a minha lingerie.
- Agora onde eu posso trocar de roupa? - olhei em volta e não encontrei nenhum lugar propicio.
Victor soltou uma risada maior ainda quando olhei para uma parte afastada da mata.
- Você não espera que eu fique aqui esperando você trocar, melhor dizendo, tirar a roupa depois de tudo que aconteceu, espera? – ele cruzou os braços.
- Eu sei que você não faria nada, Victor – soei desafiadora.
- Talvez não fazer, mas olhar... – ele deixou as palavras se perderem enquanto eu bufava de raiva.
Estendi minha toalha na areia e me deitei sobre ela, esperando que o sol secasse minhas roupas. Diferente dele, eu não podia tirar meu biquíni e ficar sem nada por baixo. O tempo foi passando enquanto o sol me esquentava e secava meu biquíni. Victor não disse nada, apenas me observava. Eu olhei ao redor e notei o que me incomodava antes.
- Não tem ninguém aqui.
- Você só percebeu agora?
- Então era para eu perceber?
Ele não respondeu a minha pergunta
- Eu fechei as cachoeiras ontem.
- Fechou as cachoeiras?
- Eu não poderia treinar com você com pessoas nos olhando, podia?
- Como?
- Eu sou um vampiro, Claire, eu dei meu jeito. O que você pensou que eu estava fazendo ontem à tarde?
- Eu não sei. Eu não pensei sobre isso.
- É. Tem varias coisas que você não pensa a respeito – senti sua voz escorrer escárnio.
- Isso foi uma indireta, Victor Lefroy?
- O que você acha?
- Indiretas e cinismo é com o Lucius, Victor – eu virei de costas dando a chance da parte de trás absorver o sol – Se você quer me dizer alguma coisa, me diz na cara.
- Eu não te vi se esforçando muito depois da nossa conversa na enfermaria.
- Me esforçando? Eu já ouvi isso do Lucius, mas não pretendo escutar isso de você...
Levantei-me e puxei a toalha do chão, a sacudi tirando a areia e comecei a passar no meu corpo tentando secar as partes que ainda estavam molhadas. Eu queria começar o treino logo.
- O que você fez a respeito ao que te disse sobre o ataque na igreja, en Claire? Eu acho que nada. – eu vi o sorriso idiota ganhar suas faces. E, sim, o Victor estava de volta.
- Eu já perguntei a minha irmã, Victor, e ela não me disse nada.
Joguei a toalha para o lado e comecei a vestir minha roupa.
- Só para sua irmã? Tem mais pessoas que sabem sobre isso, Claire.
- Nenhuma que queira me contar – disse vestindo minha blusa.
- Você tem certeza disso?
Virei-me para ele já cansada de todo esse discurso. As pessoas sempre pareciam esperar algo de mim, com Victor, principalmente com Victor, não seria diferente.
- Você não se importa de começar o treino, certo? – eu disse cinicamente – Pelo menos pra mim, foi isso que eu vim fazer aqui.
- Você quem sabe – ele deu de ombros, mas pude notar em sua postura que ele estava cansado, cansado de mim.
Comecei o treino pela milésima vez, sentindo a raiva latejar em mim. Mas hoje seria diferente do restante da semana e como seria.
- Onde eu estou? – uma voz, afobada pelas árvores, disse.
Eu visualizei a figura de Victor na minha mente, de olhos fechados. Ele usava a blusa azul novamente mais sua calça jeans azul clara, um pouco surrada, desta vez tinha prendido seu cabelo em um coque e usava um tênis preto, simples, mas eficaz. Eu o via nitidamente, mas não sabia localizá-lo e nem prever seus movimentos.
- Onde eu estou? – sua voz suou mais forte, mas eu pude pressentir que estava mais longe.
Não respondi, ainda centrada, tentando encontrá-lo, identificar onde estava. Pude ver suas feições centradas, a testa um pouco franzida, a boca tensa, os ombros contraídos. Pela postura que ele portava eu poderia dizer que ele estava planejando algo.
- Onde eu estou? – sua voz saiu mais baixa, compenetrada.
No próximo momento eu pude ver seu corpo movimentar pela mata fechada, os galhos se quebrando, roçando em sua pele, as folhas se partindo, as pedras colidirem com seus pés. Ele estava se movimentando rápido, rápido, muito rápido, em minha direção. Pude pressentir seu corpo se aproximar ao meu nitidamente. Na minha frente.
- ONDE EU ESTOU?
Eu desviei, para o lado, do primeiro golpe e seguidamente, sem nem ao menos pensar direito, levei a minha mão a frente com rapidez e alcancei a primeira coisa que encontrei, o braço de Victor. Abri os olhos e vi Victor com olhar intacto, parado sobre seu braço, como estivesse surpreso. Apertei mais, tirando atenção dele do braço para mim. Sorri vitoriosa, abertamente, mostrando cada dente meu, feliz por conseguir e pretensiosa por mostrar a Victor que não foi em vão tanto treinamento, mesmo que só em uma semana. Ele riu de volta, da mesma forma, feliz por mim.
- De novo – ele disse baixo.
Tirou seu braço do meu aperto e correu novamente para floresta, se perdendo nela e da minha vista, para que o que acabou de acontecer se repetisse de novo, de novo e de novo.
- Pense a respeito ao que eu te disse hoje a tarde, Claire...
- Ta Victor, eu vou pensar.
Ergui-me sobre os pés e beijei rapidamente sua boca, não dando espaço para que prosseguisse. Eu estava cansada, depois de todo o treino que passamos hoje a tarde a única coisa que eu queria fazer era deitar na minha cama e dormir. Chegamos ao Instituto por volta da nove horas da noite, eu pude ver alguns alunos ainda circulando pelo refeitório ou mesmo no jardim, mas ninguém que eu conhecesse. Agora eu queria deitar e Victor, mesmo não estando tão cansado quanto eu, pareceu entender, mas ele ainda insistia na idéia de que eu deveria lembrar o meu passado. Eu não discordava dele, mas, nesse momento, eu não queria pensar nisso.
- Ate amanha?
- Eu te vejo amanha.
Passou a mão pela minha nuca e beijou minha testa. Saí em direção a meu dormitório e ele ao dele. Atravessei o jardim, cheguei às piscinas e fui para o dormitório. Quando abri a porta não encontrei ninguém, apenas silêncio. Agradeci mentalmente por Lucius não estar ali. Não queria vê-lo. Fui ao meu quarto depositei minha bolsa em qualquer lugar e fui ao banheiro tomar meu banho. Depois de tudo voltei ao meu quarto, me sequei, vesti minha camisola e deitei na cama sob os lençóis, esperando o sono. Ele não demorou tanto a chegar.
O quarto continuava o mesmo. O guarda-roupa, a escrivaninha branca, a minha cama, tudo. Mas no fundo eu sabia que tinha algo diferente. Estava mais escuro, eu mal podia enxergar à porta do meu quarto, apenas a sombra do que ela costumava ser. Deitei-me novamente achando que era apenas um mau pressentimento da minha parte. “Não há nada de errado, nada. É só sua imaginação” – eu disse a mim mesma deitando novamente na cama. Foi quando percebi que meu lençol não estava mais sobre mim, eu estava apenas de camisola, sentindo frio, muito frio. Peguei a barra do lençol e comecei a descê-lo, ainda sob minhas costas, mas uma mão me impediu. Eu encarei a mão em meu pulso e senti o medo avançar sobre mim, me congelar, arrepiar minha nuca. Eu tentei me soltar, mas não adiantava, então senti uma mão subir minha perna, do meu tornozelo ate minha coxa, lentamente, mantendo contato, com sua mão espalmada, intimamente, com o polegar na parte interna da minha coxa. Minha respiração acelerou a encarar o dono desse movimento tão agonizante. Então o que parecia ruim, assustador se tornou bom, prazeroso. Olhei aqueles profundos azuis anil, sentindo a respiração me faltar. Ele mexeu a mão em minha coxa, se movendo mais para cima, na lateral da minha calcinha e agarrou meu quadril. Ele deslizou sobre mim, colocou sua mão a meu lado, com o braço sustentando, tentando não encostar nossos corpos. Seus olhos me diziam tudo e ao mesmo tempo nada. Enigmático, como sempre fora, sem a menor pista do que ele faria depois. Senti seu peso sobre meu corpo, quente, grande, presente. Abri mais minhas pernas para que ele se acomodasse melhor, sentindo sua respiração em meu rosto, meu pulso acelerado, o seu quadril encaixando ao meu. Com o antebraço encostado a cama, ele acariciou meus cabelos e rosto com as pontas do dedo. Um movimento que poderia ser tão doce, mas com ele não. Eu podia sentir em cada centímetro de pele a sua possessividade, seu egoísmo, sua marca. Ele pressionou mais seu quadril ao meu, me fazendo arfar baixo. Um sorriso zombador apareceu em seu rosto. Enrolei mais minha perna a dele, querendo mais. Passei minhas mãos dos seus braços a sua nuca e ele me obedeceu. Encostou sues lábios aos meus e o sugou, ferozmente, sem que nossas línguas se encostassem inteiramente. Protestei e envolvi meu braço a sua nuca, mas ele me deteve. Passou sua mão do meu quadril e do meu rosto, ate meus braços, sustentando minhas mãos em cima, atadas a cama. Olhei para seus olhos, sem entender. Eu queria tanto aquilo, mais tanto. Deslizou seu rosto no meu, podia sentir a barba rala roçar em minha bochecha, ate chegar ao meu ouvido. A respiração quente resplandeceu quando abriu sua boca tão perto de mim.
- Você pertence a mim. Só a mim – beijou o ponto a baixou do lóbulo da minha orelha, como uma caricia – Não esqueça disso...
Então não estava mais ali. Não havia nada sobre mim. Só a lembrança do que havia acontecido continuou ali. Se isso realmente tiver acontecido.
Acordei ainda com as palavras em minha cabeça. Só a mim. Fora só um sonho, um sonho que parecia real de mais. O quarto estava exatamente como antes, quando pensei que ele estava aqui, escuro. Eu sentia o seu cheiro ainda ali, invadindo meus pulmões, acabando com qualquer paz que tinha. Virei-me na cama, tentando voltar a dormir. Afinal foi apenas um sonho.
Eu tentei dormir depois do maldito sonho, mas não consegui. Variando entre o que Lucius tinha me dito e o que Victor me falou. Victor havia me dito que eu precisava saber mais sobre meu passado, procurar saber a verdade, me esforçar mais. Tanto nisso quanto a Lucius. Ele havia dito que eu deveria deixá-lo ir. Mas ele não me deixava ir. E eu achava que nunca deixaria. Eu removi aquele sonho em minha memória varias vezes, era tudo tão vivo, tão presente, que eu não conseguiria esquecê-lo. Porque eu pertencia a ele, só a ele. Eu ri irônica, já cansada de tudo isso. Se eu não podia lidar com esse sonho agora, eu poderia lidar com outra coisa. Levantei-me da cadeira, indo em direção a Sam, sem nem falar com Moira ou Celina. Já era final da aula e eu precisava falar com ele antes de começar o treino. As meninas não me seguiram, elas devem ter percebido meu mau humor de hoje de manha e não falaram nada. Cheguei perto de Sam, que conversava algo com o Jerimi, e chamei a sua atenção.
- Sam, eu preciso conversar – olhei para Jeremi que me olhava com um sorriso – Sozinha.
- Ok! Eu acho que entendi a indireta, senhorita Bauer – Jeremi se despediu de mim e de Sam com aceno de cabeça – Ate mais, então.
Eu esperei que Jeremi saísse da sala para que eu pudesse continuar a falar com Sam. Ele já estava sentado novamente, provavelmente sabendo que eu não queria apenas jogar conversa fora.
- O que foi, Claire? – ele olhou com o rosto mais sério.
- Não é nada sério Sam. Eu só quero te perguntar uma coisa...
Peguei à cadeira próxima a mim e a virei para frente, me sentando em seguida. Olhei para Sam não sabendo como começar.
- Pode falar, Claire.
- Certo! Eu sei que você nasceu fora do Brasil e veio para cá ainda novo junto com os seus pais.
- Aham...
- E que também seus pais são bem ligados ao Conselho e tudo que envolve o nosso mundo.
- É. Meus pais podem ser humanos, mas a nossa família sempre foi ligada ao Conselho, há muitos anos atrás, foi por causa disso que vim parar nesse Instituto.
- Ótimo! Porque o que eu tenho que perguntar tem haver com o Instituto.
- Eu não sei se vou poder responder tudo, mas vou falar o que eu sei.
- Brigada! – eu sorri agradecida – Sam, o que você sabe sobre o ataque em 2002, o que ocorreu na igreja?
- Sobre isso? Eu pensei que você soubesse... O Conselho limita e desvia muita informação sobre isso, só por isso eu sei pouco, mas o necessário. O Instituto foi atacado em uma época em que não havia praticamente quase nenhum principado aqui, por causa das férias. Eles sabiam disso, é claro, o que dificultou um pouco as coisas. Na época eu não estava na cidade, por isso não soube muito sobre o atentado. Mas com o passar do tempo, por causa da minha família, eu fiquei sabendo que não foi um mero ataque, que isso tinha se iniciado de dentro, por uma pessoa de confiança.
- Pessoa de confiança?
- É. Ele era um professor muito graduado aqui no Instituto e também no Conselho, já fez coisas grandiosas pelo Conselho. Sem contar que ele era um dos mais velhos dominação daqui ou mesmo do mundo. Eu não sei o que aconteceu ou como, mas ele entregou a nossa localização pra Corte Negra. Ele traiu o Conselho. Muita gente morreu na época, é por isso que quase ninguém fala disso.
- O que aconteceu?
- Eu não sei direito. Parece que ele se tornou o líder de uma parte da Corte. Ele foi procurado por muito tempo na época, mas ninguém o encontrou. O Conselho não fala sobre isso, escondem o erro que cometeram, mas as conseqüências ainda continuam.
- Você acha que é ele que anda causando os ataques recentes?
- Eu ouvi falar sobre os ataques. Não sei se pode ser ele, mas eu acho que sim. Ele deixou muitas coisas pendentes aqui.
- Quem é ele?
- Não sei aparência, só seu nome. Parece que ele tem vários nomes, mas aqui ele ficou conhecido como Gabriel.
- Gabriel... – eu repeti as palavras sem pressa.
- Você não sabia sobre isso? – neguei com a cabeça - Eu pensei que como sua irmã já tinha treinado com ele ou mesmo o Lucius e a Sura tinham te contado, mas parece que não.
- Não, eles não me contaram sobre isso.
E sobre mais nada. Eu pensei, mas não disse.
******
- Moira, eu preciso ir. Você sabe – eu repeti pela terceira vez.
- Claro! Você tem aula com a Sophia, e pela décima terceira vez nessa semana você vai matar a aula da Luisa e da Helena.
- Eu sei que não tenho passado tanto tempo com vocês, mas eu preciso ir. São ordens da Sura.
- Certo! Você precisa desenvolver seu dom como blind e não sei o que, blábláblá – Moira gesticulou com a mão fazendo eu e Celina rirmos – Mas eu preciso te contar o que aconteceu ontem com o Irial!
- Eu sei que é importante, mas você pode me contar depois, não pode? – arqueei a sobrancelha vendo Moira bufar – A Celina já me entendeu, porque você não entende?
- A Celina é uma chata, não tem nada de mais pra contar. Já eu...
- A ta bom, Moira – Celina se manifestou – Tenho certeza que você vai contar as mesmas coisas de sempre. Nossa ele me colocou na parede e, Deus, como foi bom... – Celina a imitou.
Falei antes que Moira reclamasse de algo.
- A Celina tem razão Moira. Depois a gente conversa. Agora eu preciso ir... – peguei minha mochila que já tinha minhas roupas e coloquei sobre o ombro – Ate mais meninas.
Andei apressadamente ate a entrada, onde provavelmente Victor me esperava em sua moto. Depois de todo esse tempo eu não acreditava que já tinha se passado dois meses. Várias coisas tinham acontecido depois do meu sonho e da conversa com o Sam. Eu decidi focar no meu treino, sem pensar em nada alem disso. Sem Lucius ou Victor na minha vida. Às vezes eu e Victor nos beijávamos, mas eu não deixei mais nada acontecer. Eu tinha muita coisa na cabeça para ficar pensando com quem eu deveria ficar ou não. Então eu foquei nas lutas, desenvolvi golpes, estendi meu dom. E, cara, eu era boa. Boa pra caralho. Eu não chegava a ser melhor que Victor, mas estava chegando lá. Eu podia dizer com certeza que eu era melhor que quase todo mundo do Instituto. O que me estimulava a treinar mais e mais. Agora era hora em que eu enganava mais uma vez as meninas dizendo que tinha aula particular com a Sophia e ia treinar na floresta. Não era na cachoeira e sim mais perto do Instituto onde ninguém poderia nos ver. Saí pela porta lateral, sabendo que não haveria ninguém por ali, já que Sura havia fechado aquele local só para que eu pudesse passar na hora que eu quisesse sem ser percebida. Mas ao invés de encontrar a moto tão usual de Victor e ele em cima, eu encontrei um carro. E não era um carro qualquer, era uma BMW 6 coupé. Os vidros pretos não me deixaram ver quem era por dentro. Eu olhei o carro novamente e hesitei. Na hora eu pensei que só poderia ser Victor, mostrando seus gostos por carros. Dei a volta, sabendo que já estava muito atrasada, e abri a porta, me sentando no banco de couro.
- Desculpa a demora, Victor, eu ta... – deixei as palavras morrerem quando me virei e vi quem estava ao meu lado.
- Nenhum problema... – Lucius sorriu cínico, atravessado – eu também não esperava te ver tão cedo.
- Claire?
Eu olhei para cima e encontrei Lucius me olhando. Minha respiração cessou por um tempo. Ele estava sem camisa, cada pedaço de pele do seu peitoral amostra, com a calça meio baixa mostrando o elástico preto da sua boxer. Eu me detive nesse pequeno detalhe por mais tempo do que o necessário. Flashes de pequenas coisas que aconteceram vieram a minha mente. Na cozinha – Minha respiração parou enquanto suas mãos deslizavam da minha cintura até a base do meu seio, ainda sob a toalha, e minhas pernas tremeram quando ele beijou novamente o vão do meu pescoço onde meu sangue pulsava. Na sala – Colocou sua testa sobre a minha, fechou os olhos e me beijou. Um beijo curto, dura, seco, cheio de sentimentos e seco pelo que ele tinha ouvido. No jardim – Sua boca foi gentil no começo, lento e doce. Depois se tornou mais intenso, duro. Despejando todo ódio, raiva, desejo que ele sentia por mim. Eu correspondi com a mesma intensidade. Na piscina – Desci beijos sobre seu colo e continuei a descer. Beijei demoradamente seu tórax. Desci mais e deslizei minha língua sobre seu corpo quente, o fazendo tremer.
- Claire? – Lucius chamou minha atenção.
- Na?
- Você sabe onde ta minha toalha?
Eu olhei sem entender. Ele tinha vindo aqui pra perguntar onde estava a toalha?
- Não, Lucius. Não sei – eu disse me levantando.
Tentei sair, mas seu corpo me impedia.
- Talvez eu tenha esquecido no dormitório da Luiza – ele disse um pouco pensativo, mais para ele do que para mim.
Ele ainda estava na minha frente, impedindo que eu passasse. Eu cruzei os braços e esperei que ele percebesse minha intenção.
- Eu não queria ir lá agora, então... não teria como você me emprestar umas das suas?
- Claro. Porque não? – disse irônica.
Eu dei um passo à frente, esperando que ele se afastasse, mas ao invés disse ele apenas virou seu corpo um pouco, me dando pouco espaço para que eu passasse, já que a mesinha de centro me impedia de passar mais longe de seu corpo. Eu cogitei a idéia de passar pelo outro lado, mas já que era isso que ele queria. Passei de lado, com a costa voltada para ele, e imperceptível, fiz com que roçasse meu corpo ao dele, por poucos segundos. Não significaria nada se fosse com qualquer um, mas com ele não era bem assim. Ele não disse nada quando fui ate meu quarto, apenas me seguiu ate a porta, para que eu pegasse a toalha. Abri a porta esquerda e encontrei a toalha maior azul lá. Peguei e voltei para a porta, o encontrando com os braços cruzados e com os olhos avaliativos de sempre. Ele olhou rapidamente minhas pernas, cobertas com o pequeno short do meu pijama e voltou a olhar minhas mãos, aonde se encontrava a toalha. Ele a pegou.
- Obrigado.
Focou seus olhos no meu, com um sorriso atravessado e saiu indo ao banheiro. Eu tive que parar um pouco, respirar melhor, dissolver o que tinha acabado de acontecer. O mau pressentimento me rodeou. Ele estava diferente, mudado. E deveria ter acontecido alguma coisa para que isso acontecesse. Eu relembrei de cada detalhe que tinha acabado de ocorrer. Não pareceu acontecer por acaso, só por que ele tinha esquecido uma toalha. Eu conhecia Lucius, se ele não quisesse falar comigo, ele arranjaria um jeito de conseguir a toalha. Então isso devia ser algo que ele queria fazer, mas o que isso deveria significar? Eu tinha lido aquele sorriso que ele me deu, havia cinismo, maldade, algo que eu não sabia definir. Parecia que ele queria me provocar, como se soubesse de alguma coisa. Mas ele não podia saber. Se ele soubesse, ele já teria me dito isso. Lucius era protetor demais para que o seu orgulho o impedisse de me dizer algo. Mas se ele não sabia, provavelmente ele estava desconfiando. Talvez Luisa tenha dito algo, mas eu duvidava muito. Ele deve ter tirado algumas conclusões depois do treino de hoje. Me amaldiçoei por isso. Eu não deveria ter enfrentado Paulo, não mesmo. Se Lucius descobrisse, ele nunca deixaria que eu continuasse com os treinos noturnos com o Victor e eu definitivamente não queria isso. Fiquei deitada na minha cama, absorta pelos meus pensamentos, ate que alguém bateu na porta. E só poderia ser uma pessoa.
- O que foi? – gritei em resposta.
- Tem visita pra você. – Lucius disse baixo, mas audível.
Eu sentei na cama e ouvi um barulho próximo da porta ao lado ser fechada, indicando que Lucius tinha entrado em seu quarto. Quem seria nessa hora? Deveria ser a Celina ou a Moira, ou as duas. Levantei-me e fui ate a sala sem me preocupar de estar com pijama. Não era quem eu esperava ver. Victor estava em pé, de costa para mim, me esperando.
- Victor? O que você ta fazendo aqui?
- É assim que você trata o amor da sua vida? – ele se virou e mostrou um sorriso cínico, mas dessa vez eu notei que estava diferente.
- Desculpa, só to um pouco estressada.
- Isso deve ser porque sentiu minha falta – ele arqueou a sobrancelha, como se me perguntasse, mas sua voz foi determinada como uma afirmação.
Eu abafei um riso descrente. Victor, ao contrario de Lucius, nunca mudaria.
- É,senti saudades.
Vendo o sorriso em meu rosto, ele avançou em minha direção e parou a centímetros de mim.
- Agora você deveria me beijar pra matar suas saudades, você não acha?
Ele levantou sua mão e acariciou meu rosto com as pontas dos dedos, de forma lenta e compassada. Eu neguei com a cabeça, não querendo dizer nada. Eu estava confusa e cansada demais para isso e principalmente o que mais me incomodava era o fato de Lucius estar a poucos metros de distancia. Victor inclinou um pouco sua cabeça, como se lesse meus pensamentos, em advertência. O sorriso em seu rosto se desmanchou por alguns segundos dando o lugar para um olhar serio. Eu entendi a indireta. Levantei nas pontas do pé e depositei minha mão em seu ombro. Tomei sua boca com a minha por pouco tempo, em um beijo curto e sem demora. Victor apertou meus ombros em desaprovação, mas deixou que eu me afastasse. Continuei a olhá-lo, com a pouca distancia que nos separavam, e notei algo em seus olhos que não tinha notado antes, mas antes que eu detectasse algo ele se afastou.
- Eu preciso falar com você – eu disse depois de algum tempo de silêncio.
Ele concordou e completou – Mas não aqui.
- Não aqui – eu fui ate a porta e a abri – É melhor irmos pra outro lugar.
Eu e ele saímos sem dizer nada, indo para o jardim externo. Abracei-me, passando as mãos em meu braço, desvanecendo o frio. Victor me olhou melhor e deve ter notado que eu estava só de pijama.
- É melhor irmos ao meu quarto.
- Eu acho melhor não.
- Você esta só de pijama, no meio do jardim externo, ás nove da noite. E não é só isso, alguém pode nos ouvir aqui, Claire. No meu quarto é mais seguro.
- Certo.
Quando passei ao seu lado, ele envolveu seu braço em meu ombro, me guiando no caminho. Eu estranhei o gesto, mas deixei que ele me levasse. O seu dormitório não era tão longe, então chegamos lá rapidamente. O quarto estava praticamente do mesmo jeito que eu o tinha visto pela primeira vez, tirando o fato que tinha algumas roupas espelhadas pela sala. Sentei-me na mesa perto da bancada da cozinha e esperei que Victor fizesse o mesmo, mas ele apenas me olhou, com as mãos no bolso e o rosto intransigente.
- O que aconteceu?
- Lucius voltou ao dormitório hoje à tarde.
- Eu notei isso. O que eu quero dizer é o porquê dessa agitação. Quando ele me viu na porta, não disse nada, apenas te chamou. O que é estranho já que ele não costuma agir assim. Algo deve ter acontecido, mudado. Então... - Victor continuou sério – o que aconteceu?
- Eu acho que ele deve ter notado algo no treino.
- No treino?
- É. Eu tava treinando com um aluno do quinto nível, já que você não foi, o Paulo Vitor. Eu não sei o que aconteceu direito. Durante a luta aconteceu exatamente o que você tinha me dito nos treinos, eu consegui prever os golpes dele e o derrubei.
- Você derrubou o Paulo Vitor? – no fundo da sua voz eu pude notar um pouco de descrença.
- Derrubei. Mas não é só isso. Eu tava perdendo, perdendo mesmo, então, do nada, eu consegui desviar do golpe e o acertei. Isso chamou a atenção de muita gente, principalmente da Luisa.
- O que a Luisa fez com você? – eu notei sua postura ficar mais dura, preocupada.
- Nada que ela não tenha feito antes. Ela foi ao dormitório, antes do Lucius chegar, pra perguntar o que eu e você estamos fazendo realmente depois da meia-noite.
- O que você disse pra ela?
- Que eu tava fazendo o mesmo que ela.
- E é claro ela não acreditou.
- Não, não acreditou. Eu acho que talvez ela tenha dito algo pro Lucius.
- Não, ela não ia permitir perder a chance de te afastar do Lucius. Ele deve ter tirado algumas conclusões sozinhas. Ele disse algo que te indicasse isso?
- Dizer, diretamente, não. Mas ele veio com um papo de que tinha esquecido a toalha no quarto da Luisa e que precisava da minha emprestada.
- Só isso? Nada que te provocasse?
- Acho que sim. Ele ficou me olhando daquele jeito intenso, me provocando, andando sem camisa perto de mim. Isso é estranho, sabe. Se ele quisesse me evitar, ele nunca faria isso.
- Como você reagiu?
- Isso é importante?
- Eu não perguntaria se não fosse.
- Como sempre. Nervosa, sem jeito, um pouco com raiva...eu acho que também o provoquei um pouco, mas nada sério.
Victor balançou a cabeça, negando, me julgando com um sorriso idiota, como se lidasse como uma criança.
- O que? O que eu fiz? – perguntei com um pouco de raiva.
- Ele tava testando você.
- Me testando? - eu olhei incrédula – O que isso deveria significar?
- Ele tem a mesma sensibilidade que a minha, pode perceber o que você sente, como você sente, se suas mãos suam, se o batimento cardíaco aumenta, se suas pupilas dilatam ou se você sente algum desejo. Ele deve ter notado o que você sentia quando o olhei sem camisa.
Eu fiquei sem fala depois disso. Me testando? Como uma droga de rato de laboratório?
- Eu não acredito nisso! – eu disse mais alterada.
- Isso pode não significar nada agora. Sentir algo por ele não é problema, afinal você já o amou antes de me amar, certo? – ele disso com desgosto crescente e cinicamente – Mas isso não pode acontecer mais. Se um dia ele acreditou nessa sua mentirinha, não vai demorar muito pra descobrir a verdade se você sempre reagir da mesma maneira.
- Eu não acredito que ele me usou como teste.
- Esse não é o ponto, Claire! O ponto é como você vai agir daqui pra frente. Você tem que se afastar dele, não ficar muito próxima. Mesmo que ele esteja desconfiado, ele é muito orgulhoso pra admitir que cometeu um erro acreditando em você. Ele vai esperar que você cometa o erro, ele vai te forçar a isso. Então você não pode continuar assim se você quer continuar com o treino.
- É tão fácil dizer – eu disse baixo, mas sabia que ele tinha ouvido.
- Eu sei. Mas você não pode continuar a jogar esse joguinho mais, Claire. Você precisa se afastar.
- Eu já to fazendo isso. Não é o Lucius que me preocupa mais, é a Luisa. Ela vai fazer de tudo pra descobrir.
- Eu sei disso. Ela veio falar comigo sexta-feira.
- Ela também falou com você?
- Ela não acreditou na nossa farsa desde antes, principalmente depois da nossa discussão. Mas eu já resolvi isso.
- Já resolveu isso? – eu o olhei indagando – Por acaso você não ameaçou ela, Victor, ameaçou?
Ele riu do que eu disse.
- Não, não ameacei, Claire. Você me julga tão mal?
Não respondi, cansada do jeito arrogante que ele quase sempre falava comigo.
- Então o que você fez Victor?
- Eu conversei com a Sura...
- Conversou com a Sura!? – não me contive e levantei da cadeira – Você não contou pra ela, contou?
- Sim, contei.
- Eu não acredito – eu disse passando a mão no me cabelo – Você é louco? É lógico que ela vai contar pro Lucius!
- Não. Ela me prometeu que não vai contar.
- Você não conhece como eu a conheço, ela não vai mentir pro Lucius, nem mesmo pro Conselho.
- Eu sei que ela vai cumprir com o que me disse, Claire. Confie em mim.
- Isso não vai dar certo.
- Já deu certo.
Ele andou ate mim, sentou na cadeira mais próxima e me encarou. Eu cruzei os braços.
- E porque você acha isso?
- Ela concorda comigo. Também acha que você tem que saber se defender. Não é como você fosse uma criança, Claire, você já tem dezenove anos.
- Eu sei, mas às vezes eu acho que nem todo mundo vê isso.
- Isso não aconteceu ontem à noite. Você se impôs...
- Eu vivi isolada por muito tempo no orfanato, Victor, eu não gosto de agir assim, eu só queria que fosse mais fácil.
- Mas não é – ele se levantou e só deu dois passos para chegar ate a mim – Você não pode ser fraca, você não é – todo que ele dizia refletia em seus olhos azuis com sinceridade – Você só precisa acreditar em si mesma.
- É isso que eu venho tentando fazer.
Eu tentei sorrir, mas eu senti o riso demolir no meu rosto. Mesmo assim Victor sorriu de volta, cúmplice. Descruzei meus braços.
- Você disse a ela, mas isso não muda o fato de que o Lucius e a Luisa podem descobrir.
Eu voltei ao assunto, pressentindo que não podia continuar desse jeito com Victor. Ele pareceu perceber e se afastou, de maneira disfarçada.
- Sura me disse que vai nos acobertar ate o seu treinamento terminar.
- Mas, como?
- Ela vai deixar que nós saiamos durante a noite com a sua permissão como se fossemos a encontros e te dispensar de algumas aulas pra proceder com o treinamento.
- Encontros? Eu não sei se eles vão acreditar nisso.
- É melhor que nada. Alem do mais, Sura estará nos apoiando, será a palavra dela que estará em jogo, eles não vão poder ir contra isso, não diretamente.
- Certo. Se essa é a melhor solução, eu não posso falar nada.
- Falando nisso, eu ainda não te convidei...
- Não me convidou?
- Aceita sair comigo amanha a tarde?
Eu soltei um riso desprevenido, e um pouco alegre.
- Me convidando pra sair, Victor Lefroy?
Ele apenas assentiu, se curvando diante a mim, brincando com o fato de ser apenas mais um treino.
- Sendo assim eu aceito.
- Eu sabia que você não resistiria – ele me ofereceu aquele sorriso arrogante mais uma vez, mas eu pude ver uma sinceridade que eu não esperava.
- A que horas?
- Às duas.
- Então ate amanha.
Eu fui andando para porta, não esperando que tivéssemos algo a mais a dizer, mas Victor me interceptou. Com o corpo cruzado com o meu, próximo ao tato, de sentir sua respiração pairar sobre mim. Eu encarei aquele rosto, os cabelos circundando suas feições, seus olhos ferozes.
- Apenas isso? – ele colocou a mão sobre meu pescoço como um aviso.
- Não Victor – eu disse mais séria e apreensiva.
- Você já fez isso antes – ele disse calmo, mas eu senti a pressão por detrás das palavras.
- Você sabe o porquê. E eu não me sinto tão confortável agora.
Ele continuou a me segurar pela nuca, com os olhos em mim, talvez esperando que eu mudasse de opinião. No final eu desviei meus olhos do dele e o senti regredir. Deu me espaço para que eu passasse e assim eu o fiz. Quando comecei a sair pela porta, ele chamou meu nome.
- Claire?
- Que?
- Leve seu biquíni amanha – eu o olhei sem entender – Afinal ainda temos que fingir que vamos a um encontro, certo?
Eu assenti rindo e fechei a porta com a sensação de que várias coisas haviam mudado hoje.
******
- Pontual como sempre! - eu não consegui conter o riso.
O abracei rapidamente e o senti rir também entre meus cabelos. Ele pareceu um pouco surpreso com o abraço, mas apenas me abraçou de volta.
- Eu não costumo acordar tão cedo – ele respondeu com a voz embargada.
- Duas e meia é cedo? – eu ri o vendo arquear a sobrancelha como se a resposta fosse obvia.
- Espera que eu ainda tenho que pegar minha bolsa no quarto – eu comecei a entrar no dormitório ate lembrar – Não quer entrar?
Ele formou um sorriso pretensioso e negou a cabeça percebendo minha tática.
- Tentador, mas não.
- Então espera um pouco.
Eu saí em direção ao meu quarto sentindo o vestido branco brincar entre minhas pernas. Eu tinha vestido o meu biquíni azul marinho que Jeremi tanto gostava e por cima tinha colocado um vestido branco justo no torço e um pouco folgado na parte inferior, um pouco acima do meu joelho. Senti o olhar de Lucius demorar em mim por segundos, mas naturalmente ele voltou a mexer no seu leite na bancada da cozinha. Eu sorri vendo a situação em que eu estava. Muito propícia por acaso. Não haveria nada melhor que afastar Lucius do que mostrando que estava com Victor, mesmo que isso o machucasse, eu não me importava. Ele tinha feito o mesmo com a Luisa, agora era a minha vez. Abri a porta do meu quarto encontrando a minha bolsa aonde eu tinha a deixado. Olhei novamente o que eu levava. Uma toalha, minha roupa de treino, um creme e um conjunto de lingerie. Era tudo o que eu precisava. Abri a porta do meu quarto e percebi que Lucius não estava perto da bancada e sim sentado no sofá, tomando seu leite e assistindo televisão. Assim que eu adentrei a sala, senti seus olhos me seguindo, me perfurando, me julgando. Eu não desviei, indo a porta onde Victor me esperava. Palavras não ditas, sentimentos escondidos, ações não feitas, tudo transmitido em apenas nesse olhar. Eu me perdurei nesse momento ate ficar frente a frente com Victor. Ele já não tinha mais o sorriso, apenas um esboço de um, com o olhar perdido no que acabara de acontecer. Eu puxei sua atenção para mim, entrelacei minha mão com a dele e ofereci um sorriso tímido, como se pedisse desculpa pelo que eu tinha acabado de fazer.
- Vamos? - eu abri meus lábios em um sorriso grande – Eu to ansiosa pra ver aonde você vai me levar!
Ele apertou mais minha mão e me puxou para ele, segurando minha cintura com seus braços cruzados em minhas costas. Selou sua boca a minha por poucos segundos e se afastou, ainda com as mãos em mim e próximo a minha boca.
- Vamos.
Afastou-se e segurou minha mão me levando para fora do quarto e para fora da vista de Lucius.
- Fingiu bem – ele comentou, suspenso, como um comentário qualquer.
Atravessamos o salão principal e chegamos a entrando, dando de cara com a moto vermelha de Victor. Ele pegou o seu capacete preto, que estava presa a moto, e entregou o meu. Senti seu o olhar no meu antes de sentar na sua moto e esperasse que eu também sentasse. Eu sabia o que ele esperava, ele esperava uma resposta. Vendo que ele ainda não tinha colocado o capacete, aproveitei e me sentei atrás dele. Segurei seu braço que estava com o capacete e o vi virar seu rosto parcialmente.
- E quem disse que eu estava fingindo? – sussurrei em seu ouvido.
Coloquei meu capacete sem esperar por uma resposta. Ele esboçou um sorriso sincero, grande e colocou seu capacete também. O abracei, envolvendo seu torço com meus braços, ouvindo apenas o ronco do motor enquanto nós avançávamos novamente para cidade. A mata cerrada e os poucos carros que passavam pela estrada me distraíram ate chegar lá. Fomos para o mesmo lugar que íamos durante essa semana, mas desta vez não foi pela floresta e sim pela trilha. Eu percebi que ninguém passou por nós, mesmo não sendo o período de temporada, eu tinha quase certeza que mesmo assim haveria turistas ou mesmo os moradores. Eu entrei na área aberta da cachoeira e avistei a paisagem novamente. Mas estava diferente. Com o sol a vista, iluminando cada parte. Eu me vi sorrir voluntariamente. A água corria sobre as pedras intercaladas, o sol refletia a água cristalina, as árvores se balançavam um pouco devido a brisa fresca e a areia quente sob meus pés. Era tudo tão...
- Perfeito. Tudo parece tão perfeito – concretizei meus pensamentos – Toda vez que eu venho aqui eu me surpreendo.
- Eu sei, há belezas que não podem ser descritas.
Quando eu olhei para ele percebi que ele não olhava a cachoeira e sim a mim. Eu ri, meio tímida, mas não deixei de comentar.
- Eu já te vi ser cafajeste, imbecil, arrogante e ate meio carente, mas brega é a primeira vez.
Eu ri ainda mais vendo a cara que Victor fazia, um pouco ofendido e um pouco risonho.
- É isso que as garotas gostam, certo? – eu pude notar um pouco de sarcasmo na sua voz.
- Não, pelo menos não eu – eu coloquei a mão sobre meus olhos tentando cessar a luz do sol – Mas é ate bonitinho vindo de você!
Victor se lançou rápido ate mim, sem aviso algum, e me segurou entre seus braços, prevendo que eu me assustaria e tentaria me afastar.
- Não você – ele repetiu minhas palavras e eu tentei conter meu riso novamente – Você parece diferente... Por quê?
- Eu pensei muito depois que eu voltei para o dormitório – eu continuei em seus braços sem me importar – e cheguei à conclusão que não podia continuar assim, cheia de raiva. Eu só acho que tenho que aproveitar mais o que eu me propus a fazer, sabe?
- Eu acho que vou gostar disso...
Ele disse calmamente, saboreando cada palavra, saboreando também a vista privilegiada. Seus olhos foram do meu rosto para o nosso corpo colado, onde os meus seios ganharam uma maior proporção sob o vestido branco e devido à pressão de seu corpo. Eu revirei os olhos.
- Você realmente sabe estragar o momento – eu tentei me afastar dele, mas ele ainda forçava seu braço em minhas costas – Me solta! – eu tentei falar a sério, mas ri um pouco ao final.
- Me dê um motivo pra eu fazer isso – ele sorriu de lado, com os cabelos em seu rosto e seus olhos azuis marcantes.
- Eu vou tirar meu vestido se você me deixar ir – entrei na brincadeira.
- Se esse é o motivo, eu mesmo poderia fazer isso por você – ele passou os dedos por minhas costas, em um movimento de vai-e-vem, lentamente, me fazendo arrepiar inteiramente. Baixou-se próximo ao meu ouvido e sussurrou – Me dê um verdadeiro motivo...
Eu tremi com o som da sua voz, rouca, viva, fugaz. Acariciou a curva do meu pescoço com seus lábios frios. Não me contive e apertei seus braços enquanto fechava os olhos.
- Porque eu quero – eu disse com a voz tremula, nem um pouco convincente.
- Você realmente quer? – ele subiu os beijos sobre meu queixo, beijou minha orelha e sussurrou novamente – Um motivo...
Engoli em seco tentando encontrar as palavras, mas nada vinha a minha mente. Victor voltou a beijar meu pescoço, descendo um pouco ao colo, enquanto suas mãos me apertavam mais, bem mais. Eu abafei um som, tentando não parecer tão vulnerável como eu estava. Ele deslizou sua mão sobre minhas costas ate chegar a meus cabelos e entrelaçá-los. Ele começou a beijar minha bochecha, perto da minha boca e balbuciar:
- Só um...
“Porque você me ama” a voz de Lucius apareceu vagamente na minha cabeça, como um sussurro, quase inaudível para minha razão, mas bem presente para mim. Eu virei meu rosto subitamente e afastei meu rosto. Victor me encarou, com os olhos em chama, ainda com a pergunta impregnando suas feições.
- Não Victor. Não agora – eu disse séria desta vez, sem nenhuma dúvida estampada em minha voz.
Vi seu maxilar travar, parecendo um pouco mais impaciente do que a última vez que eu tinha dito não, mas ele me liberou. Deu dois passos para trás me encarando, me avaliando, tentando entender. Eu me virei de costas e andei ate a beira da água, não querendo ver mais seus olhos.
- Eu posso entrar antes de treinarmos, certo? – me referi a cachoeira.
Não esperei que ele respondesse, apenas tirei meu vestido branco e o joguei um pouco longe, aonde a água não chegaria. Deixei a água fria lavar meus pés, senti a leve brisa passar pelos meus cabelos e deixei descarregar tudo o que acabara de sentir com Victor. Eu pude sentir Victor se movimentar atrás de mim, mas não sabia o que ele estava fazendo. Os próximos passos na areia foram deles, chegando perto de mim, por trás. Ele encostou sua mão na minha cintura de leve, mal me tocando.
- Você sabe que eu ainda o amo.
- Eu sei... – ele deixou as palavras escorrerem junto ao vento – Mas isso não significa que você deva se manter a isso.
- Não? - Victor poderia me julgar, mas não era tão diferente de mim – Como era ela? Como você a deixou ir, Victor? – deixei as palavras saírem sem pensar muito.
O silêncio que sucedeu me mostrou que eu estava certa. Victor ainda se afetava com isso. Eu sabia que ele não responderia, então eu entrei na água. Água fria, gelada, calma, tranqüila, a única coisa que parecia realmente me acalmar. Eu me virei para olhar Victor, ver se ele ainda continuava ali enquanto eu flutuava. Ele já estava sem sua camisa azul clara e sua calça jeans, apenas com uma sunga preta larga com rajadas cinza, estilo um short. Eu podia ver sua pele branca, bem branca, suas pernas bem torneadas sob sua altura grande e afilada, seu peitoral definido destacando com seu cabelo loiro que chegava ate seus ombros. Eu não poderia fazer nada para evitar o que eu senti. Ele era lindo. Victor não desviou a atenção em nenhum momento, continuou a me olhar, enquanto entrava na água para tomar lugar perto de mim, tornando as coisas mais difíceis. Meus pés encostavam-se ao solo, mesmo que com as pontas, já Victor, por ser maior, se mantinha em pé, com a água encostando um pouco abaixo a seus ombros. Ele sustentou meus braços, me ajudando a continuar a seu lado. Senti quando sua barriga encostou-se à minha, mas não disse nada.
- Você me lembra um pouco ela – ele disse, me pegando de surpresa.
- Lembro? – um pouco decepcionada com a comparação que ele fez.
- Quando você brigou com a Luisa, anteontem, eu pude vê-la em você. Ela não é tão agressiva assim – eu vi um sorriso soldar sua boca enquanto ele lembrava – Mas ela não deixava que ninguém a rebaixasse. Ela tinha sua forma de fazer isso. Ela sabia ser doce e ao mesmo tempo amarga quando precisava, nada parecia atingir ela. Nada. Então eu a conhecia. – eu vi a inquietação aflorar em Victor enquanto ele despejava as lembranças – Ela era diferente comigo, não no começo, é claro, mas depois, quando ela me deixou entrar na vida dela – ele voltou os olhos para mim – Mas isso não importa, ela enterrou isso tudo quando se foi. Isso tudo morreu para mim.
- Ela era parecida comigo? – eu perguntei, um pouco incomoda com a comparação.
- Depois de tudo que eu digo, você só quer saber se é parecida com ela? – eu sabia que era egoísta, mas eu assenti – Não, não é. Só o jeito, se é que eu posso comparar vocês.
- Como você superou? Como você a deixou ir?
- Não teve muita coisa que pude fazer na época, Claire. Eu simplesmente a deixei ir. Doeu, mas não a nada a se fazer quando alguém é tirado da sua vida, principalmente quando você é imortal.
Ele acariciou meu rosto com as costas da sua mão e começou a se baixar.
- Deixe o ir, Claire...
Eu assenti sentindo sua respiração bater com a minha. Ele encontrou minha boca com a dele em poucos segundos, minha boca foi desenhada com a sua língua enquanto suas mãos moldavam minhas costas e me abraçavam, subi minha mão ate sua nuca e o beijei mais intensamente. Sua língua calma, fluente se contradizia com suas mãos rápidas e impacientes. Sentimentos começaram a se fundir em mim, sentimentos novos. Tudo era tão novo. Suas mãos frias se tornaram quentes ao toque enquanto a água gelada nos embalava. Cruzei minhas mãos em sua nuca, sentindo como cada proporção do meu corpo reagir com a aproximação. Incentivei que Victor continuasse a me beijar, tão profundo, tão quente, tão diferente. Ele colocou sua mão sobre minha bunda e me puxou, fazendo me senti-lo debaixo da sunga, pulsante. Eu arfei e afastei minhas mãos da sua nuca.
- Não, Victor. Eu não to pronta pra isso – cortei o beijo, arfando, e disse.
- Eu sei, mas é difícil com você agindo assim.
- Assim como? – eu abri os olhos e pude ver seus olhos vibrantes.
- Como se também quisesse isso tanto quanto eu.
Eu tirei seus braços da minha cintura e me afastei nadando.
- Então é melhor começarmos a treinar, certo?
Nadei um pouco ate chegar a um lugar onde meus pés alcançavam e andei ate a borda. Victor fez o mesmo minutos depois.
- Na próxima vez que você me deixar falando sozinho, eu não vou deixar você escapar...
Eu baixei e peguei meu vestido, depois fui aonde deixei minha bolsa. Olhei para Victor antes de guardar o vestido. Ele já tinha colocado a calça jeans novamente, sem que nada tivesse molhado, apenas as pontas do seu cabelo. Cheguei à conclusão que ele deveria ter tirado a sunga antes de colocar a calça, mas eu não tinha visto. Eu não sabia se ficava feliz ou triste por isso.
- Na próxima vez eu não vou deixar você escapar! – eu pisquei e voltei a olhar para bolsa enquanto Victor ria baixo.
Coloquei meu vestido dentro da bolsa e tirei minha roupa de treino junto com a minha lingerie.
- Agora onde eu posso trocar de roupa? - olhei em volta e não encontrei nenhum lugar propicio.
Victor soltou uma risada maior ainda quando olhei para uma parte afastada da mata.
- Você não espera que eu fique aqui esperando você trocar, melhor dizendo, tirar a roupa depois de tudo que aconteceu, espera? – ele cruzou os braços.
- Eu sei que você não faria nada, Victor – soei desafiadora.
- Talvez não fazer, mas olhar... – ele deixou as palavras se perderem enquanto eu bufava de raiva.
Estendi minha toalha na areia e me deitei sobre ela, esperando que o sol secasse minhas roupas. Diferente dele, eu não podia tirar meu biquíni e ficar sem nada por baixo. O tempo foi passando enquanto o sol me esquentava e secava meu biquíni. Victor não disse nada, apenas me observava. Eu olhei ao redor e notei o que me incomodava antes.
- Não tem ninguém aqui.
- Você só percebeu agora?
- Então era para eu perceber?
Ele não respondeu a minha pergunta
- Eu fechei as cachoeiras ontem.
- Fechou as cachoeiras?
- Eu não poderia treinar com você com pessoas nos olhando, podia?
- Como?
- Eu sou um vampiro, Claire, eu dei meu jeito. O que você pensou que eu estava fazendo ontem à tarde?
- Eu não sei. Eu não pensei sobre isso.
- É. Tem varias coisas que você não pensa a respeito – senti sua voz escorrer escárnio.
- Isso foi uma indireta, Victor Lefroy?
- O que você acha?
- Indiretas e cinismo é com o Lucius, Victor – eu virei de costas dando a chance da parte de trás absorver o sol – Se você quer me dizer alguma coisa, me diz na cara.
- Eu não te vi se esforçando muito depois da nossa conversa na enfermaria.
- Me esforçando? Eu já ouvi isso do Lucius, mas não pretendo escutar isso de você...
Levantei-me e puxei a toalha do chão, a sacudi tirando a areia e comecei a passar no meu corpo tentando secar as partes que ainda estavam molhadas. Eu queria começar o treino logo.
- O que você fez a respeito ao que te disse sobre o ataque na igreja, en Claire? Eu acho que nada. – eu vi o sorriso idiota ganhar suas faces. E, sim, o Victor estava de volta.
- Eu já perguntei a minha irmã, Victor, e ela não me disse nada.
Joguei a toalha para o lado e comecei a vestir minha roupa.
- Só para sua irmã? Tem mais pessoas que sabem sobre isso, Claire.
- Nenhuma que queira me contar – disse vestindo minha blusa.
- Você tem certeza disso?
Virei-me para ele já cansada de todo esse discurso. As pessoas sempre pareciam esperar algo de mim, com Victor, principalmente com Victor, não seria diferente.
- Você não se importa de começar o treino, certo? – eu disse cinicamente – Pelo menos pra mim, foi isso que eu vim fazer aqui.
- Você quem sabe – ele deu de ombros, mas pude notar em sua postura que ele estava cansado, cansado de mim.
Comecei o treino pela milésima vez, sentindo a raiva latejar em mim. Mas hoje seria diferente do restante da semana e como seria.
- Onde eu estou? – uma voz, afobada pelas árvores, disse.
Eu visualizei a figura de Victor na minha mente, de olhos fechados. Ele usava a blusa azul novamente mais sua calça jeans azul clara, um pouco surrada, desta vez tinha prendido seu cabelo em um coque e usava um tênis preto, simples, mas eficaz. Eu o via nitidamente, mas não sabia localizá-lo e nem prever seus movimentos.
- Onde eu estou? – sua voz suou mais forte, mas eu pude pressentir que estava mais longe.
Não respondi, ainda centrada, tentando encontrá-lo, identificar onde estava. Pude ver suas feições centradas, a testa um pouco franzida, a boca tensa, os ombros contraídos. Pela postura que ele portava eu poderia dizer que ele estava planejando algo.
- Onde eu estou? – sua voz saiu mais baixa, compenetrada.
No próximo momento eu pude ver seu corpo movimentar pela mata fechada, os galhos se quebrando, roçando em sua pele, as folhas se partindo, as pedras colidirem com seus pés. Ele estava se movimentando rápido, rápido, muito rápido, em minha direção. Pude pressentir seu corpo se aproximar ao meu nitidamente. Na minha frente.
- ONDE EU ESTOU?
Eu desviei, para o lado, do primeiro golpe e seguidamente, sem nem ao menos pensar direito, levei a minha mão a frente com rapidez e alcancei a primeira coisa que encontrei, o braço de Victor. Abri os olhos e vi Victor com olhar intacto, parado sobre seu braço, como estivesse surpreso. Apertei mais, tirando atenção dele do braço para mim. Sorri vitoriosa, abertamente, mostrando cada dente meu, feliz por conseguir e pretensiosa por mostrar a Victor que não foi em vão tanto treinamento, mesmo que só em uma semana. Ele riu de volta, da mesma forma, feliz por mim.
- De novo – ele disse baixo.
Tirou seu braço do meu aperto e correu novamente para floresta, se perdendo nela e da minha vista, para que o que acabou de acontecer se repetisse de novo, de novo e de novo.
- Pense a respeito ao que eu te disse hoje a tarde, Claire...
- Ta Victor, eu vou pensar.
Ergui-me sobre os pés e beijei rapidamente sua boca, não dando espaço para que prosseguisse. Eu estava cansada, depois de todo o treino que passamos hoje a tarde a única coisa que eu queria fazer era deitar na minha cama e dormir. Chegamos ao Instituto por volta da nove horas da noite, eu pude ver alguns alunos ainda circulando pelo refeitório ou mesmo no jardim, mas ninguém que eu conhecesse. Agora eu queria deitar e Victor, mesmo não estando tão cansado quanto eu, pareceu entender, mas ele ainda insistia na idéia de que eu deveria lembrar o meu passado. Eu não discordava dele, mas, nesse momento, eu não queria pensar nisso.
- Ate amanha?
- Eu te vejo amanha.
Passou a mão pela minha nuca e beijou minha testa. Saí em direção a meu dormitório e ele ao dele. Atravessei o jardim, cheguei às piscinas e fui para o dormitório. Quando abri a porta não encontrei ninguém, apenas silêncio. Agradeci mentalmente por Lucius não estar ali. Não queria vê-lo. Fui ao meu quarto depositei minha bolsa em qualquer lugar e fui ao banheiro tomar meu banho. Depois de tudo voltei ao meu quarto, me sequei, vesti minha camisola e deitei na cama sob os lençóis, esperando o sono. Ele não demorou tanto a chegar.
O quarto continuava o mesmo. O guarda-roupa, a escrivaninha branca, a minha cama, tudo. Mas no fundo eu sabia que tinha algo diferente. Estava mais escuro, eu mal podia enxergar à porta do meu quarto, apenas a sombra do que ela costumava ser. Deitei-me novamente achando que era apenas um mau pressentimento da minha parte. “Não há nada de errado, nada. É só sua imaginação” – eu disse a mim mesma deitando novamente na cama. Foi quando percebi que meu lençol não estava mais sobre mim, eu estava apenas de camisola, sentindo frio, muito frio. Peguei a barra do lençol e comecei a descê-lo, ainda sob minhas costas, mas uma mão me impediu. Eu encarei a mão em meu pulso e senti o medo avançar sobre mim, me congelar, arrepiar minha nuca. Eu tentei me soltar, mas não adiantava, então senti uma mão subir minha perna, do meu tornozelo ate minha coxa, lentamente, mantendo contato, com sua mão espalmada, intimamente, com o polegar na parte interna da minha coxa. Minha respiração acelerou a encarar o dono desse movimento tão agonizante. Então o que parecia ruim, assustador se tornou bom, prazeroso. Olhei aqueles profundos azuis anil, sentindo a respiração me faltar. Ele mexeu a mão em minha coxa, se movendo mais para cima, na lateral da minha calcinha e agarrou meu quadril. Ele deslizou sobre mim, colocou sua mão a meu lado, com o braço sustentando, tentando não encostar nossos corpos. Seus olhos me diziam tudo e ao mesmo tempo nada. Enigmático, como sempre fora, sem a menor pista do que ele faria depois. Senti seu peso sobre meu corpo, quente, grande, presente. Abri mais minhas pernas para que ele se acomodasse melhor, sentindo sua respiração em meu rosto, meu pulso acelerado, o seu quadril encaixando ao meu. Com o antebraço encostado a cama, ele acariciou meus cabelos e rosto com as pontas do dedo. Um movimento que poderia ser tão doce, mas com ele não. Eu podia sentir em cada centímetro de pele a sua possessividade, seu egoísmo, sua marca. Ele pressionou mais seu quadril ao meu, me fazendo arfar baixo. Um sorriso zombador apareceu em seu rosto. Enrolei mais minha perna a dele, querendo mais. Passei minhas mãos dos seus braços a sua nuca e ele me obedeceu. Encostou sues lábios aos meus e o sugou, ferozmente, sem que nossas línguas se encostassem inteiramente. Protestei e envolvi meu braço a sua nuca, mas ele me deteve. Passou sua mão do meu quadril e do meu rosto, ate meus braços, sustentando minhas mãos em cima, atadas a cama. Olhei para seus olhos, sem entender. Eu queria tanto aquilo, mais tanto. Deslizou seu rosto no meu, podia sentir a barba rala roçar em minha bochecha, ate chegar ao meu ouvido. A respiração quente resplandeceu quando abriu sua boca tão perto de mim.
- Você pertence a mim. Só a mim – beijou o ponto a baixou do lóbulo da minha orelha, como uma caricia – Não esqueça disso...
Então não estava mais ali. Não havia nada sobre mim. Só a lembrança do que havia acontecido continuou ali. Se isso realmente tiver acontecido.
Acordei ainda com as palavras em minha cabeça. Só a mim. Fora só um sonho, um sonho que parecia real de mais. O quarto estava exatamente como antes, quando pensei que ele estava aqui, escuro. Eu sentia o seu cheiro ainda ali, invadindo meus pulmões, acabando com qualquer paz que tinha. Virei-me na cama, tentando voltar a dormir. Afinal foi apenas um sonho.
Eu tentei dormir depois do maldito sonho, mas não consegui. Variando entre o que Lucius tinha me dito e o que Victor me falou. Victor havia me dito que eu precisava saber mais sobre meu passado, procurar saber a verdade, me esforçar mais. Tanto nisso quanto a Lucius. Ele havia dito que eu deveria deixá-lo ir. Mas ele não me deixava ir. E eu achava que nunca deixaria. Eu removi aquele sonho em minha memória varias vezes, era tudo tão vivo, tão presente, que eu não conseguiria esquecê-lo. Porque eu pertencia a ele, só a ele. Eu ri irônica, já cansada de tudo isso. Se eu não podia lidar com esse sonho agora, eu poderia lidar com outra coisa. Levantei-me da cadeira, indo em direção a Sam, sem nem falar com Moira ou Celina. Já era final da aula e eu precisava falar com ele antes de começar o treino. As meninas não me seguiram, elas devem ter percebido meu mau humor de hoje de manha e não falaram nada. Cheguei perto de Sam, que conversava algo com o Jerimi, e chamei a sua atenção.
- Sam, eu preciso conversar – olhei para Jeremi que me olhava com um sorriso – Sozinha.
- Ok! Eu acho que entendi a indireta, senhorita Bauer – Jeremi se despediu de mim e de Sam com aceno de cabeça – Ate mais, então.
Eu esperei que Jeremi saísse da sala para que eu pudesse continuar a falar com Sam. Ele já estava sentado novamente, provavelmente sabendo que eu não queria apenas jogar conversa fora.
- O que foi, Claire? – ele olhou com o rosto mais sério.
- Não é nada sério Sam. Eu só quero te perguntar uma coisa...
Peguei à cadeira próxima a mim e a virei para frente, me sentando em seguida. Olhei para Sam não sabendo como começar.
- Pode falar, Claire.
- Certo! Eu sei que você nasceu fora do Brasil e veio para cá ainda novo junto com os seus pais.
- Aham...
- E que também seus pais são bem ligados ao Conselho e tudo que envolve o nosso mundo.
- É. Meus pais podem ser humanos, mas a nossa família sempre foi ligada ao Conselho, há muitos anos atrás, foi por causa disso que vim parar nesse Instituto.
- Ótimo! Porque o que eu tenho que perguntar tem haver com o Instituto.
- Eu não sei se vou poder responder tudo, mas vou falar o que eu sei.
- Brigada! – eu sorri agradecida – Sam, o que você sabe sobre o ataque em 2002, o que ocorreu na igreja?
- Sobre isso? Eu pensei que você soubesse... O Conselho limita e desvia muita informação sobre isso, só por isso eu sei pouco, mas o necessário. O Instituto foi atacado em uma época em que não havia praticamente quase nenhum principado aqui, por causa das férias. Eles sabiam disso, é claro, o que dificultou um pouco as coisas. Na época eu não estava na cidade, por isso não soube muito sobre o atentado. Mas com o passar do tempo, por causa da minha família, eu fiquei sabendo que não foi um mero ataque, que isso tinha se iniciado de dentro, por uma pessoa de confiança.
- Pessoa de confiança?
- É. Ele era um professor muito graduado aqui no Instituto e também no Conselho, já fez coisas grandiosas pelo Conselho. Sem contar que ele era um dos mais velhos dominação daqui ou mesmo do mundo. Eu não sei o que aconteceu ou como, mas ele entregou a nossa localização pra Corte Negra. Ele traiu o Conselho. Muita gente morreu na época, é por isso que quase ninguém fala disso.
- O que aconteceu?
- Eu não sei direito. Parece que ele se tornou o líder de uma parte da Corte. Ele foi procurado por muito tempo na época, mas ninguém o encontrou. O Conselho não fala sobre isso, escondem o erro que cometeram, mas as conseqüências ainda continuam.
- Você acha que é ele que anda causando os ataques recentes?
- Eu ouvi falar sobre os ataques. Não sei se pode ser ele, mas eu acho que sim. Ele deixou muitas coisas pendentes aqui.
- Quem é ele?
- Não sei aparência, só seu nome. Parece que ele tem vários nomes, mas aqui ele ficou conhecido como Gabriel.
- Gabriel... – eu repeti as palavras sem pressa.
- Você não sabia sobre isso? – neguei com a cabeça - Eu pensei que como sua irmã já tinha treinado com ele ou mesmo o Lucius e a Sura tinham te contado, mas parece que não.
- Não, eles não me contaram sobre isso.
E sobre mais nada. Eu pensei, mas não disse.
******
- Moira, eu preciso ir. Você sabe – eu repeti pela terceira vez.
- Claro! Você tem aula com a Sophia, e pela décima terceira vez nessa semana você vai matar a aula da Luisa e da Helena.
- Eu sei que não tenho passado tanto tempo com vocês, mas eu preciso ir. São ordens da Sura.
- Certo! Você precisa desenvolver seu dom como blind e não sei o que, blábláblá – Moira gesticulou com a mão fazendo eu e Celina rirmos – Mas eu preciso te contar o que aconteceu ontem com o Irial!
- Eu sei que é importante, mas você pode me contar depois, não pode? – arqueei a sobrancelha vendo Moira bufar – A Celina já me entendeu, porque você não entende?
- A Celina é uma chata, não tem nada de mais pra contar. Já eu...
- A ta bom, Moira – Celina se manifestou – Tenho certeza que você vai contar as mesmas coisas de sempre. Nossa ele me colocou na parede e, Deus, como foi bom... – Celina a imitou.
Falei antes que Moira reclamasse de algo.
- A Celina tem razão Moira. Depois a gente conversa. Agora eu preciso ir... – peguei minha mochila que já tinha minhas roupas e coloquei sobre o ombro – Ate mais meninas.
Andei apressadamente ate a entrada, onde provavelmente Victor me esperava em sua moto. Depois de todo esse tempo eu não acreditava que já tinha se passado dois meses. Várias coisas tinham acontecido depois do meu sonho e da conversa com o Sam. Eu decidi focar no meu treino, sem pensar em nada alem disso. Sem Lucius ou Victor na minha vida. Às vezes eu e Victor nos beijávamos, mas eu não deixei mais nada acontecer. Eu tinha muita coisa na cabeça para ficar pensando com quem eu deveria ficar ou não. Então eu foquei nas lutas, desenvolvi golpes, estendi meu dom. E, cara, eu era boa. Boa pra caralho. Eu não chegava a ser melhor que Victor, mas estava chegando lá. Eu podia dizer com certeza que eu era melhor que quase todo mundo do Instituto. O que me estimulava a treinar mais e mais. Agora era hora em que eu enganava mais uma vez as meninas dizendo que tinha aula particular com a Sophia e ia treinar na floresta. Não era na cachoeira e sim mais perto do Instituto onde ninguém poderia nos ver. Saí pela porta lateral, sabendo que não haveria ninguém por ali, já que Sura havia fechado aquele local só para que eu pudesse passar na hora que eu quisesse sem ser percebida. Mas ao invés de encontrar a moto tão usual de Victor e ele em cima, eu encontrei um carro. E não era um carro qualquer, era uma BMW 6 coupé. Os vidros pretos não me deixaram ver quem era por dentro. Eu olhei o carro novamente e hesitei. Na hora eu pensei que só poderia ser Victor, mostrando seus gostos por carros. Dei a volta, sabendo que já estava muito atrasada, e abri a porta, me sentando no banco de couro.
- Desculpa a demora, Victor, eu ta... – deixei as palavras morrerem quando me virei e vi quem estava ao meu lado.
- Nenhum problema... – Lucius sorriu cínico, atravessado – eu também não esperava te ver tão cedo.
Assinar:
Postagens (Atom)