sexta-feira, 28 de maio de 2010

Capítulo 15 - *Vingança:

Os meus olhos ainda estavam neles. Em sua aparência fina, a graciosidade nos movimentos, seus olhos que me estudavam minuciosamente, sua postura despreocupada e seu sorriso pretensioso. É. Definitivamente ele era um vampiro. Eu poderia não ter visto muitos, quer dizer, nenhum, mas eu já tinha lido muitos livros da Anne Rice para saber como um se portava, pelo menos era assim que eu imaginava um. Seus olhos voltaram ao meu rosto. Então ficamos nos olhando, esperando quem diria as primeiras palavras. Eu fui mais rápida e perguntei o que martelava na minha cabeça.

- Como você sabe o meu nome? – perguntei meio desconfiada.

- Pelo que eu vejo – ele tentou segurar meu queixo com sua mão, mas eu me esquivei. Ele ergueu sua mão, fingindo estar na defensiva, e riu debochadamente – Seus olhos me dizem muitas coisas e uma delas é que você é uma Blind. E pelo que eu sei o único com esse dom aqui é você, Claire – ele voltou a seu posicionamento normal, se distanciando, um pouco desconfortável com as próximas palavras – Além do Lucius é claro.

Eu o olhei um pouco confusa. Victor já tinha ouvido sobre mim e, consequentemente, sobre Lucius. E algo me dizia que ele sabia muito mais do que isso. Eu continuei a olhá-lo com a mesma atitude, mas isso não o impediu de falar. Ele pareceu se divertir com o meu silêncio, como se fosse uma brecha para expressar suas hipóteses.

- Mas eu presumo que você não seja ele. Eu espero realmente que não, por que eu não me perdoaria por me sentir atraído por ele – ele deu um passo em minha direção, encurtando o espaço entre nós.

Eu bufei diante ao seu atrevimento, mas não me distanciei. Eu não consegui desviar meus olhos dos deles por um momento. Ele parecia ter auto-cofiança de mais, o que me lembrava o Jeremi, mas era de uma forma diferente, mais segura de si, mais madura. Ele me deu mais um olhar avaliativo e franziu sua testa.

- Eu não costumo ser repetitivo, mas você tem certeza de que esta bem?

Pelo seu olhar depreciativo para mim, eu percebi que deveria ter alguma coisa errada. Eu me olhei, tentando encontrar algum sinal de desordem, e percebi algo errado no meu vestido. Várias coisas erradas no meu vestido.

- Merda! – eu disse mais para mim mesma do que para qualquer pessoa que estivesse ao meu lado.

Comecei a bater a mão no meu vestido tentando tirar a sujeira que tinha se impregnado nele. Deveria ter o sujado na hora em que eu ‘sentei’ no chão, mas eu não pensei nisso na hora. Havia pequenas folhas presas ao meu redor e sua barra estava bege e marrom em algumas partes. Eu xinguei mais uma vez. Me importava se eu sujava meu vestido dessa maneira mais pelo que ele significava para mim do que por sua beleza. Foi Sura que me deu e eu não queria estragá-lo de jeito nenhum. A minha tentativa de limpar o vestido foi inútil, pareceu até piorar, espalhando e o sujando mais. Minha raiva aumentou misturando com frustração. Eu comecei a andar em direção a parte inferior do jardim, indo para a porta das piscinas.

- Eu vou trocar de vestido – eu avisei a Victor sem me importar.

Eu ainda olhava meu vestido quando andava, sem olhá-lo mais uma vez ou sem me despedir. Estava irritada demais pra me importar com alguém que eu mal conhecia. Mas ele pereceu pensar diferente.

- Eu vou com você – sua voz soou um pouco distante, mas era forte e decidida.

Isso chamou minha atenção. Eu me virei e olhei para ele. Victor já estava andando para o meu lado, determinado, como se isso fosse à coisa mais natural do mundo. Eu lhe lancei um olhar contestador, ma isso não o afetou.

- Eu acho que não é necessário – eu disse um pouco indignada com sua atitude.

Mesmo ele sendo um vampiro e designado a investigar o Instituto isso não o dá o direito de me seguir. Pelo menos que eu soubesse. Eu coloquei uma mão na cintura tentando o afastar, mas ele ainda estava vindo em minha direção. Ele parou na minha frente, um sibilo de um sorriso apareceu no seu rosto, parecendo indiferente ao meu estado e ate um pouco entediado.

- Eu não sei se você notou o meu tom de voz, mas isso não foi um pedido – ele tirou os olhos de mim e olhou para frente, apontando para o lugar onde eu estava indo – e pelo caminho que você esta indo eu prevejo que você esteja indo para as áreas das piscinas?

Foi mais uma afirmação do que uma indagação, essa última parte, tomando partido do meu silêncio, ele confirmou suas teorias.

- E pelo que eu sei o ataque do espectro foi lá – ele não havia me perguntado, mas mesmo assim eu assenti me lembrando do recente ataque – E também eu não preciso da sua permissão, mas dessa vez eu tenho uma desculpa pra te acompanhar.

Ouch! Essa doeu. O seu sorriso presunçoso estava de volta vendo minha reação. Eu não estava com paciência para discutir e mesmo se eu quisesse, ele não me deu tempo para isso. Ele começou andar a minha frente, em passos rápidos, indo em direção ao dormitório. Sua voz soou alta na noite escura.

- Você não vem? – ele continuou andando se me olhar.

Eu revirei os olhos. Eu estava cansada com pessoas me dando ordens, mas ele não se importaria nem um pouco se eu começasse a falar sobre os meus sentimentos. Sustentei meu vestido com as mãos, para que eu não tropeçasse novamente, e comecei a andar ate ele. Victor pareceu perceber minha dificuldade de andar com aquele vestido gigante e diminuiu seus passos. Eu o alcancei antes de chegar à porta.

- Boa garota! – ele segurou meu braço, sem deixar me afastar dele – Mas só uma pergunta: o seu dormitório não deveria ser por ali? – ele apontou para o outro lado, alem do jardim, onde ficava a parte mais antiga do Instituto.

- Eu costumava dormir ali, mas eu mudei de dormitório – eu tentei puxar meu braço da sua mão, mas ele não me deixou.

Ele ficou confuso por alguns segundos, então riu, percebendo algo que eu não tinha a menor idéia.
- Então quer dizer que você esta no dormitório do Lucius? – ele me lançou um olhar divertido, mas eu não me indignei a responder – Mas o Lucius não perde tempo...

Ele pareceu divagar sobre algo, perdido em seus pensamentos, mas sem deixar de nos levar para o dormitório. Ele abriu a porta lateral da área das piscinas e praticamente me arrastou para dentro. Mas eu ainda tinha uma pergunta para ele.

- E você sabe que o dormitório dele é aqui... Como? – eu sorri sugerindo uma outra coisa, mas ele não se importou.

Ainda me puxando pelo braço, virou seu rosto para mim e sorriu maliciosamente.

- Digamos que eu conheci vários dormitórios aqui, em outra temporada – ele voltou olhar para seu caminho – E o do Lucius era um que eu queria evitar.

Ele não disse mais nada, me deixando imaginar o que eu queria. Então ele já esteve aqui. Mas por quê? Eu tinha certeza que ele não me responderia essa pergunta e também não estava com cabeça para isso. Eu aprecei meus passos, fazendo-o me acompanhar. Alguns casais que estavam perto da piscina nos olharam curiosos. Provavelmente um vampiro arrastando uma menina pelo braço em pleno Instituto era uma novidade para eles, mas eu estava pouco me lixando. Nós chegamos à porta do dormitório rapidamente, eu me soltei do aperto de Victor e lhe lancei um olhar furioso. Ele apenas se fez de desentendido. Eu encarei a porta novamente. Eu realmente esperava que Lucius não estivesse lá. Não mesmo. Eu girei a maçaneta querendo enfrentar logo o que eu tinha que enfrentar. Para minha sorte ele não estava lá. Eu suspirei aliviada. Victor percebeu, mas não disse nada.

- Dessa vez... – ele se sentou no sofá preto, com as pernas cruzadas em forma de quatro e os braços relaxados sobre a parte de cima do sofá, como se ele já tivesse feito isso várias vezes – eu vou esperar aqui. Pode ir se trocar.

Eu exalei exasperada e revirei os olhos. Meu Deus. Era auto-cofiança demais para uma pessoa só. Eu levantei a barra do meu vestido e fui para o meu quarto. Eu fui direto para meu guarda roupa e tirei o vestido que a Celina tinha me emprestado. Ele não parecia muito adequado para festa de hoje, mas era o único que eu tinha, alem do que eu estava usando. Eu fui para frente do meu espelho para ver os estragos que eu tinha feito no meu novo vestido. Foi então que eu percebi porque Victor insistia em me perguntar se eu estava bem. Meu rosto estava todo manchado pela maquiagem. Um borrão preto se estendia por de baixo dos meus olhos, as lagrimas haviam deixado suas marcas sobre minha pele, tirando o pó e arrastando o lápis preto sobre minhas bochechas. Meu batom vermelho estava fora da minha boca, provavelmente devido ao beijo. Aquela imagem só concretizava o que havia acontecido comigo. Eu estava arrasada, perfurada, machucada por dentro. Eu me neguei a chorar novamente. Ele não merecia. Não quando eu não sabia o motivo para tudo isso. Eu quis me trancar no quarto e ficar ali, não ver mais ninguém e apenas ficar ali. Eu repeti as palavras que estavam em meu pensamento.

- Ele não merece o meu sofrimento. Eu... Não mereço isso – eu repeti isso mais uma vez, em voz baixa.

Eu passei as mãos sobre o meu rosto tentando tirar a maquiagem borrada, mas não adiantou muito. Eu lembrei de Moira e Celina, que provavelmente estavam me esperando. Jeremi estaria lá todo sorridente e insinuante e Sam estaria, como sempre, do lado de Celina e contando sobre suas teorias políticas sobre o Conselho. Eu tinha que estar lá por eles e ate mesmo por mim. Eu saí rapidamente do meu quarto e fui ao banheiro tirar minha maquiagem, sem dar tempo de Victor perguntar alguma coisa. Depois voltei ao meu quarto, tirei meu vestido sujo e o coloquei sobre a cama. Eu cuidaria dele depois. Voltei a olhar ao espelho e fui refazer minha maquiagem. Peguei a nécessaire que Celina tinha deixado no meu quarto e comecei a passar uma base clara sobre minha pele. Em seguida passei uma sombra preta em meus olhos, os contornei com lápis de olho, passei o delineador e depois passei novamente meu batom vermelho. Passei as mãos sobre meu cabelo, voltando ao aspecto natural. Tirei meu sutiã tomara que caia que não combinava nem um pouco com o decote do vestido e o coloquei dentro do meu quarda roupa. O próximo passo foi colocar meu vestido de renda preto. Com tudo terminado, eu me olhei novamente no espelho. Eu estava linda e sexy, de uma forma que eu nunca tinha visto. Meus olhos tinham ganhado mais destaque devido à sombra preta, o que os tornou mais bonitos. Eu sorri friamente vendo a imagem refletida no espelho. Essa não era eu, não essa noite. Mas eu me recusava dar uma de Bella Swan e ter uma depressão profunda depois que o Lucius tinha me rejeitado. Eu preferia curtir minha fossa com um Jacob do que esperar eternamente pelo meu Edward. Porém ainda me restava uma duvida. Quem seria meu Jacob? Eu ri uma risada seca, diante ao meu humor negro. Eu sofreria, mas no meu estilo.
Eu saí do quarto sobre o meu salto alto e com minha auto-cofiança restaurada. Victor, que parecia perdido em seus pensamentos, percebeu minha presença. Ele me deu um sorriso surpreso e estupefato. Ele, ainda sentado, se inclinou para frente e apoio seus braços sobre suas pernas abertas. Seus olhos percorreram meu corpo lentamente, olhando cada detalhe da minha extensão. Eu deveria me sentir envergonhada, mas não me senti. Se eu tinha me vestido assim era exatamente para ter esse tipo de reação. Parecia infantil, mas quem disse que não seria divertido. Eu esbocei um meio sorriso.

- Podemos ir? – eu perguntei sem dar muita atenção a sua avaliação.

Mas ele parecia não ter ainda superado minha nova imagem. Eu andei ate sua direção com a intenção de levantá-lo do sofá, mas ele foi mais rápido do que eu e em questões de segundos já estava a minha frente. Seus olhos foram do meu pescoço até a barra do meu vestido, mais precisamente minhas pernas. Dessa vez não teve como não me sentir desconfortável. Ele continuou assim por mais um tempo.

- Talvez eu tenha me enganado sobre você – seus olhos ainda dançavam sobre mim – Talvez você não seja tão entediante como eu imaginava.

Eu não sabia se considerava isso um elogio ou não. Mas vindo dele pareceu algo bom. Eu comecei a me sentir realmente desconfortável com a situação.

- Pode parar de olhar a barra do meu vestido agora, por favor – eu disse um pouco desconcertada.

Ele me lançou um meio sorriso afetado, seus olhos voltaram aos meus e eu pude ver divertimento neles.

- Não era bem a barra do seu vestido que eu estava olhando... – ele continuou a sorrir aquele maldito sorriso pretensioso, mas parou de me olhar tão descaradamente.

- Tanto faz – eu dei de ombros e tentei ir para porta.

Ele me impediu, segurando meu braço. Ele balançou sua cabeça em negativa ainda rindo.

- Se vamos passar ciúmes no Lucius... – seus olhos estavam nos meus, mostrando entender como eu me sentia – Vamos fazer isso direito.

Talvez eu tenha encontrado meu perfeito Jacob afinal. Nos ficamos assim, eu em silêncio, ele com seus olhos profundos, esperando minha resposta. Eu mal o conhecia, mas ele agia como se já me conhecesse de longa data. Mas eu suspeitava que ele agisse assim com todo mundo. Ele agia como se fosse o dono do mundo e que nada o impedia de ter o que ele queria. E da forma como ele agia e falava eu comecei a acreditar que realmente era assim.

- E quem disse que eu quero passar ciúmes no Lucius? – eu finalmente disse, novamente na defensiva, só que dessa vez eu estava curiosa em saber sua resposta.

Ele largou meu braço ao perceber que eu estava curiosa de mais pra sair do quarto e deixá-lo sozinho, mesmo sabendo que isso não aconteceria se ele não quisesse. Ele inclinou a cabeça para o lado me avaliando para saber se eu não estava fingindo meu interesse. Por fim ele pareceu rir da minha ingenuidade e deu de ombros. Minha raiva aumentou um pouco vendo que ele me tratava um pouco como criança, mesmo me achando crescida demais para olhar meu corpo com certo interesse. Isso me lembrou alguém.

- Isso é meio óbvio, você não acha? – ele deve ter visto minha expressão de dúvida. Ele pareceu surpreendido com algo, mas não deu sinal que me explicaria – Eu vi Lucius entrar com uma cara um pouco, como posso dizer... – ele olhou para o teto tentando achar a palavra certa – Aflita no ginásio depois da minha apresentação ao Instituto. E tanto eu como você sabemos que Lucius não é do tipo que se expressa muito. E alem do mais para ele perder minha volta deve ter sido por uma coisa muito importante. Então quando eu fui ao jardim e encontrei você, apenas você, agachada e chorando, eu tive certeza que alguma coisa tinha acontecido. E mais certeza ainda quando eu soube o seu nome.

Ele esperou eu digerir as palavras que ele tinha dito. Então ele sabia do meu envolvimento com o Lucius? Não que ele não tenha me dito isso indiretamente, mas para mim ele só tinha uma vaga noção disso. Bem, parece que não. Eu não disse nada a ele, com medo de dizer de mais. Eu não contava isso para muitas pessoas e não pensava em dividir meus pensamentos mais dolorosos com o investigador do Instituto. Ele era esperto de mais para não perceber que eu não falaria nada. Então ele continuou a falar.

- Muito típico do Lucius alias, mas não é disso que eu estou falando... – ele me olhou nos olhos de forma sedutora e intensa – Nós poderíamos fazer um acordo?

- Um acordo? – eu disse surpresa e muito desconfiada.

Ele acenou com a cabeça lentamente – Sim, um acordo. Eu te daria o que você mais quer nesse momento. Eu tenho certeza que ele não ficaria nem um pouco feliz ao me ver com você. E em troca você me ajudaria a encontrar as informações que eu quero.

- Encontrar?

- Há coisas na sua mente Claire... – ele levou sua mão ao meu braço, me acariciando, tentando passar segurança em suas palavras – que são muito valiosas pra mim.

- O que eu ganharia realmente com isso? – eu disse um pouco ofendida. Não é como se fazer ciúmes no Lucius fosse tão importante como minhas lembranças.
- Alem de mim... – ele apertou meu braço, mostrando a força de suas palavras. Mas em seu rosto ainda tinha a mesma feição desinteressada e sedutora de antes – Você faria Lucius sofrer da mesma maneira que ele esta te fazendo agora. Vingança. Você não sabe como isso pode revitalizar uma pessoa – ele deve ter visto que eu não fiquei muito feliz com a proposta e se adiantou – Mas isso ainda é uma coisa pra você pensar. Hoje eu só ofereço minha companhia. Aceita?

Eu o olhei um pouco hesitante. Ele se aproveitou da minha reação para fazer um trocadilho idiota.

- Eu não mordo Claire – ele arqueou uma sobrancelha e completou o sábio comentário – Não quando não me pedem. Mas eu tenho certeza que você me pedira um dia.

Seu sorriso convencido estava de volta. Eu revirei os olhos, mas aceitei seu braço estendido e o segurei com minhas mãos. Eu tentei esclarecer as coisas.

- Isso nunca vai acontecer – eu disse um pouco zangada com sua certeza.

- Isso é o que você me diz agora, mas eu não vou discutir isso com você - ele finalizou vendo minha expressão indignada – Eu espero que você esteja preparada para chocar a grande sociedade hoje à noite.

Ele piscou para mim e riu divertido com suas palavras. Eu não entendi muito o que ele quis dizer com isso, mas isso foi antes de chegar ao salão.





Foi como um déjà vu. A porta do refeitório foi aberta lentamente, tentando não chamar atenção, pelo menos eu tentava não chamar tanta atenção, já Victor parecia não se importar. Mas dessa vez os iniciantes não estavam sendo apresentados e minha entrada com o Victor pareceu à coisa mais interessante que iria acontecer depois disso. Olhos estalados se voltaram para nós e as pessoas começaram a cochichar umas com as outras. Não que eu esperasse outra reação, mas eu não esperava essa reação exagerada. Enquanto nós andávamos ate uma mesa perto do palco às pessoas pareciam chocadas com algo, eu não sabia se era o fato de eu estar com um vampiro ou pelo tamanho de meu vestido ou ambos. Eu decidi ignorar os olhares, eu já estava estressada de mais para me preocupar com que as pessoas iriam pensar. Victor arrastou uma cadeira para que eu sentasse e em seguida ele sentou ao meu lado na mesa redonda.

- É como se eu tivesse feito algo errado ou tivesse matado alguém – eu comentei com ele me refirindo aos olhares.

- Mas você esta fazendo algo errado garotinha. Você fez pior do que matar alguém, você esta andando com um morto vivo – ele se inclinou para mim com se fosse contar um segredo – eu não duvidaria nada se um membro do Conselho chegasse aqui para conferir se eu não perfurei seu lindo pescoço.

Passado exatamente vinte minutos as palavras do Victor se concretizaram. Um dos membros do conselho, Samuel, foi em nossa direção com um olhar reprovador para Victor. Victor pareceu se divertir com a situação, mas no fundo eu sabia que ele não estava tão relaxado como aparentava. Sua postura relaxada se tornou um pouco dura e seus dedos começaram a trombetear sobre a mesa. Samuel parou entre mim e Victor, suas asas brancas abertas e esplendorosas, mostrando toda sua presença.

- Victor – o seu olhar duro foi para Victor.

- Samuel – Victor disse em um tom frio.

- Claire – ele se direcionou a mim.

- Samuel – eu disse em tom respeitoso.

- Eu espero não estar interrompendo nada, estou? - ele olhou de mim para Victor.

Victor sorriu para ele de forma forçada e depois olhou para mim – Bem essa é minha deixa para fingir que eu preciso de uma bebida.

Ele se levantou e se voltou a olhar Samuel.

- Eu espero que o meu pedido em relação as bebidas foi atendido.

- Claro Victor – essas palavras foram ditas com certo desprezo.

- Que pena. Eu esperava usar a Claire mais uma vez para saciar minha sede – ele bateu em um dos ombros do Samuel.

Para Victor isso podia ser algum tipo de brincadeira, mas não para mim.

– É bom rever você Samuel.

- Também Lefroy.

Tanto eu quanto Victor sabíamos que isso não era uma verdade, mas etiqueta é etiqueta, mesmo para o Conselho. Seus olhos duros e opressores foram para mim. Eu senti uma grande necessidade de me explicar.

- Samuel, Victor só estava brincando – eu disse um pouco sem graça.

- Eu sei que ele estava brincando. Ele gosta de me provocar, só isso – ele sentou ao meu lado e por um instante pareceu que ele olhou meu pescoço, mesmo dizendo que sabia que era brincadeira.

Eu já o tinha visto no palco, mas assim de perto suas feições pareceram mais perfeitas. Ele aparentava ser mais velho, aproximadamente uns quarenta anos. Seus olhos eram verdes, seu cabelo castanho escuro era um pouco cacheado e curto, ainda tinha um pouco de barba, mas era bem feita, eu via algumas linhas envolta de sua boca enquanto ele sorria para mim. Ele usava um smoking preto e sapatos sociais. De alguma forma ele era bonito, mas a sua presença tão confiante e segura me deixava um pouco desconfortável.

- Eu vou ser breve Claire. – ele ainda tinha um sorriso no rosto, mas suas palavras foram fortes – Eu preciso que você confie em mim ou no Conselho para qualquer coisa que aconteça com você. Pode confiar em nós assim como você confia na Sura. Seria muito gratificante se você fizesse isso.

As palavras foram ditas em tom calmo, mas foi um baque para mim. Todos pareciam esperar algo de mim, até o Conselho. A forma como ele me tratou me fez sentir mais pressionada do que o normal. Se eles queriam tanto que eu dissesse algo, porque eles não explicavam as coisas? O que tinha acontecido? Isso se eles realmente sabiam de algo. A cada dia eu chegava à conclusão que isso dependia mais de mim do que de qualquer outra pessoa. Eu me perguntei se minha irmã tinha alguma coisa a ver com isso, porém eu tinha certeza que ele não me daria às respostas que eu queria. E mesmo que me dessem eu não tinha coragem de falar o que eu tinha visto, não para um membro do Conselho. Isso poderia ser importante, mas Bianca era minha irmã e se eu fosse encontrar respostas seria sozinha.

- Claro Samuel, eu confio em vocês – eu me vi mentindo. Eu não queria mais suspeitas ao meu redor.

- Que bom que é assim – ele me ofereceu um sorriso agradecido e por alguns instantes em me senti culpada, mas isso passou rapidamente. Ele se levantou e eu repeti o gesto – Foi um prazer te conhecer, oficialmente, Claire.

- O prazer foi meu Samuel

Nós nos despedimos. Ele levou minha mão a sua boca e a beijou. Eu acenei em respostas e o deixei ir. Eu sentei na cadeira novamente e cruzei minhas pernas inconscientemente. As coisas estavam ficando cada vez mais sérias. O que eu achava que era apenas uma coincidência começou a fazer mais nexo agora. Não deveria ser coisas sem sentidos. Deveria ter alguma ligação nisso. Mas que ligação?

- Aceita? – Victor apareceu ao meu lado sem que eu percebesse e me tirou dos meus pensamentos.

Ele se sentou ao meu lado, ainda com a taça na mão me oferecendo, enquanto na outra mão havia sua própria taça. Eu considerei que minha taça deveria ter vinho ou suco de uva, já que o liquido era roxo. Já a do Victor não era bem um vinho. O liquido tinha uma cor vermelha, um pouco escuro, eu considerei ser Martini vermelho ou alguma bebida, mas pela espessura eu sabia que não era. Era sangue. Eu peguei minha taça e deu um gole, percebendo que não tinha apenas suco de uva.

- Vodka? Você não esta tentando me embebedar não ne Victor ou esta? – eu perguntei.

- Eu achei que depois de enfrentar o Samuel você precisava de uma dose. E não precisa se preocupar com a parte de te deixar bêbada. Eu não preciso desse tipo de artimanha para conseguir o que eu quero – ele abriu os braços, mostrando seu corpo – ou você acha que eu preciso?

Eu o olhei, mas dessa vez mais detalhadamente. Na luz clara do salão a pele dele era mais branca que o normal, por isso seus olhos azuis ganhavam certo destaque. Seu corpo era grande e extenso e eu poderia jurar que embaixo desse terno haveria músculos modestos contornando seus braços e pernas. Eu tinha que confessar que não gosto muito de homens com cabelos compridos, mas nele parecia bom. E não era só isso. Havia aquela estranha confiança nele que nos deixava confortável com sua presença e impressionantemente querendo mais.
É. Definitivamente ele não precisava desse tipo de artimanha. Ele abriu um sorriso depois da minha avaliação. Eu não precisava falar para ele o que eu tinha achado, os meus olhos já falavam por mim.

- É. Foi o que eu pensei – ele colocou seus cotovelos sobre a mesa e bebeu mais um gole do seu líquido viscoso.

- Me diz uma coisa Victor, o que exatamente você veio investigar no Instituto?

Ele virou sua cabeça em minha direção, parecendo um pouco mais sério.

- Inicialmente eu vim investigar o ataque que aconteceu com você. Não teria como um espectro entrar no Instituto, não em uma terra sagrada. Isso significa que alguém o invocou ou as forças da Corte esta mais próxima do que nós imaginamos. Mas isso são só suspeitas, ainda.

- E você esta me falando isso por quê?

- Você é uma parte importante nessa equação Claire. Eu preciso ser sincero com você se quero que você participe disso – ele me olhou nos meus olhos dessa vez. Ele foi sincero como ninguém antes foi. Eu o apreciei por isso.

- E é só isso?

- Você acha que é só isso?

Não, definitivamente eu acho que não. Tinha algo nele, nos seus olhos que me diziam que não era só isso. Mas ele não me falaria sobre isso hoje. Novamente eu fui interrompida por uma certa amiga.

- Onde você estava Claire? – Moira esbravejou para mim.

Eu me assustei inicialmente. Victor nem se importou. Eu voltei meu olhar mais sério para ela.

- É bom te ver também Moira.

- Bom me ver? Eu e a Celina estamos procurando você iguais umas loucas. Ainda por cima o Jeremi me deu a elza falando que ia te achar e ate agora nada. E você me aparece aqui sentada com um estranho... – Moira se voltou para o ‘estranho’ para apontá-lo para mim, mas acabou ficando sem palavras ao saber quem era.

Eu sorri para ela vendo sua cara trágica. Ela esperava todo mundo menos ele.

- Victor, essa é minha amiga Moira de Carvalho – eu me virei para Moira – Moira este é meu novo amigo Victor Lefroy.

Victor não perdeu a oportunidade e puxou a mão da Moira rapidamente. Ele ainda a olhava ao beijar sua mão.

- O prazer é meu – ele disse com a mão da Moira entre seus dedos e com a voz mais baixa e sedutora.

Cara, ele era muito bom nisso. Moira ficou em silêncio por bastante tempo, sendo ela foi praticamente um milagre. Talvez ela tivesse tempo para todo esse show, mas eu não.

- Então onde esta a Celina?
- Celina? – ela franziu a testa – Ah! Celina. Eu não sei. Eu acho que ela foi procurar no seu quarto ou alguma coisa assim.

- Acho melhor então nós acharmos ela – eu me levantei e levei minha taça comigo – Você se importa Victor?

Ele se recostou na cadeira, relaxado – Pode ficar tranqüila Claire, a imagem de ver você partir não vai ser tão chocante quanto te ver se distanciar com esse seu vestido de renda.

Eu exalei. Ele exagerava de vez em quando, mas parecia fazer parte dele.

- Certo – eu o dei uma última olhada antes de me virar para Moira – Vamos?

- Eu acho que a Celina pode se cuidar sozinha Claire. A gente podia se sentar aqui e fazer companhia pro seu novo amigo...

Eu me recusei a escutar o resto. Enquanto Moira ainda falava eu a empurrei para o meio do salão.

- Também não precisa ser tão rude. Eu só queria conhecer seu novo amigo – ela deu ênfase à última palavra me incriminando – Eu toda preocupada por que você tinha sumido com o Lucius indo pro jardim e quando te encontro você esta com Victor Lefroy! Agora eu sei por que você demorou tanto...

- Você me viu sair com o Lucius?

- E quem não viu! Vocês estavam todo ‘chamego’ no meio do salão, só faltavam se pegar ali na frente de todo mundo. Então você sai para o jardim e ele ainda vai junto e quando volta ta todo afobado e apressado para alguma coisa. E você some.

- Ele sai do salão? – eu perguntei preocupada sem me importar com as acusações.

- Sim e não voltou mais.

Eu senti meu coração se apertar. Ele tinha saído do salão, talvez ate do Instituto.

- Mas ainda tem mais – Moira pegou minha taça abruptamente e bebeu – o Jeremi, minutos depois de o Victor ser chamado ao palco, falou que ia te achar e depois sumiu. Me deixou ali sozinha, de vela com o Sam e a Celina.

Ela bebeu mais um gole da ‘suco’ e parou do nada.

- Espera aí. Isso é Vodka? – ela me olhou surpresa.

- É. Foi Victor que me deu – Moiro arqueou a sobrancelha e sorriu maliciosamente – Foi apenas uma bebida Moira!

- Começa assim. Só uma bebida, só um encontro, só um sexo casual...

- Sexo casual? – uma mulher a perguntou.

Moira empalideceu ao ouvir aquela voz.

- Mãe! O que a senhora esta fazendo aqui?

Se não fosse pela situação eu já estaria rindo horrores. A mão da Moira tinha os mesmos traços que a Moira. Sua pele era morena, seus olhos eram negros, seus cabelos presos eram tão negros como os dela. Havia algumas rugas, mas se não fosse isso elas poderiam ser consideradas irmãs. Mas diferente do vestido de seda da Moira, sua mãe usava um vestido longo e solto no corpo, sem marcá-lo, com a apenas alguns bordados no bojo do vestido prata.

- Celina estava procurando por você então eu resolvi ajudá-la e vim te dizer que ela esta na nossa mesa com seu pai e a mãe dela.

- A claro! – ela disse um pouco desconfortável.

A mãe da Moira desconfiada da postura da filha começou a chegar mais perto e lhe lançou um olhar interrogativo.

- Eu espero senhorita Carvalho que isso na sua mão seja apenas suco de uva e não vinho – sua voz saiu baixa e dura.

- Mas esse copo não é meu, mãe. É da Claire – ela disse antes que sua mãe fizesse mais estremo e bebesse para provar um pouco.

- Me desculpa senhora Carvalho, eu mandei a Moira segurar para mim por um momento – eu entrei no jogo da Moira.

Ela pareceu desconfiada no começo, mas desistiu no final.

- Eu que peço desculpa por não ter me apresentado – ela sorriu e ofereceu sua mão – Adélia de Carvalho.

Eu apertei sua mão em retorno e sorri para ela – Claire Bauer.

- Eu já ouvi muito sobre você na última vez que eu encontrei a Moira. Então você realmente uma Blind?

Não era nem um pouco estranho à mãe da Moira saber sobre isso. A maioria dos familiares que estão aqui sabiam sobre o dom de seus filhos. Durante o processo de ceder o dom ao feto, o anjo resignado à família explicava toda a situação: o dom, sua função no mundo e o porquê de serem escolhidos. Para alguns seria uma loucura, mas todos que tiveram eventuais encontros com seu arcanjo tinham uma fé inabalável. Isso ajudava muito na hora da escolha dos pais.

- Sim. Eu sou uma blind, senhorita Carvalho – eu assenti.

- Me desculpa te perguntar assim, mas é tão raro encontrar um, pelo menos é o que todos dizem – ela riu um pouco sem graça devido seu atrevimento.

- Eu só a perdôo se você me deixar chamá-la de Adélia.

- É claro que pode! Mas agora eu acho que devemos voltar à mesa. Vamos?

- Mãe pode ir na frente. Eu e a Claire já vamos.

Adélia se despediu de nós rapidamente e nos explicou onde ficava a mesa. Um momento depois de ficarmos sozinhas, Moira se voltou revoltada.

- Sua puxa saco!

- Você tinha é que estar me agradecendo por isso. Ou você queria explicar pra sua mãe sobre o ‘sexo casual’? – eu lhe lancei um olhar reprovador.

- Convencida!

- Chata!

Nós ficamos assim, sem nos falarmos. Eu não agüentei muito tempo.

- Afinal o que a gente ta fazendo aqui?

- Procurando alguém! – ela disse um pouco emburrada.

- O Jeremi vai voltar não se preocupa.

- Você acha que eu to procurando o Jeremi? Eu to é procurando o Irial!

- Você ainda não o viu?

- Não. Nem ele, nem a vaca da Minogue. Isso não é nem um pouco bom – sua cara amarrada aumentou.

- Talvez a Celina tenha os visto. – eu sugeri.

- Talvez...

E em um piscar de olhos Moira nos levou para a mesa onde estava sua mãe. Na mesa estava Celina, Adélia e o que eu suspeitava ser o pai da Moira e a mãe da Celina. Nós nos sentamos e cumprimentamos mutuamente. O pai da Moira era do exato jeito que ela já tinha me descrito. Alto e com um pouco de barriga, tinha um bigode grande e preto. Ele era um pouco mais claro que a Moira e sua mãe. Usava terno, o que o deixava mais sério e um chapéu de cowboy. Ele era vendedor de gado no seu estado e pelo que Moira tinha me contado tinham bastante dinheiro.
A mãe da Celina estava mais distante, tinha os traços delicados, seus cabelos eram loiros e mais claros. Seus olhos eram verdes e sua pele era bem clara. Usava um terninho bege, bem discreto. Eu sabia onde Celina tinha herdado tanta beleza. Mas diferente de Celina que tinha vida em seus traços, a mãe dela estava definhando em seu próprio mundo. Ela era uma das raridades que eu tinha falado. Ela um dia acreditou em tudo isso, mas depois que o pai de Celina, seu marido, as abandonou depois de ter a Celina, tudo isso desmoronou. Se a Celina continuou no Instituto foi por pedido dela e do próprio Instituto. O dom dela era muito raro para ser descartado. Mas eu não sabia muito sobre isso, Celina não gostava de falar sobre isso.
Adélia fez questão de nos apresentar.
- Claire esse é o meu marido, Mário de Carvalho – eu acenei para ele em reconhecimento – e essa é minha grande amiga Mirian Fleury.

Eu a cumprimentei com um aceno de cabeça e ela fez o mesmo.

-Onde esta o Sam? – Moira mudou de assunto.

- Em algum lugar com os pais deles – ela lançou um olhar à multidão – mas meus pés estão cansados de mais para eu procurar ele.

- Você achou o Jeremi? – eu perguntei me lembrando dele.

- Não, mas eu encontrei alguém – ela apontou com a cabeça para um canto do salão. Em um canto um pouco escuro e distante estava duas pessoas que pareciam bem intimas. Normalmente eu não reconheceria quem era, mas pelas suas asas eu sabia bem quem era. Irial. E ele não estava sozinho, Luisa estava com ele. Na penumbra eu não sabia se eles estavam abraçados ou só conversando, mas isso já foi o suficiente para tirar a Moira do sério.

- Eu preciso ver isso mais perto – ela se levantou subitamente.

Conhecendo bem a Moira, se nossas suspeitas estivessem certas, ela não olharia somente. Provavelmente ela faria um escândalo sem se importar se sua mãe ou pai estavam lá. Celina também a conhecia tão bem como eu. Então nós nos levantamos rapidamente e fomos atrás dela. Ela era mais ágil e para minha infelicidade o Victor resolveu aparecer nesse exato momento.

- Claire! – ele exclamou entre a multidão – te encontrei.

- Que bom – eu tentei me mover para frente, mas ele não deixou.

Celina que era mais esperta ultrapassou Victor e foi em direção a Moira. Eu o encarei bravamente tentando o afastar. Ele já tinha desfeito o nó da sua gravata e na sua mão tinha outro copo com sangue.

- Eu vim te avisar que estou indo, isso esta me entediando...

- Ta bom Victor – eu disse abafada.

Vendo minha pressa e onde Celina estava indo ele pareceu perceber algo.

- O que aconteceu? – ele pareceu se interessar.

- Eu to tentando impedir a Moira, aquela minha amiga, de bater em um instrutor.

- Instrutor? – ele voltou a olhar para trás e deve ter visto de quem eu falava – Você esta falando do Irial e da... Minogue? – ele pareceu realmente surpreendido – A Minogue esta aqui?

- Você conhece a Minogue?

Ele sorriu para mim divertido, como se tivesse redescoberto seu brinquedo antigo. Ele pegou minha mão e começou a me puxar em direção a Moira e a Celina. Mas diferente do que eu pensava, ele as passou, deixando as discutindo sobre algo, e foi em direção ao casal. Cara isso não me parecia bom.
Subitamente ele virou seu rosto para mim e parou de prestar atenção no caminho.

- Me observe – ele simplesmente me disse, com aquele sorriso sapeca de volta.

Então, como num filme, Victor esbarrou em Luiza e derramou sua ‘bebida’ vermelha sobre o vestido estilo tubinho ocre. Os mais próximos observaram a cena e ficaram chocados com a cara de pau do Victor.

- Mil desculpas senhorita, eu não tinha percebido que você estava aqui – ele disse com as ‘melhores das intenções’.

Isso foi uma mentira e uma das grandes. Luiza estava chocada de mais para responder alguma coisa. Eu? Eu não sabia se eu ria ou gargalhava. Se eu tinha alguma coisa contra o Victor, eu não tinha mais. A partir de agora eu só poderia amá-lo.
Mas meu bom humor foi diminuindo ao ver que Irial não tinha achado as coisas tão engraçadas como eu. Sua postura tinha mudado, ele parecia estar preparado para atacar a qualquer minuto. Suas asas delongadas estavam abertas e agitadas. Ele não pareceu se importar se o Conselho estava ali ou não. Afinal Victor era um vampiro. Mas foi a própria Luisa que pegou a dianteira e começou a andar em direção a Victor.

- Victor... – ela disse seu nome com desprezo – a última vez que eu te vi eu estava quase te matando, vampiro.

Victor sorriu aquele sorriso convencido de sempre. Parecia ser sua marca.

- Engraçado, porque a última lembrança que eu tenho de você não era essa. Pra ser mais exato eu lembro que você gritava o meu nome. Na minha cama.

No começo eu pensei que ele se referia alguma batalha, mas depois dessa última declaração eu vi que não era bem o tipo de ‘luta’ que eu imaginava. A tensão ficou mais eminente. Todos estavam em silêncio. Luisa parecia pensar em fazer ou falar algo. Eu vi seu punho fechar e como um pressentimento eu sabia que ela estava disposta a lutar com ele. Mas Victor foi mais rápido dessa vez.

- Eu espero que você não faça o que você esta pensando. Não na frente do Conselho – sua voz soou como uma ameaça.

Bem parecia que eu não era a única a odiar a Minogue.

- Tem prataria o suficiente aqui para eu estacar seu coração, Victor – o seu tom foi baixo, mas ameaçador.

- Eu não duvido disso. Mas, tanto eu como você, sabemos que você não seria capaz de me matar – sua feição relaxada se tornou mais dura e perigosa. Pelo jeito ele não gostava muito de ameaças.

- Mas eu sou.

Meu coração gelou nesse momento. Eu reconheceria essa voz em qualquer lugar ou situação. Eu não esperava vê-lo tão cedo. Eu não esperava vê-lo hoje. Talvez eu esperasse nunca mais vê-lo. Mas eu sabia, no fundo, eu sabia que ele não tinha se despedido do Instituto, mas sim de mim. Ele tinha desistido de mim. Então todo o esforço de me manter forte se foi. Eu queria desesperadamente sair dali.

- Onde você estava? – Luisa esqueceu momentaneamente da briga com o Victor.

- Eu estava com o Jeremi.

- Com o Jeremi? – esse comentário me pegou desprevenida.

Eu me virei para ele, me esquecendo dos meus sentimentos. Mas seus olhos estavam na Luisa. Ele andou para ela e parou ao seu lado, cumprimentando Irial e Luisa. Ele mal olhou para Victor ou para mim.

- Parece que ele teve algum problema familiar e teve que sair do Instituto por algum tempo.

- Mas hoje a noite?

- E você só o avisou agora? – ela parecia um pouco decepcionada.

Eu e Luisa perguntamos, mas lógico ele resolveu responder só a Luisa.

- Eu tinha coisas a fazer.

- Eu imagino que coisas você estava fazendo – Victor olhou diretamente para mim.

Então todos me olharam, até Irial que parecia não entender nada, me olhou. Eu fiquei ali sem fala. Victor me usaria como arma para atingir Lucius eu sabia disso. Mas eu não ficaria ali o tempo suficiente para isso. Eu senti a minha máscara começar a cair. Eu tinha que sair dali imediatamente.

- Com licença – eu disse abruptamente sem me importar.

Por milésimos de segundos eu vi os olhos de Lucius em mim. Mas então eu já tinha ido. Eu fui para Moira e Celina e me despedi, dizendo que estava com dor de cabeça. Elas ainda estavam distraídas com os recentes fatos e não se importaram de eu ir. Momentos depois eu percebi que Victor me acompanhava, mas eu não disse nada. Nós ficamos em silêncio até chegarmos ao meu dormitório. Por fim eu me virei para Victor.

- Não precisa fingir que se importa Victor – eu o ataquei verbalmente.

- Eu não vou fingir. Eu só espero que isso não afete nossa relação. – ele disse secamente.

- Não. Isso não vai afetar nossa relação, porque eu... eu aceito o seu acordo, o nosso acordo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Capítulo 14 - *Feitiço:

Spell - Marie Digby

Eu apertei sua mão mais uma vez. Ele realmente estava ali comigo. Eu tentei não sorrir tanto, mas parecia difícil não fazê-lo. Eu desci as escadas lentamente, enquanto ele me guiava ao meio do salão. Eu não poderia descrever a sensação de estar ali com ele. Eu sabia que não poderia durar muito tempo, mas eu queria viver o que ele estava me oferecendo. Nós ganhamos espaço no salão vazio. Eu tentei ir onde Celina, Moira, Sam e Jeremi estavam, mas Lucius puxou minha mão levemente, me impedindo. Voltei minha atenção para ele e percebi um modesto sorriso em seu rosto. Eu me sentia tão sozinha sobre o palco, mas agora eu sentia que só havia ele comigo. E eu não precisava de mais ninguém.

- Dança comigo? – ele me disse em tom baixo, sincero, com o mesmo sorriso de antes.

Eu olhei ao meu redor e notei que ninguém dançava. Parecia não estar certo só nós dois dançarmos entre a multidão, mas eu não me importava. Eu sorri para ele um sorriso ingênuo, desnudo de pretensões, e assenti. Sua boca se abriu em um lindo sorriso, feliz como ele nunca tinha me mostrado antes. Ele andou em minha direção em passos lentos e segurou minha cintura com uma mão e depois com a outra. Eu circundei meus braços em volta de seu pescoço e segurei minhas mãos em volta do seu colarinho, tentando agarrar aquele momento. Ele me conduzia a passos lentos enquanto o piano tocava a melodia. Eu tentei desviar meus olhos dos dele, mas por um momento eu me entreguei a ele. Eu deixei me levar pela situação sem me importar com quem nos olhava. Seria notável perceber o que eu sentia por ele e sinceramente eu me senti feliz por isso.

- Não tem ninguém mais dançando Lucius... – eu disse um pouco apreensiva.

- Eu não me importo, não hoje – ele me deu um meio sorriso me confortando.

Eu baixei meus olhos momentaneamente, um pouco tímida e desconfortável com o silêncio que sucedeu depois do nosso pequeno dialogo. Eu sorri ao perceber que nós estávamos um pouco separados devido ao vestido. Então lucius fechou seus braços ao meu redor, me puxando mais para ele. Ele levou uma de suas mãos ao meu queixo e me forçou a olhá-lo.

- Olha pra mim Claire – eu pude notar um tom de dor em sua voz misturada com nostalgia.

Então eu me perdi em seus olhos. Seus olhos azuis. Havia uma pequena mancha avermelhada em um dos seus olhos, me lembrando que ele era como eu. Eu baixei meus olhos a sua boca. Deus! Como eu queria beijá-lo. Mas eu não tinha coragem suficiente para isso. Lucius pareceu perceber minhas intenções e sorriu um sorriso contido. Ele subiu uma de suas mãos a meu rosto e acariciou minha bochecha com a palma de sua mão. Ele a deslizou ate minha orelha e segurou o brinco entre seus dedos.

- Gostou do meu presente? – ele desviou seus olhos do brinco para meus olhos.

- Amei – eu disse sem fôlego, não podendo dizer nada além disso.

Ele sorriu ainda mais diante minha resposta. Eu sorri de volta. Ele ainda tinha sua mão no meu rosto, quente sob a pele, me afagando. Logo ele se inclinou para mim e beijou minha testa. Eu fechei meus olhos, agradecida e entregue. O beijo foi longo o bastante para perceber o que ele sentia. Ele parecia sofrer com a situação. Eu me perguntei por que, mas não haveria respostas para isso, não agora. Baixei minha cabeça ate seus ombros me confortando. E fiquei ali, segura, onde parecia ser meu lugar. Ele beijou meus cabelos momentaneamente, depois encostou seu queixo, sem pressionar, sobre minha cabeça. Então ficamos assim, desfrutando um do outro, sem perceber o que ocorria ao nosso redor e sem se importar. A musica parou dando lugar ao murmurinho das pessoas a conversar. Eu senti uma lagrima deslizar e foi então que eu percebi que estava chorando. Eu afastei meu rosto do seu ombro e limpei minhas lagrimas com as costas da minha mão. Eu estaria extremamente envergonhada se não fosse pelo fato, de ao olhar Lucius, ver que ele continha lagrimas nos olhos, e ele não parecia envergonhado. Lucius era o tipo de homem que não se envergonha de suas ações, sejam elas extremas ou sensíveis. Ele sabia manipular suas emoções, mas quando elas viam a tona, ele não as escondiam. Ele se inclinou novamente para mim e beijou brevemente meu rosto.

- Obrigado – eu pude ver em seus olhos uma dor que ele tentava não demonstrar em sua voz.

- Lucius... – eu tentei falar, mas fui interrompida pelo chiado do microfone.

Minha irmã estava no palco, atrás de um púlpito, sua boca próxima ao microfone. Ela anunciaria algo. Eu olhei para Lucius, que estava ao meu lado, e pude perceber sua hesitação diante a cena, seu corpo se enrijeceu e seu olhar se tornou duro. Ele pareceu perceber que eu estava o observando então relaxou um pouco. Ele se juntou a mim em poucos passos e me abraçou por trás.

- Presta atenção na sua irmã – ele sussurrou no meu ouvido.

Eu não sabia se sua intenção era me distrair, mas se fosse, funcionou. Eu voltei minha atenção para o palco, onde estava minha irmã. Minha visão embaçou por um momento, logo voltou ao normal. Mas uma vez minha visão embaçou só que por mais tempo. Na terceira vez não foi apenas isso. Houve um forte clarão a minha frente, meu pulso começou a dilatar e a doer intensamente, em me senti tonta por um momento e me apoiei nos braços de Lucius. Droga! Agora não!
Lucius pareceu não notar ou fingiu não notar. Eu sabia o que estava para acontecer e me odiei por isso. Minha visão foi voltando pouco a pouco. Todo estava como antes, menos minha irmã. Seu vestido de renda negro se misturava com sombras mais negras. Elas a rodeavam por toda parte. Pareciam serpentes que se rastejavam pelo seu corpo, seu braço, seu pescoço, sua perna. Minha respiração falhou por um momento ao perceber que suas asas brancas se difundiam com manchas negras. Seu sorriso falhou em minha visão e as imagens pareciam desconexas. Por um momento eu vi os olhos de Bianca me olhar fixamente e então não mais. A visão se dispersou rapidamente, como se nada tivesse acontecido. Eu olhei ao meu redor, desconcertada, para ver se alguém mais havia notado. Todos olhavam ao palco normalmente, como se apenas eu tivesse visto. Provavelmente eu fui à única a ver isso. Eu olhei para Lucius, que ainda estava atrás de mim, mas ele parecia como antes. Ele ainda prestava atenção e não se designou a me olhar. Eu senti algo dentro de mim desmoronar. Eu precisava sair dali. Agora. Eu lutei contra o aperto de Lucius, que eu venci rapidamente. Ele olhou para mim sem entender.

- Claire? – ele perguntou preocupado.

- Eu preciso de um pouco de ar – eu não consegui encará-lo quando disse.

Eu saí, em passos rápidos, para a porta lateral. Alguém tocou meu braço, mas eu me desviei e continuei meu caminho, sem dar atenção. Eu abri a porta rapidamente e andei em direção ao jardim. O vento frio me cercou e eu respirei profundamente, tentando me acalmar. O que tinha acabado de acontecer? O que eu tinha visto? Eu realmente vi isso?
As perguntas foram aumentando enquanto um sentimento agonizante crescia dentro de mim. Raiva. Tristeza. Dor. Eu deveria ter alucinado, só poderia ser isso. Mas e se não fosse? O que aquilo significava? A porta do ginásio se abriu e eu pude ver Lucius, com o rosto sério e preocupado, vindo em minha direção. Eu dei as costas para ele, evitando seu olhar.

- Eu preciso ficar sozinha Lucius – eu falei para ele, um pouco histérica.

- Claire! - ele exigiu minha atenção.

- Por favor sai daqui! – eu disse baixo, como um suplica.

- Claire... – ele soletrou meu nome.

Eu me virei em sua direção e andei ate a ele, mas ainda um pouco distante. Eu não agüentaria não perguntar.

- Você também viu, não viu? – eu perguntei desorientada.

Ele hesitou um pouco, franziu sua testa, parecendo pensar em algo.

- Do que você esta falando? – ele pareceu não saber do que eu estava falando.

- Nada. Eu não to falando... de nada. – Minha voz falhou um pouco, simbolizando as lagrimas que vinham.

Eu me afastei ainda olhando Lucius. Ele estendeu uma mão em minha direção, mas hesitou no último momento. Minhas lágrimas desceram.

- Claire... – ele repetiu as palavras como uma prece.

Eu vi seus olhos cheios de pena e me senti enojada por aquilo. Um turbilhão de sentimentos me atingiu e me enchi de raiva, sem entender o que acontecia. Eu andei até Lucius, em passos rápidos e duros. Eu me juntei a ele, pressionando meu corpo com o dele e descarregando minha raiva nele. Ele pareceu se surpreender com o gesto, mas não se afastou.

- Porque você esta aqui Lucius? – ele me lançou um olhar de desentendimento. Eu tentei esclarecer as coisas – Porque você veio ao baile? Porque dançou comigo se você me evitou durante duas semanas? Porque você me tratou na frente de todo mundo como se realmente se importasse? porque você se importa?– eu levantei minhas mãos ate seu rosto e segurei entre minhas mãos para que ele não fugisse do meu olhar e nem de mim – E porque você me trata assim Lucius?

Minha voz falhou na última pergunta enquanto as lágrimas desciam. Ele me olhou intensamente e sorriu um sorriso triste, sombrio.

- Porque é a única forma de não me permitir ter você – ele simplesmente disse.

Sua voz cotinha a mesma dor que seus olhos tinham. Os soluços se tornaram constantes. E eu senti algo dentro de mim se quebrar. Ele se inclinou para minha boca, ainda com minhas mãos envolta de seu rosto. Então ele me beijou. Sua boca foi gentil no começo, lento e doce. Depois se tornou mais intenso, duro. Despejando todo ódio, raiva, desejo que ele sentia por mim. Eu correspondi com a mesma intensidade. Suas mãos espalmaram em minhas costas, me levantando do chão, enquanto minhas mãos se prendiam em sua nuca. O beijo se perdurou por mais um minuto ou por uma eternidade, eu não sei, ate ele se forçar a se separar de mim. Minhas mãos voltaram para seu rosto, ainda o segurando. Seus olhos me olharam por mais um momento, me perfurando. Mas então suas mãos se fecharam fortemente sobre meus pulsos.

- Adeus Claire – ele disse enquanto tirava minhas mãos do meu rosto.

Ele se virou e foi para porta, se perdendo da minha visão e da minha vida. Eu não consegui chorar. Meus joelhos falharam então eu cai de joelhos ao chão. As palavras pareceram me atingir com todas as conseqüências que as sucederiam. Ele havia me deixado. De novo. Mas dessa vez parecia algo mais sério. Eu me inclinei sobre o meu vestido deixando que a dor me tingisse junto com a realidade. As lágrimas vieram com mais facilidade dessa vez. Eu continuei ali, chorando, alheia e suspensa do mundo real. Eu o havia beijado e o perdido no mesmo dia. Eu não poderia deixar de amá-lo. Eu não poderia perdê-lo agora. Eu não poderia lutar se ele não estava junto a mim. Eu me inclinei mais sobre o vestido e deixei me levar pela dor. Os soluços aumentaram e eu me senti me perder novamente.

- Ta tudo bem com você? – a voz foi gentil e preocupada, mas eu não a reconheci.

Eu o olhei e não o reconheci. Minha visão embaçada foi se recuperando, ate os detalhes voltarem à forma. Ele era alto, vestia um terno preto como a maioria, seu cabelo era loiro e longo, chegando ate seus ombros. Seus olhos eram azuis bem claros, sua boca era fina, mas era lindo de uma forma desconcertante.

- Quem é você? – eu perguntei sem me preocupar.

Ele sorriu um meio sorriso, parecendo divertido com a pergunta.

- Eu sou... – ele arqueou uma sobrancelha, deixando a resposta suspensa no ar. Me ofereceu sua mão para me ajudar a levantar. Eu aceite sua mão e me levantei, ainda o olhando - Victor Lefroy, Claire.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Capítulo 13 - *Presente:

Eu não falo com Lucius faz duas semanas. Desde que tivemos aquele pequeno desentendimento no ginásio, nós não nos falamos mais, nada além do necessário. Ele vem me evitando desde então e eu fiz o mesmo. Eu não preciso de mais preocupações na minha vida. Já basta os meus sonhos se tornarem constantes, minha irmã mal falar comigo e ao fato que falta um dia para o baile de iniciação. As meninas estavam em êxtase com a aproximação da festa, eu nem tanto. Mesmo sabendo que me afastar do Lucius seria melhor para mim, isso não significava que eu não estava sofrendo. Ele saía cada vez mais com a Luisa, passando madrugadas fora do Instituto. Às vezes chegava até machucado, com alguns hematomas. Eu me perguntava o que acontecia nessas suas saídas, mas eu suspeitava que ele não passava muito tempo com a Luisa na boate. Os sinais que ele lutava junto com a Luisa eram cada vez mais evidentes, mas eu não sabia com quem ele lutava ou o porquê. E eu não tinha coragem de perguntar o que estava acontecendo. Eu estava cansada de tentar quebrar a barreira que tinha entre nós. Toda vez que eu tentava alcançá-lo ele se fechava, me humilhando e me ignorando ou me distraindo com seus joguinhos de sedução. Não que eu não gostasse dessa última parte, mas quando você aposta seu coração, as chances de se ganhar são mínimas. E eu sinceramente não agüentava mais perder.
Então eu tentava me distrair com outras coisas.

- O meu vestido é sensacional... – Moira me disse toda empolgada deitada sobre minha cama – mas é surpresa. Só no dia pra você ver, amiga.

Eu revirei os olhos. Moira falou desse vestido umas setenta vezes e parecia não cansar de repetir isso. E como de costume eu já sabia o que ela falaria em seguida.

- Eu não sei como você não aceitou minha ajuda pra escolher o seu vestido – ela fez biquinho e me olhou.

- Eu não queria atrapalhar seção mãe e filha no shopping Moira. Tem séculos que você não vê sua mãe – eu cruzei os braços e falei o obvio para ela.

- Eu sei, eu sei. Mas eu ainda não me conformo que você pegou um vestido emprestado com a Celina – ela balançou a cabeça em negativa.

- E eu já te disse que eu não tenho nem dinheiro e nem família pra pagar um vestido pra mim – eu sentei ao lado dela na cama.

- Você podia fazer igual sua irmãzinha e pedir pro Instituto bancar um – ela me olhou de escanteio.

- Já basta eu viver aqui de graça Moira. Além disso, o vestido que a Celina me emprestou é lindo, ta? – eu me deitei no colchão, ficando em posição contrária a dela.

- Eu amo a Celina, mas os vestidinhos delas são muito sem graça. – Moira olhava o teto do meu quarto, parecendo relembrar cada vestido que Celina já usou.

- Claro!Porque se não for chamativo e nem ter decote é vestido sem graça – eu falei sem olhar para ela, também fitando o teto.

- É lógico! – Moira me disse como se fosse à coisa mais óbvia do mundo.

- Ta bom. Mas você não me contou como foi com o Irial... – eu toquei no assunto mais delicado essa semana para Moira. Irial.

- Eu tentei de tudo: tentei seduzir, me fiz pura, de triste, a inconsolável... – ela virou na cama e ficou de bruços – mas nada, nada, adiantou.

- Sério?! Nem aquela historinha de “minha família não vai vir e eu me sinto tão sozinha”? – o que era uma grande mentira, mas Moira era a Moira.

- Não, nem essa. Mas em compensação ele me explicou porque não vai poder ir comigo... – Moira parou fazendo suspense. Eu chutei seu braço levemente e ela riu, mas continuou – ele já foi convidado por outra, que aparentemente não conhece ninguém no Instituto.

Moira se sentou na cama e fez com que eu fizesse o mesmo. Ela me olhou séria, fazendo parecer que era algo importante.

- Agora me fala algo de suma importância pra eu concluir minhas suspeitas – ela suspirou e disparou – O Lucius vai no baile? Mais importante, ele vai com alguém?

- Eu acho que não – eu olhei para ela desconfiada – eu não o vi arrumando nada pro baile, nem roupa, nem nada. Mas se você ta falando isso por minha causa, eu já disse que vou sozinha...

- Não é por causa disso Claire – Moira me interrompeu – Pensa comigo: Garota que não conhece ninguém no Instituto significa que é recente no Instituto. Não conhece ninguém e quem ela conhece não vai, ou seja...

Nesse momento tudo que a Moira estava dizendo fez todo sentido possível. Deus! A Moira vai matar ela.

- Mentira?! Eu não acredito. A Luisa Minogue...

- Exato – Moira ergueu os braços no ar com o óbvio – Aquela vadia da Minogue vai com meu homem. Não tem outra explicação!

Eu não agüentei e comecei a rir. Para ser sincera eu praticamente gargalhei. Moira abriu a boca em um perfeito ‘O’ e eu ri ainda mais. Ela começou a bater em mim e eu tentei me defender.

- Desculpa Moira... Mas eu jurava que ela ia com o Lucius, mesmo ele não arrumando nada – eu parei de rir – Agora que ela vai com Irial e como tirar um peso de mim, sabe?

Eu inclinei minha cabeça esperando sua resposta, mas ela só me olhava com raiva.

- Pára de ser chata Moira, no meu lugar você estaria fazendo à mesma coisa – ela pareceu concordar comigo nesse ponto – Alem do mais, pensa pelo lado positivo, a maldição Minogue não atinge só a mim, mas como a todas nós.

Ela pegou o travesseiro da minha cabeceira e jogou em mim. Eu me desviei a tempo, mas quase caí.

- HA HA HA! Muito engraçado – eu ainda ria quando ela me disse isso – Mas o pior não é isso. O pior é ter que ir com o Jeremi – ela me jogou um olhar suplicante como se isso fosse a pio coisa que poderia acontecer.

- Bem feito – Moira suspendeu sua sobrancelha surpresa com o comentário – Tentou me jogar pra cima dele, falando que eu tava sozinha e que ele podia ir comigo, agora é você que vai com ele.

- Jogar o Jeremi pra cima de você? – ela perguntou surpresa.

- Não faz essa cara de santa não Moira. Eu sei que você falou pro Jeremi que eu iria sozinha ao baile e como ele também iria sozinho, era pra nós dois irmos juntos. Confessa, não falou? – eu disse um pouco irritada.

- Não! – Moira franziu a testa em negativa.

- Não?!

Mas ela não me respondeu. Segundos depois Celina entrou no quarto carregando uma sacola na mão e praticamente gritando.

- Sentem meninas que eu tenho um bafão pra contar pra vocês – ela parou na nossa frente, com as mãos na cintura e segurando a sacola na mão.

- A gente já ta sentada Céu – eu respondi.

- Que sacola é essa? É o vestido da Claire? – Moira tentou pegar a sacola, mas a Celina afastou-a.

- É, mas o que eu tenho a dizer é mais importante – ela olhou da Moira ate a mim – Preparadas?

Eu e Moira assentimos. Eu podia dizer por nós duas que a curiosidade começou a nós corroer.

- O Instituto vai ganhar um novo membro – Celina disse fazendo suspense.

- Novo membro? – eu e Moira dissemos simultaneamente.

- Um vampiro – ela simplesmente disse.

Por um momento eu e Moira ficamos em silêncio. Um vampiro no Instituto? Só podia ser brincadeira. Se tinha uma coisa que o Conselho odiava mais que os executadores, eram os vampiros. O acordo feito por ambos só significava um tratado de não agressão, por que fora dos papeis eles mal se suportavam. Agora para o Conselho trazer um vampiro para o Instituto só poderia significar duas coisas, ou era uma mentira, ou era algo muito sério.

- Mentira! – Moira foi a primeira a se expressar.

- Como você sabe disse? – eu perguntei antes de ela responder a Moira.

Celina deixou a sacola no chão, sentou ao nosso lado e começou a explicar.

- Bem digamos que meu fodastico namorado conseguiu essa informação pra mim – ela disse toda orgulhosa.

- Viu? – Moira apontou para Celina – é disso que eu preciso.

- Um vampiro? – eu perguntei sem entender. Celina também pareceu não entender.

- Também, mas não é isso. Eu preciso é de um namorado assim, influente e importante.

- Mas felizmente o Sam já tem dona – Celina disse toda ofendida.

- Não que eu não gosto do Sam Celina, mas ele é muito certinho.

- E o Irial não é? – eu perguntei divertida.

- Mas o Irial é uma exceção – Moira sorriu maliciosamente – Quem precisa ter uma conversa sobre princípios quando se tem aqueles músculos pra se olhar?

Eu revirei os olhos para ela, mas não deixei de concordar. – Ta bom Moira, mas voltando o foco. Por que um vampiro iria vir para o Instituto?

- Pelo que o Sam ficou sabendo o tal vampiro estaria vindo ao Instituto fazer uma investigação em nome do Conselho. Vocês sabem, eles têm aqueles poderes de subjugar e tal...

- Investigação? – eu perguntei meio preocupada – Investigação do que?

- Ninguém sabe. Top secret, babe. – Celina disse se sentindo – Mas isso já explica muita coisa.

- Explica? – Moira tirou as palavras da minha boca.

- Claro. Foi por isso que o Conselho trouxe a melhor executadora pro Instituto, além de explicar melhor como matar um vampiro, ela poderia fazer isso se alguma coisa não der certo.

Na segunda vez no dia outro raciocínio que fazia total sentido. Então foi por isso que a Minogue foi traga para o Instituto. Para regular a atividade de um certo vampiro no Instituto. Mas isso não me preocupava, o que realmente preocupava era o motivo desse vampiro vir pra cá. A investigação provavelmente envolvia os recentes ataques do espectro, o que me envolvia diretamente ao assunto.

- E ele vai vim pra cá quando? – eu perguntei.

- Parece que no dia do baile de iniciação.

- Mas isso é muito propício... – Moira parecia divagar sobre algo.

- Propício? – eu perguntei sem entender – Propício a que?

- Passar ciúmes em certo alguém que me trocou por uma executadora. Nada melhor que um vampiro pra fazer isso.

Eu e Celina rimos. Se tinha alguém que enlouqueceria um homem facilmente seria a Moira, ainda por cima o Irial. Tadinho, eu já estava com dó dele.

- Mas eu preciso saber algo muito importante antes de arquitetar meus planos – Moira se virou para Celina, séria – Como ele é?

Celina abafou uma risada – Isso infelizmente eu não sei.

- A que bom! Fofoca pela metade não é fofoca Céu. – Moira disse indignada. Eu apenas ria.

- A única coisa que eu sei é o nome dele – Celina ignorou o comentário da Moira e continuou – Victor Lefroy.

- Victor Lefroy... – eu repeti inconscientemente.

- Nome de impacto... Presença... - Moira me interrompeu - Já gostei dele!

- E que homem você não gosta Moira? – Celina perguntou debochando.

- Vários... Os chatos, sem graças, menininhos de 20 anos de vida, basicamente, os não gostosos – Moira respondeu.

- Nossa! Isso é mega fácil de encontrar – eu disse ironicamente.

- Eu tenho que te informar amiga que nesse Instituto é fácil de encontrar sim.

Moira se fez de desinteressada e disparou – Se pelo menos você parasse de olhar seu Lucius-divine, você notaria isso.

- Disse à menina que é obcecada com um treinador faz três anos – eu retruquei.

- Eu já entendi. – Celina tentou dispersar a briga – Vocês estão encalhadas, mas não precisam discutir entre si. É ate meio vergonhoso.

- Encalhadas? – Moira me olhou indignada.

- Vergonhoso? – eu olhei para Moira percebendo que pensávamos a mesma coisa – eu vou te mostrar o que é vergonhoso...

Eu empurrei a Celina sobre a cama enquanto a Moira pegava meu travesseiro do chão e a sufocou, mas isso só demorou cinco segundos até Celina nos empurrar manualmente e mentalmente.

- Assim não vale! – eu disse emburrada.

- Como se eu fosse deixar isso acontecer! – Celina arrumava o cabelo e tentava não rir – Mas eu não vim aqui só pra fofocar. Eu também vim pra isso!

Com um movimento rápido Celina pegou a sacola que ela trouxe que estava no chão e colocou em cima da cama.

- Aqui... – ela tirou o vestido da sacola e o ergueu no ar – Experimenta!

Eu e Moira olhamos o vestido. Ela já tinha me mostrado antes, mas assim ele parecia um pouco diferente. Ele costumava ter uma renda preta por cima da malha bege, era um vestido longo, com um decote em v na parte da frente. Ele era justo ao corpo e elegante, mas agora... Agora ele não parecia nada com isso.

- Eu fiz algumas modificações – ela explicou ao ver o meu olhar e o da Moira.

- Eu acho que notei isso. – eu disse sarcasticamente.

- Eu acho que me enganei em relação ao gosto da Celina – Moira disse tão encabulada como eu.

- Experimenta logo Claire – Celina disse empolgada.

- Ta, já vou.

Eu vesti o vestido e me olhei no espelho. Ele tinha alguns bordados ao longo dele, o que destacava as rosas rendadas. Em vez de longo ele estava bem curto, para falar a verdade eu podia ver a voltinha do meu bumbum e o decote em V parecia um pouco maior. Eu estava um pouco sensual demais.

- Agora coloca as sandálias – Celina mandou.

- Sandálias? – eu perguntei surpresa.

- Você acha que eu deixaria o vestido perfeito sem a sandália perfeita? – Celina me perguntou e pegou uma caixa dentro da sacola – Aqui!

Ela me entregou os sapatos e eu os encarei por um momento. Ele era preto, cheio de tiras no estilo gladiador, de salto e com taxinhas pratas. Eram lindos. Eu me sentei na cama e os calcei. Os admirei por um momento enquanto Celina mexia mais uma vez na sacola.

- Espera um pouco – ela se levantou e ficou na minha frente.

Primeiro ela soltou meu cabelo que estava preso, depois pegou uns grampos que estavam em suas mãos e prendeu meu cabelo na lateral, deixando o resto solto. Por último passou um batom vermelho vivo na minha boca e me olhou. Ela parecia orgulhosa de si mesma. Eu me levantei e fui me olhar no espelho. E pela primeira vez em meses eu me achei extremamente bonita.

- Agora te imagina com uma sombra preta, uma maquiagem descente e Tcharã! – Celina disse atrás de mim, enquanto observava o reflexo no espelho.

Nós três ficamos em silêncio observando o ótimo trabalho que Celina havia feito.

- Agora imagina a cara do Conselho quando eles te virem assim! – Moira falou o que eu não tive coragem de dizer – Mas amiga você ta... Linda!

- Talvez eu tenha deixado ele curto demais – Celina avaliou o vestido de novo.

- Talvez? – Moira disse ironicamente.
- Mas isso é fácil de resolver. Só eu colocar uma renda preta na barra...

Porém Celina foi interrompida. A porta do meu quarto foi aberta abruptamente pelo o cara que eu menos queria ver agora.

- Hora do jan... – Lucius parou de falar diante do que via.

Ele me avaliou uma segundo vez, sem disfarçar, mesmo com a presença das meninas. Eu me aproveitei e me virei, dando uma visão melhor. Eu ainda observava sua reação. Ele pareceu engolir em seco. Eu me virei novamente, me fazendo de “a indiferente”.

- Eu acho que assim ta ótimo Céu... – eu olhei do vestido para o Lucius – O que você acha Lucius?

Eu tentava não provocá-lo, mas eu não conseguia. Quando eu via já tinha falado. Ele pareceu tentado a responder, mas não o fez. Invés disso:

– Hora de jantar, ou seja, fora do meu dormitório meninas. – ele disse duramente.

Celina me olhou surpresa e um pouco aborrecida. Já Moira fingiu que ele nem estava lá e disse algo que eu não esqueceria tão fácil.

- Por isso que eu te amo garota – ela se levantou da cama e foi até a mim – Eu pensei que ficaria chocada com a reação do conselho ao te ver assim – ela apontou para mim – mas a reação do Lucius acabou de superar isso.

Eu tentei me controlar e abafar o riso, mas isso só piorou as coisas. Moira pegou a Celina pelo braço e a levou até a porta, deixando sacola, batom, vestido e sandália para trás. Lucius parecia querer enforcar a Moira, mas a Moira não ia parar por ai, lógico!

Ela parou em frente ao Lucius e não satisfeita com o que tinha acabado de dizer, completou – É hora da janta Lucius, mas não é pra confundir minha amiga com um aperitivo e tentar comê-la não, ta?

Moira e Celina saíram apressadas do quarto, rindo e gritando pelo dormitório, não dando tempo de Lucius reagir. O que o deixou bem mais irritado, mas isso não me evitou rir da cara dele. Ele olhou para mim novamente, eu dei de ombros e comecei andar ate a porta. Ele colocou seu braço no patente da porta me impedindo de passar, me olhou mais uma vez, mas dessa vez ele parecia estar no limite.

- Onde você pensa que vai? – ele soletrou cada silaba com maxilar apertado.

- Eu vou na cozinha aqui ao lado. Eu não vou dar a graça da minha presença no refeitório, pelo menos não hoje – eu arqueei uma sobrancelha para ele – Por quê? Você vê algo impróprio na minha roupa?

E lá estava eu de novo provocando ele. Não deveria ser assim. Não mesmo, mas eu não conseguia não fazê-lo. Principalmente vendo como isso o perturbava. Ele tirou o braço da porta e eu pude notar algo em seus olhos azuis. Desejo. Ele parecia dividido em fazer algo ou não. Mas eu não dei tempo para ele e sai do quarto, indo para a cozinha, comer algo e me distrair daquilo que eu também sentia, além do desejo. Saudade.




Eu senti um leve empurrão nas minhas costas. Eu me virei na cama me negando a me levantar. Outro empurrão, mas dessa vez não foi nada delicado. Eu reclamei dessa vez e continuei a dormir. O próximo empurrão foi mais que desagradável, eu quase rolei da cama para o chão. Eu não tive muitas opções além de levantar.

- O que foi? – eu gritei em resposta.

- Tem alguém querendo te ver – Lucius simplesmente disse.

A porta atrás de mim se fechou com a saída do Lucius. Eu me obriguei a levantar da cama e trocar de roupa. Abri a porta na expectativa de ver alguém, mas não havia ninguém que eu poderia ver dali. Fui ao banheiro rapidamente escovar os dentes e molhar meu rosto. Eu ainda estava morrendo de sono, principalmente sabendo o que aconteceria hoje à noite. Eu estaria oficialmente no Instituto, com o Conselho aprovando minha presença, eu juraria ser fiel aos meus ensinamentos e receberia meu colar de iniciação. O símbolo que eu havia aceitado as condições de estar aqui e que saberia lidar com as conseqüências dos meus atos daqui em diante. Mas isso seria só hoje à noite – eu tentei me acalmar. Mal sabia eu que as conseqüências dos meus atos hoje à noite afetariam a minha vida radicalmente.
Saí do banheiro e fui ao encontro da minha inesperada visita. Ela usava um vestido longo, floral, em tons azuis e verdes. Usava seu cabelo amarrado, uma sandália rasteira nos pés e uma grande caixa retangular em suas mãos. Ela se virou para mim percebendo minha presença e sorriu. Conhecia poucas pessoas que eu considerava como uma família para mim e ela era uma delas. Sura. Eu a abracei afetuosamente, ela me abraçou de volta da mesma forma. Eu me sentei ao lado dela no sofá. Ela me encarou por algum tempo, sorrindo, parecendo avaliar meu estado.

- Desculpa te acordar tão cedo Claire – ela acariciou meu braço brevemente – mas eu tinha que falar com você antes de sair do Instituto.

- Sair do Instituto? – eu perguntei confusa.

- É – ela baixou seus olhos até suas mãos e voltou a me olhar novamente - Infelizmente eu não vou estar presente no baile de iniciação.

- Por quê? – perguntei um pouco preocupada.

- Coisas do Conselho - ela parecia embaraçada ao me explicar – um pouco complicado pra explicar agora, mas não é nada de mais Claire.

Ela parecia nervosa, suas mãos estavam juntas e seu corpo tenso. Eu sabia que ela estava me escondendo algo, mas eu não tive coragem de perguntar. Principalmente ao ver o seu estado, ela estava triste eu pude perceber, seus olhos mal me encaravam. Ela parecia se sentir culpada por algo, mas não parecia disposta a compartilhar seus segredos comigo. Eu apenas juntei minhas mãos as dela, simbolizando que eu entendia, mesmo não sabendo o porquê, eu entenderia suas escolhas independentes de qual fossem. Ela segurou minhas mãos fortemente por alguns segundos, me olhando e me agradecendo silenciosamente pelo gesto.

- Eu realmente espero Claire que tudo dê certo esta noite. Eu espero que o tanto o Conselho como o Instituto te aceite como eu te aceitei na minha vida – ela puxou minhas mãos e beijou ternamente minha testa.

- Mas eu não vim só para me despedir – ela pegou a caixa que estava sobre o braço do sofá e me entregou – eu tenho um presente pra você.

Eu peguei a caixa e percebi que ela era mais pesada do que eu imaginava. Tirei a tampa da caixa e vi um fino papel sobre o que parecia uma roupa. Eu olhei Sura sem palavras. Ela estava me dando um vestido e não era qualquer vestido. Desdobrei o papel lentamente com medo de rasgá-lo, depois tentei tirar o vestido da caixa. Ele era grande e pesado. Sura me ajudou a tirar da caixa. Meus olhos se abriram em surpresa. Não havia nada mais lindo do que eu via a minha frente.



******



O dia passou rápido, já que eu passei a tarde inteira no quarto das meninas. Elas tinham improvisado um pequeno salão de beleza lá, então passamos o tempo fazendo as unhas, arrumando o cabelo, limpando a pele e tudo que nós tínhamos direito. Eu já havia esquecido, temporariamente, o meu nervosismo pré-festa. Mas eu ainda não tinha contado a Celina que tinha ganhado um novo modelo de vestido para hoje à noite.
Nós estávamos deitadas no chão do quarto esperando que o esmalte secasse para depois tirarmos a mascara de creme do nosso rosto.

- Você ainda não nos disse como o Lucius se comportou depois que deixamos vocês no quarto sozinhos... – eu já podia ver o sorriso malicioso formando no rosto da Moira, mesmo estando deitada e não podendo ver seu rosto.

- Eu pulei em cima dele e o resto você já sabe.

Ela me acotovelou e eu ri espontaneamente – O que você quer que eu diga Moira?

- A verdade, hora!

- A verdade é bem mais chata. Eu fui para cozinha comer enquanto ele foi ao banheiro tomar banho, depois tomei banho e cada um foi para o seu quarto dormir.

- Eu até imagino o que ele foi fazer no banheiro...

- Moira! – Celina contestou bravamente, Moira riu e eu desconsiderei o comentário e continuei.

- Céu eu também tenho que te falar uma coisa – eu virei de bruços com cuidado para não estragar minhas unhas vermelhas e a encarei – eu não vou poder usar seu vestido.

- Por quê? – ela perguntou surpresa com a minha confissão inesperada – eu sei que ele está curto, mas...

- Não é por causa disso Céu – eu falei na defensiva – a Sura me deu um vestido para eu usar no baile.

- Ela te deu um vestido? Assim do nada? – Celina esqueceu totalmente o que eu tinha acabado de falar e eu assenti, agradecida por isso.

- E como que ele é? – Moira se manifestou.

- É sensacional, mas é surpresa. Só hoje á noite pra você ver, amiga. – eu repeti as palavras que ela tinha me dito um dia antes - e falando em vestido...

Eu me levantei ainda sobe as reclamações da Moira e Celina, elas me seguraram pela perna e eu ria, as puxando.

- Eu tenho que ir me arrumar! – eu tentei não rir e ficar séria – Agora mesmo já é o baile e...

- E você vai sair com essa mascara na cara? E com o cabelo preso assim? – Moira perguntou ainda deitada no chão.

Eu tinha me esquecido da mascara e do meu cabelo. Eu olhei desconcertada para Moira, mas ela parecia ter um plano em mente.

- Eu já sei o que a gente pode fazer – ela se levantou e me olhou – a gente vai arrumar no seu quarto.

- E isso resolve alguma coisa? Nós vamos ter que atravessar o Instituto de qualquer jeito e desse jeito – eu apontei para o meu rosto.

- E você acha que eu me importo? – ela puxou Celina pelo braço e a levantou – Você se importa Céu?

- Não, desde que você não estrague meu esmalte – ela conferiu suas unhas.

- Então podemos ir? – ela me perguntou.

- E suas coisas vão ficar aqui? – eu retruquei.

- Nada que não podemos carregar – ela me disse sorrindo – Além do mais eu tenho que ver a reação do Lucius quando te ver.

- Você que sabe – eu dei de ombros.

Então nós fomos ao meu quarto, carregando os imensos vestidos, sandálias, acessórios, a nécessaire de maquiagem, com o rosto cheio de creme e nossos cabelos prendidos. Felizmente não tinha muitas pessoas circulando pelo Instituto, então quase ninguém nos viu, alem do pessoal da organização da festa. Outro empecilho foi passar pelo jardim externo invés do refeitório, já que era restritamente proibido passar por lá devido à decoração do baile. Mas eu não me surpreendi ao chegar ao dormitório e não encontrar ninguém. Eu não esperava que ele estivesse lá ou que fosse a festa de iniciação. E mesmo assim eu me sentia magoada, decepcionada, eu esperava pelo menos que ele estivesse ali, mesmo que não me falasse nada ou nem me olhasse. Eu esperava que ele não esquecesse o que ele significava para mim. Mas provavelmente ele passaria mais uma noite lutando, mas dessa vez sem a Luisa.
Eu entrei no meu quarto carregando as caixas de sapatos das meninas e as deixei em cima da cama. As meninas me seguiram e fizeram o mesmo. Celina deixou seu vestido sobre a cama e Moira fez o mesmo. Meu vestido estava em um cabide prendido no puxador do meu quarda roupa, envolto por uma capa preta, não deixando o amassar e ninguém ver. Moira foi instantaneamente em sua direção. Eu a impedi que chegasse perto e bati em suas mãos.

- Nem pense nisso Moira! – eu a avisei.

- Mas como você é chata! – ela reclamou.

- Onde eu posso colocar isso? – Celina levantou a nécessaire.

- Em cima da minha escrivaninha – eu apontei com a cabeça.

Foi nesse momento que eu percebi que minha tulipa, que costumava ficar dentro da gaveta, estava no meio da escrivaninha. Celina e Moira pareceram não perceber e mesmo se perceberam não se importaram. Celina colocou a nécessaire sobre a escrivaninha, a abriu, tirou duas escovas de dente de lá e se virou para mim.

- Agora eu vou tomar banho, mas eu esqueci de um pequeno detalhe. Você tem uma... – ela olhou para Moira que ainda olhava meu vestido coberto e voltou olhar para mim – quer dizer, você tem duas toalhas para me emprestar?

- Tem. Esta na gaveta última gaveta, na parte esquerda do quarda roupa, foram àquelas toalhas de banho que você me deu – eu expliquei a ela.

Ela andou ate o meu quarda roupa e tirou as toalhas de lá. Em seguida entregou a toalha e a escova de dente a Moira.

- Eu vou ser a primeira a tomar banho, já que sou eu que vou ter todo o trabalho de nos maquiar – ela saiu do quarto, deixando eu e Moira no quarto.

- Tanto faz. Eu vou assistir tv. Você vai também Claire? – ela me falou já indo para a sala.

- Depois – eu gritei de volta.

Eu esperei ela se afastar e depois encostei a porta delicadamente para que ela não ouvisse. Se ela soubesse disso eu teria que explicar muitas coisas e eu não estava disposta a isso nesse momento. Eu ouvi a TV sendo ligada e segundos depois a Moira gritando “adoro essa música” enquanto ela aumentava o volume do aparelho. ‘Tainted Love’, do Marilyn Manson, ressoou pelo dormitório. Eu também adorava essa música, mas eu tinha coisas mais importantes a fazer agora. Eu fui até a escrivaninha e peguei a tulipa em minhas mãos. Agora ela estava totalmente seca. Eu a recoloquei no lugar. Eu abri a gaveta um pouco hesitante para saber o que estava no lugar da flor. Uma pequena sacola de veludo verde apareceu dentro da gaveta. Eu a peguei e percebi que estava pesada. Eu fui até a minha cama, ainda carregando a sacolinha de veludo, e me sentei. Eu a balancei tentando adivinhar o que tinha dentro. Eu a abri e esparramei o conteúdo sobre a cama. Era a última coisa que eu imaginava. Eram brincos. Eu peguei um e avaliei melhor. Tinha pequenas pedras brilhantes que compunham uma flor de cinco pontas, abaixo havia uma pedra maior em forma de gota. Eu olhei novamente. Mas não poderia ser... Eram pesadas demais para serem replicas e se fossem eram bem feitas. Se eu estivesse certa, eu estaria olhando para um brinco de brilhantes. Eu presumi quais eram as chances que eles realmente fossem de diamantes e conhecendo Lucius eu sabia que havia varias chances de serem. Afinal ele não havia me esquecido.




Moira bateu na porta já impaciente.

- Você já ta pronta? – ela perguntou nervosa.

Eu me olhei e sabia que ainda faltava muito para acabar de me arrumar. Eu usava apenas calcinha, um sutiã tomara que caia e a sandália que eu tinha ganhado da Celina. Eu já deveria estar pronta, mas o nervosismo tinha voltado. Eu não podia mais segurar elas aqui. Nós passamos duas horas nos arrumando. Celina e Moira já estavam prontas. Elas estavam lindas, cada uma em seu estilo. Celina vestia um vestido longo com uma estampa floral, em tons amarelos, brancos e rosa-avermelhado. O tecido leve foi torcido na parte da frente formando um delicado decote, a baixo dos seios havia uma fina fita de cetim branca amarrada que combinava com a fita branca que Celina havia amarrado no cabelo. Seu cabelo estava preso em um lindo penteado, sua maquiagem era leve, sombra bege com um fino traçado de delineador e nos lábios apenas brilho. Sua sandália era prata com um pequeno salto, ela usava um brinco de perola e só.
Já Moira usava um vestido de cetim com estampa preta e bege-escuro em zig-zag. Ele era frente única, com um lindo decote nas costas, o vestido era sustentado no pescoço por uma corrente grossa dourada e tinha um tecido grosso preto trançado na cintura. Suas sandálias lembravam as minhas, era pretas, mas tinham poucas tiras, eram um pouco mais altos e não tinha taxinhas. Sua maquiagem já era mais pesada, usava sombra preta e um batom snob, seus brincos eram dourados e longos. Só na maneira de se vestir já poderia se notar como elas eram diferentes, mas nesse momento elas pareciam do mesmo jeito. Irritadas.

- Podem ir meninas. Eu me arrumo sozinha – eu as dispensei antes que elas me espancassem.

- Você tem certeza? Não precisa de ajuda? - Celina me perguntou.

- Tenho, podem ir.

- Isso é só para gente não ver o vestido, ne? – Moira perguntou, mas eu não respondi – Espero que o esforço valha a pena. Então a gente se vê no salão.

- Ate então – Celina se despediu.

Eu ouvi a porta sendo fechada. Meu corpo relaxou instantaneamente. Eu deveria estar pronta. Agora mesmo seria a apresentação dos iniciantes e eu ainda estava aqui de calcinha, sutiã e sandália. Eu me olhei no espelho. Eu me parecia outra. Eu não usava sombra, apenas um leve delineador preto, em minha boca havia um batom vermelho vivo, o mesmo que eu usei no outro dia e meus cabelos estavam soltos levemente ondulados. Eu me levantei e peguei o vestido do cabide. Ele era pesado, mas eu consegui tirá-lo do saco preto. Abri seu zíper lateral e o baixei ate meus pés. Depois coloquei pé ante pé, tomando cuidado para não sujá-lo com minhas sandálias, e o suspendi, fechando o seu zíper. Fui ate minha escrivaninha, abri a gaveta esquerda e tirei os brincos da sacola verde. Eu os coloquei, repassando em minha cabeça o que aconteceria aqui. Eu deveria continuar no Instituto mesmo com os ataques? Mesmo com meu envolvimento mal resolvido com o Lucius? Mesmo percebendo que eu estava me afastando da minha irmã? Mesmo sabendo que havia segredos demais para serem revelados? Eu não queria admitir, mas eu já sabia a resposta. Sim.
Eu me olhei no espelho pela última vez, conferindo se nada estava fora do lugar. A parte inferior do vestido era muito pesada devido à quantidade de tecido por baixo da saia, o que o deixava bastante amplo e rodado. Ao longo da barra havia bordados delicados de pequenas flores que se torneavam pelo vestido branco, com tons verdes e vermelhos, mas que mal se poderia notar. Já a parte de cima era justa ao corpo, parecido com um corpete, que delineava os seios até o meio da sua volta. Também era branco com detalhes florais bordados a mão. Eles apareciam mais perto do decote e ganhavam pequenos cristais em volta do seio. Eu não poderia descrever tamanha perfeição e em meu corpo parecia ganhar vida, contornando nos lugares certos e se ajustando ao meu tamanho.
Eu respirei profundamente e me despedi do meu quarto. Já era hora de enfrentar meu destino, ele querendo ou não.



A porta principal do refeitório estaria fechada devido ao palco improvisado que montariam ali. Então eu entrei pela porta próxima ao ginásio. Eu abri a porta lentamente tentando não chamar atenção, mas não adiantou muito. Mesmo os iniciantes já se apresentando no pequeno palco, isso não impediu que todos olhassem em minha direção. Pareciam ate que esperavam minha chegada. Ouvi alguns burburinhos e olhares indiscretos. Mas todos, todos, pareciam surpresos e encantados com minha presença. Eu senti algo dentro de mim crescer. Confiança. Meus passos eram lentos, eu sorri para todos que me olhavam, sendo simpática. Enquanto alguns acenavam á distância eu observei a decoração do salão. As mesas de granito haviam dado lugar para mesas decoradas em tons brancos e vermelhos. No centro de cada mesa tinha um pequeno arranjo de flores, com galhadas brancas ganhando destaque. As janelas laterais estavam cobertas por imensas cortinas transparentes vermelhas. Ao fundo havia a mesa com a comida, sendo servidos por utensílios de prata. Ao longo do salão foram colocadas velas em castiçais de prata, dando um toque de antiguidade. Era tudo lindo. Eu cheguei à parte em frente ao palco e vi minha irmã. Ela estava linda em um vestido de cetim preto frente única, era justo, com formato de calda de sereia. Mas nada se comparava com o efeito que dava ao contraste de suas asas brancas e seu vestido negro. Eu havia visto asas, mas não havia reparado em nenhuma em especial. Ali tinha vários anjos, cada um com suas asas e histórias, mas não me importava.
Eu olhei o palco e percebi que minha irmã estava chamando os iniciantes, cada um a sua hora. Eles subiam rapidamente, cumprimentavam o Conselho e recebia o colar simbolizando sua iniciação no Instituto. Prontamente alguém, da família ou amigo, o buscava e ele descia.

- Claire Bauer – Bianca disse sorridente.

Então meu nome foi chamado e eu me senti gelar. Todos me olharam instantaneamente. Eu suspirei e comecei ir em direção ao palco. Tudo parecia passar em câmera lenta. Eu subi ao palco e minha irmã me abraçou. Ela me deu os parabéns brevemente e me virou para colocar meu colar. Eu senti o frio tocar minha pele quando a corrente de prata deslizou pelo meu pescoço. Eu olhei o pingente rapidamente. Era um trisquel, igual ao que estava no meu pulso, só que menor. Eu me virei para Conselho que estava sentado atrás de uma grande mesa comprida. Era cinco no total, todos eram anjos de nascimento. Eu sabia apenas os seus nomes. Anne foi a primeira que cumprimentei, depois Ariel, Dalila em seguida, Eliel e por último Samuel. Eu não poderia descrever suas fisionomias porque desde que meu nome foi dito tudo passou como um borrão. Eu me virei indo em direção à pequena escada. Tropecei sobre o vestido antes de chegar lá. Eu tentei disfarçar, mas quando eu olhei a multidão, eu me paralisei. Desta vez não haveria ninguém para buscar essa iniciante. Bianca não me desceria, Sura nem estava ali para me ver e Lucius não havia aparecido o dia inteiro. Eu engasguei tentando conter as lágrimas. Eu me sentia sozinha, por falta de uma coisa básica na vida de qualquer ser humano. Família. Eu recolhi meu vestido na tentativa de não tropeçar novamente. Eu olhei o chão para ver onde eu pisava. Uma segunda olhada a minha frente e eu percebi que o publico se dispersava. A apresentação havia acabado. Mas então a multidão se abriu repentinamente com a invasão de um lindo homem. Ele usava um terno cinza riscado e sapatos sociais. Ele parecia serio, mas seus olhos azuis estavam focados em mim. Ele andou em passos rápidos, mas ninguém pareceu perceber. Ele andou ate a mim, subindo os degraus e parando a minha frente. Uma música começou a tocar ao fundo, lenta e compassada.
Lucius ofereceu sua mão para mim, como apoio. Eu me vi sorrir abertamente para ele, agredecida e feliz, feliz como eu esperava que eu estivesse hoje, mas não tinha esperanças que acontecesse. Ele sorriu de volta e chegou sua mão mais próxima a mim. Eu coloquei minha mão sobre a dele e dessa vez aceitei o seu melhor presente. Sua presença.

sábado, 15 de maio de 2010

Capítulo 12 - *Ressentimento:

As próximas aulas foram calmas. Se é que Moira e Celina fazendo sinais e sempre chamando minha atenção poderia ser considerado calmo, mas eu apenas me resignei a prestar atenção na aula. No refeitório as coisas não foram bem assim.

- E aí? O que a Minogue queria com você? – Moira me perguntou enquanto dava uma garfada na sua salada de frutas.

- A Minogue?! – Jeremi me perguntou um pouco sério.

- É. A Minogue. Você acredita que ela brigou com a Claire por causa do Lucius, ainda a chamou pra conversar no final da aula!? – Celina respondeu rapidamente.

Foi à vez de Sam se manifestar – Brigou com a Luiza?

- Ta aí uma briga que eu queria ver. Você tava usando aquele biquíni azul? – Jeremi perguntou realmente interessado.

- Não! – eu quase gritei para ele.

-Que pena.

-Ta. Ta, mas não é isso que interessa. O que ela disse? Vai, fala! – Moira disse um pouco agitada.

- Eu não vou falar é mais nada! – eu pronunciei irritada – Se for pra vocês continuarem a aumentar a história desse jeito.

- Talvez nós aumentamos a história um pouquinho, mas também não é pra tanto Claire – Celina me disse tentando me convencer. Mas eu sabia que ia perder essa, então contei tudo de uma vez.

- Ela veio me pedir desculpa pelo jeito que tinha me tratado.

Celina abriu um pouco a boca, Moira sibilou um “sério?” pra mim, Sam parecia não entender nada e Jeremi ficou um pouco pensativo.

- Pra ela te pedir desculpa é porque a coisa foi séria mesmo – Sam me disse mesmo sem entender nada. Ele era um dos mais aplicados dos principados e sabia bem como cada grupo agia, principalmente os executadores.

- Concordo plenamente com o Sam. Mesmo achando que aquela vaca deveria era apanhar em vez de simplesmente pedir ‘desculpa’ pra você – Moira concluiu.

- Mas não foi bem uma desculpa... – eu disse, deixando todos suspensos por um momento.

-Claire, ou ela te pediu desculpas ou não, amiga! – Celina disse.
- Pra falar a verdade ela só me pediu desculpas porque o Lucius pediu pra ela. – eu olhei para cada um esperando suas reações. Para minha surpresa o primeiro a falar foi o Jeremi.

- O Lucius pediu pra ela? – ele perguntou meio incrédulo. Eu simplesmente assenti.

-O Lucius? – Celina completou.

- Nossa amiga você ta tendo uma moral com o Lucius. Primeiro conversinha sozinhos no refeitório, depois pedido de desculpas. Sei não, en! – Moira disse ironicamente.

- Super moral, você não sabe como! – eu retruquei.

- Dessa vez eu vou ter que concordar com a Moira – nesse momento Moira abriu os braços e gesticulou para Sam, agradecida – O Lucius não faz isso por qualquer um.

Sam me olhou, assim como todos, esperando uma resposta. Mas honestamente eu não sabia o que responder. Eu sabia que Lucius sentia ou senti algo por mim, mas, depois de tudo que ele disse para mim, eu não sabia se o seu ódio e magoa tinha abafado esse sentimento. Então preferi ficar calada em vez dizer algo, dei de ombros e continuei comendo. Todos pareceram fazer o mesmo e começaram a pensar, cada um na sua, sobre o que tinha acontecido. Conversamos pouco depois disso, mas o tempo também era curto até a próxima aula. Não demoramos muito até cada um ir para sua aula. Moira, Celina e Sam foram para aula experimental da Sofia enquanto eu e Jeremi fomos para aula do Lucius.

- Você não me contou dessa briga com a Minogue. – Jeremi protestou parecendo um pouco aborrecido.

- Eu não tive muito tempo pra isso, ne Jeremi! – eu retruquei. Ele deu de ombros, fazendo charminho.

- E o Lucius ficou muito irritado depois que eu fui embora? – ele perguntou.

- Como você sabe?

- Meio previsível depois que ele nos olhou daquele jeito na quadra e andou todo carrancudo. – Jeremi fez uma imitação idêntica do Lucius irritado e eu ri abertamente – Mas eu não o culpo, sabe? Eu crio esse efeito nas pessoas, principalmente nas meninas... É atração demais!

Ele me olhou de soslaio, observando minha reação. Eu apenas ria, muito. Ele continuou a disparar contra mim.

-Mas parece que nem todo mundo nota isso... – ele me olhou e fez biquinho.

Eu mostrei a língua para ele, infantilmente. O empurrei com meu ombro, mas ele se desequilibrou e quase caiu. Eu ri ainda mais. Ele me olhou maliciosamente, soltou sua mochila no chão e sibilou para mim: “corre”. Eu não pensei duas vezes e sai correndo pelo corredor, mas ele me alcançou antes da porta dupla. Eu gritava e ria enquanto ele me abraçava por trás e fazia cócegas, eu já tinha perdido a minha mochila no processo. Ele nos empurrou pela porta dupla e nosso riso ressoou pela quadra. Eu ri ainda mais vendo a reação de todos na quadra, todos nos olhava como se fossemos uma aberração. Eu simplesmente dei de ombros. Jeremi parou suas cócegas e me abraçou, ainda por trás, e beijou minha bochecha. Eu olhei de esguelha e o reprovei com o olhar. Ele riu mais, mas tentou se conter quando alguém apareceu na nossa frente. Eu olhei para frente ainda rindo, porém o sorriso foi se desvencilhando pouco a pouco vendo a expressão furiosa de Lucius.

- Eu vou pegar nossas mochilas pra gente trocar de roupa... Juntos – ele sussurrou no meu ouvido.

Ele me soltou e em reflexo eu olhei para ele. Jeremi bateu continência para Lucius e simplesmente olhou para mim e piscou. Eu não o vi sair pela porta dupla porque eu tinha que ver a reação de Lucius. Ele tinha os braços cruzados sobre o peito, sua feição fechada e dura, uma de suas mãos estava fechada em punhos, mas ele ainda encarava a porta, furiosamente, e não para mim. E inegavelmente eu tive que admitir para mim mesma que ele ficava até mais bonito assim. Percebendo que eu o olhava, ele olhou para mim e ficamos nos olhando por um momento. Eu desviei meu olhar do dele, me lembrando como Jeremi o havia enfrentado indiretamente, tentando segurar o riso para não rir na cara de Lucius e da cara dele. Eu pensei que ele jogaria na minha cara todo o que ele tinha me dito ontem, mas ele simplesmente me disse:

- Chegando atrasada... De novo. – ele não gritou ou me segurou apenas me disse calmamente enquanto me avaliava.

Eu também cruzei meus braços e encarava a parede de vidro, sem olhar para ele. Eu ainda sentia raiva, ódio pelo o que tinha ocorrido ontem, ele me fez me sentir impotente, ignorante e o pior, culpada. Mas eu não deixaria isso transparecer para ele. Eu o olhei ainda mais irritada.

- Eu tinha coisas mais importantes pra fazer. – descruzei os braços e esperei que ele falasse algo.

Ele se resignou a ficar me olhando, seus olhos entrecerrados e seu maxilar trincado. Ele abriu a boca para falar algo, mas foi interrompido pelo som da porta dupla se abrindo. Eu olhei para atrás e vi Jeremi segurando, desajeitado, as duas mochilas. Ele chegou perto de mim e me entregou minha mochila. Ele olhou de mim para Lucius e depois sorriu, mas foi um sorriso malicioso e maldoso, contendo palavras não ditas. Eu não precisei olhar para Lucius para saber que ele não havia gostado. Eu estranhei o fato de Jeremi ter feito isso, mas não comentei nada.

- O que você carrega nessa mochila? – Jeremi me perguntou um pouco zombeteiro, mas ele não me deixou responder – Vem trocar de roupa logo menina.

Ele segurou minha mão e me puxou para ele. Sua mão circundou minha cintura enquanto a outra segurava sua mochila. Eu fiz o mesmo, abracei Jeremi pela cintura, indo em direção ao banheiro, sem pensar na reação do Lucius depois.



- Você ta me machucando! – eu grite para Lucius enquanto massageava o meu braço.

Depois de trocar de roupa e voltar ao ginásio, nós começamos a nos aquecer. Foram praticamente uma hora de aquecimento até Lucius se entediar de nos ver correndo e começar o treino. Primeiro treinamos individualmente, cada um em seu espaço enquanto Lucius fazia suas manobras incansavelmente e nós o copiávamos. Depois cada um treinou com seu boneco de boxe enquanto Lucius vociferava para cada um como nós estávamos ruins ou quanto melhor podíamos fazer. Seu mau humor aumentou considerável e eu me amaldiçoei por tê-lo provocado. O treino foi exaustivo e forçado, as horas passaram lentamente, mas eu ainda não tinha chegado a pior parte. Agora cada um estava lutando com seu parceiro e eu, que ainda não tinha nenhum, estava lutando com Lucius.

- Então se esforça mais! – ele disse entre os dentes, cada palavra dita com ódio.

As palavras me lembraram o que ele tinha me dito antes, me enchendo de raiva e me fortalecendo. Ele me chutou novamente no braço, mas dessa vez eu me desvencilhei. Eu o chutei no lado direito, mas ele impediu com seu braço. Sem perder tempo eu tentei socá-lo, mas ele segurou meu braço e começou a me puxar para ele. Eu tentei sair do golpe rodopiando em torno de mim mesma, mas ele me pegou pela cintura no meio do processo e me segurou de costas para ele, com os meus braços acima da minha cabeça e seu braço, me apertando, sobre minha cintura. Se eu não conseguia de um jeito, eu conseguiria de outro. Eu esfreguei lentamente minha cintura contra a sua, de forma até um pouco sensual. Lucius pareceu surpreso com o gesto e se distraiu. Eu liberei uma das minhas mãos da sua e acertei seu tórax com meu cotovelo fortemente. Ele se encolheu momentaneamente, eu aproveitei a situação e lhe apliquei uma rasteira. Inevitavelmente ele caiu. Todos olharam imediatamente. Eu sorri para ele, provocante.

- Da próxima vez, Lucius, não preste atenção nos meus quadris. É mais seguro. – eu disse com o mesmo sorriso no rosto, relembrando o que ele já tinha me dito um dia.

Eu ofereci minha mão para ele se levantar, mas ele dispensou com um olhar feroz. Ele se levantou rapidamente e dispensou a turma em um grito. Todos pareceram surpresos e chocados com que havia acabado de acontecer, mas estavam cansados demais para perguntar ou especular alguma coisa. O único que chegou perto foi o Jeremi. Ele observou momentaneamente Lucius pegando suas coisas e saindo pelo vão que dava para as piscinas, antes de se virar para mim.

- O que você fez com ele? – ele perguntou curioso apontando para onde Lucius tinha acabado de sair.

- O que ele merecia – eu continuei sem dar tempo de Jeremi perguntar mais – Agora eu vou pro meu dormitório tomar um banho e descansar.

- O seu dormitório que é o mesmo que o Lucius, onde ele acabou de ir. – Jeremi tentou me alertar.

- Eu já enfrentei coisas piores, não precisa se preocupar. – Eu me inclinei para ele e beijei sua bochecha.

- Mas você vai vim jantar ou não?

- Felizmente eu tenho uma cozinha do lado do meu quarto, então não.

- Você que sabe – Jeremi deu de ombros – Mas depois não reclama se você acordar com a Moira de madrugada te perguntando o que aconteceu aqui.

Ele se despediu depois disso e saiu. Eu fui para o quarto enfrentar mais um dia de briga com o Lucius.

O dormitório estava praticamente todo escuro, tirando o fecho de luz que saía em baixo da porta do banheiro. Lucius estava tomando banho e pelo o vapor que estava saindo pela porta, eu poderia dizer que ele esteve muito tempo ali. Eu estava louca para tomar um banho, mas eu me negava a bater na porta e pedir pro Lucius se apressar. Eu já estava toda dolorida e machucada devido ao treino, eu não queria piorar isso. Em vez disso eu fui até a geladeira e peguei um iogurte de morango. Depois fui até o meu quarto e peguei um livro que a Celina havia me emprestado. Sentei no sofá preto da sala e comecei a folhear o livro enquanto tomava meu iogurte. Três metros acima do céu. Eu já estava na metade do livro, mas já era apaixonada pela maneira que o autor escrevia. De forma diferente ele descrevia a sensação e os sentimentos dos personagens sem usar palavras diretas. Além do mais havia Step. Ele era todo sarcástico e bad boy e eu amava isso nele. Já a Babi era um pouco sem sal, sempre resistindo a suas investidas e se fazendo de pura. Mas eu entendia isso nela, se ela não fosse assim talvez ele nunca se apaixonaria por ela. Talvez se ele não fosse assim, eu não teria me apaixonado por ele. O temperamento forte sempre fez parte do Lucius, sempre foi assim. Mesmo ele exagerando suas reações e críticas, eu não poderia negar que era, por parte, de ele ser assim que eu o amava. Mas o amor é assim, mesmo com os defeitos, nós amamos e às vezes, nós amamos até os defeitos. A porta do banheiro se abriu, mas eu não tive coragem de olhá-lo. Eu vi sua sombra andar rapidamente até seu quarto e depois ouvi a porta se fechar.
Mas às vezes só o amor não basta, precisa de convívio, confiança e acima de tudo, entrega, por ambas as partes. Se dependesse disso, eu nunca teria Lucius para mim. Não se continuássemos agindo assim.

Toc-Toc – soou a porta ao meu lado. A imagem de Moira se formou rapidamente em minha mente, mas para minha surpresa e desgosto não era ela.

- Luisa? O que você ta fazendo aqui? – eu franzi minha testa diante ao fato de Luisa estar no meu dormitório.

- Você não vai me convidar para entrar? – ela entrou mesmo sem eu falar nada – Talvez você seja mais mal educada do que eu imaginava. Onde esta o Lucius?

Eu voltei a sentar no sofá e tomar o meu iogurte – Ta no quarto.

Ela começou a andar em direção ao quarto de Lucius como se isso fizesse parte da sua rotina.

- Ele ta trocando de roupa Luisa – meu tom de voz aumentou um pouco e eu pude ver um meio sorriso se formar no rosto dela.

- Nada que eu não tenha visto antes – eu não soube se ela estava falando a verdade ou só estava me provocando.

Eu fingi não ligar e peguei meu livro tentando ler. Luisa não se incomodou com a indireta e continuou a conversar.

- Então me fala uma coisa Claire... – eu baixei meu livro e prestei atenção no que ela falava – Como você derrubou o Lucius na quadra?

Eu lancei um olhar interrogativo para ela.

- No refeitório só se fala nisso – ela deu de ombros - Não que eu não confio no seu pontencial... Mentira, eu não confio no seu potencial. Então como você o derrubou?

Eu pude notar um tom curioso em sua voz. Eu pensei em não responder, mas eu tinha uma resposta muito boa para não responder.

- Muito jogo de cintura – ela me olhou confusa e eu ri da cara dela – Muito treino de manha, na cozinha, em cima da pia. Depois você pergunta pro Lucius que ele te explica melhor.

Eu não sei se ela lembrou o que eu tinha dito para ela no outro dia, mas ela não deu sinal de se lembrar. Ela sentou ao meu lado, em cima do braço do sofá e olhou para porta de Lucius, só assim eu notei sua roupa. Ela usava botas pretas de cano alto por cima de sua calça de montaria, também preta. Usava uma blusa toda bordada com paetês pratas. Seu cabelo estava solto, usava pouco blache e pouca sombra nos olhos, mas em sua boca havia um batom bem vermelho. Ela estava arrumada demais para ficar só no Instituto.

- Mas aonde vocês, você e o Lucius, vão? – eu perguntei me fazendo de desinteressada, mas não adiantou muito.

Luisa arqueou uma sobrancelha e sorriu para mim – Onde eu trabalho.

- Onde você trabalha!?Eu não sabia que executadores trabalhavam. – eu respondi, mostrando minha duvida.

- Sabe Claire, diferente de você que é sustentada pelo o Instituto, nós, os executadores, precisamos pagar nossas contas. E no meu caso minha profissão me ajuda muito como executadora. – ela disse toda orgulhosa de si.

- E onde você trabalha? – eu perguntei um pouco hesitante com medo da resposta.

- Em uma boate de stripper – ela sorriu mais ainda satisfeita com minha reação.

Em uma boate de stripper? Você vai levar o meu Lucius em uma boate de stripper? Espera aí que eu vou ali pegar uma faca... Se acalma Claire. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Eu controlei meu nervosismo, pela décima vez no dia e me fingi tão fria como antes.

- Mais isso explica muita coisa – ela arqueou uma sobrancelha surpresa com meu comentário – Isso quer dizer que você é literalmente uma vadia.

Pela primeira vez, desde que eu conheci a Minogue, ela pareceu perder a paciência. E para piorar eu não consegui evitar rir. Ela se levantou subitamente do sofá, mas, Lucius, parecendo prever o que tinha acabado de acontecer aqui, saiu do quarto. Nós duas olhamos em sua direção e... Uau!
Ele estava usando um blazer de veludo azul marinho, mas que não estava fechado. Em baixo do blazer, uma camiseta branca com gola disfarçadamente em V. Usava calça jeans azul bem escura e um sapatênis branco com detalhes marrons. Seus olhos se destacaram mais por causa do blazer e suas bochechas estavam um pouco rosadas devido ao banho quente. Eu me senti encolher no sofá. Ele estava lindo de mais, mas ele estava assim por causa da Minogue.

- É impressão minha ou você está mais arrumado que o normal? – Luisa disparou para Lucius, que pareceu um pouco constrangido com a situação – Não precisa responder, melhor pra mim!

Luisa foi em sua direção e o analisou de cima a baixo, mas Lucius não olhava para ela e sim para mim. Seus olhos estavam cravados em mim, sérios, sem hesitar. Fui eu que baixei meus olhos ao chão, triste e ferida com o que eu via. Eu não tinha o direito de me sentir assim, se ele quisesse ficar com a Luisa, ele tinha todo o direito de fazer isso. Mas eu não mandava nos meus sentimentos. E como sempre Lucius levava a melhor sobre mim e também levava uma parte de mim.

- É melhor não esperar pela gente Claire – Luisa disse já com suas mãos segurando um braço do Lucius – A gente vai ter muita coisa pra conversar essa noite.

Eu ri debochadamente do comentário dela, mas ela não se importou. Também com um homem desses ao lado dela, o mundo poderia estar acabando que eu não notaria. Ela se despediu rapidamente e puxou Lucius em direção a porta. Lucius não disse nada, mas seus olhos estavam em mim até o último momento antes de desaparecer atrás da porta, me dizendo “Eu te avisei Claire”.
Eu me levantei do sofá com mais raiva de mim do que do Lucius e lancei o livro na porta. Por um momento eu olhei a porta, pensando em ir lá e falar umas boas pro casalzinho, mas eu pensei melhor. Eu fui até a porta e peguei o livro, ele estava um pouco amassado na lateral. Eu balancei a cabeça em negação ao o que eu tinha acabado de fazer, se eu fosse bater em alguém seria na Luisa ou no Lucius e não no livro. Fui para o meu quarto pegar minha toalha e tomar banho. E depois ir dormir, porque era a única coisa que eu poderia fazer agora.




Seus olhos azuis me olhavam fixamente. Suas mãos desenhavam o contorno do meu rosto e seus olhos me pediam, não, rogavam por mim. Eu não estava entendendo nada, mas ele precisava que eu entendesse. Ele beijou ternamente meus lábios, tirou uma parte de mim. Daqui para frente não haveria mais volta. Ele roçou seus lábios novamente aos meus, como uma pequena prece, um pedido delicado para que eu me entregasse a ele.

- Você tem fé em mim Claire? – Suas mãos ainda seguravam meu rosto carinhosamente e seus olhos transmitiam toda sinceridade e dor que eu nunca tinha visto nele – Você acredita em mim?

- Eu acredito. – eu disse em um sussurro, as palavras ditas em tom baixo refletiam sua dor e a minha fé nele, em nós.

Eu ainda encarava seus olhos azuis. Não. Não eram azuis. Suas pupilas se tornaram mais negras e a íris ficaram vermelhas, rubras. As mãos ao me redor tornaram se garras, unhas grandes e afiadas cravadas na minha pele, cortando, me ferindo, sangrando.

- Claire – as palavras se dissiparam no ar.

Eu virei o meu rosto em direção onde as palavras foram ditas. Um flash. Um barulho alto diante de mim. Uma luz cegante. Então...


- AAAAAH! – eu gritei.

Meu peito arfava, minha respiração estava acelerada e meu coração batia descontroladamente. Um pesadelo, só um pesadelo – eu tentei me convencer. Eu me recostei na cabeceira da minha cama e tentei me acalmar. A respiração começou a ficar cada vez mais lenta e regular. Meus sonhos estavam cada vez mais constantes, mas eu nunca tinha tido um pesadelo, não assim. E o que aquilo significava? Ele havia me beijado, como nunca antes eu tinha me lembrado e então não era mais ele. Não me lembro das suas feições, seus traços, apenas de seus olhos. Olhos rubros. Bati meus punhos fechados sobre a cama. Se pelo menos você se esforçasse mais... As palavras vieram a minha cabeça. Se eu me esforçasse... Talvez eu não quisesse saber a verdade. Não se Lucius...

- Lucius – eu sussurrei para mim mesma, me lembrando que ele havia saído com a Minogue.

Ele não havia chegado ainda. Ou talvez sim. Eu não tinha o ouvido chegar ou talvez eu tivesse dormido minutos antes de ele chegar. Eu não sabia. Aquela curiosidade foi crescendo ate se tornar sufocante. Talvez ele estivesse se divertindo com a Minogue – eu pensei amargamente – ou talvez estivesse dormindo no quarto ao lado. Talvez não estivesse sozinho... Talvez... Talvez ela estivesse junto a ele, na cama... Eu me levantei da cama antes de terminar meu pensamento. Eu usava uma camisola branca de algodão com desenho do Snoop. Eu hesitei por um instante, então lembrei da tulipa na gaveta da minha escrivaninha. Coloquei o primeiro sapato que eu vi e fui ate a gaveta. Abri e olhei a tulipa negra que, mesmo no escuro, se destacava com o fundo branco da escrivaninha. Peguei a em minhas mãos e notei que as pétalas murchavam. Eu o amo, até os seus defeitos. E eu precisava saber a verdade. Coloquei a flor novamente em seu lugar, fechei a gaveta e fui ao corredor. A porta do quarto de Lucius não estava totalmente fechada, estava entreaberta, mas eu não ouvia nada e não via nada. Eu apalpei as paredes até chegar à porta, a empurrei lentamente sem fazer barulho e entrei em seu quarto. Um medo me invadiu gradualmente. Eu não deveria estar aqui. Mas eu ainda não podia ver Lucius ou a sua cama. Havia uma imensa estante de livros que dividia o quarto. A curiosidade foi crescendo dentro de mim. Eu já estava aqui, então não me custava nada dar uma olhada. Eu atravessei o quarto e passei a estante. E lá estava ele, dormindo profundamente em sua cama. Ele estava deitado de bruços, seus braços espalhados pela cama, mesmo no escuro eu podia ver o contorno de suas costas desnudas, mas apenas o contorno, não suas cicatrizes. Ele usava uma calça,e como eu imaginava, deveria ser de algodão. Eu sorri diante da visão, mas ainda me sentia estranhamente agoniada. Eu precisava ver seu rosto.
Eu andei hesitante ate a beirada de sua cama e enfim pude ver seu rosto encostado no travesseiro. No escuro eu não podia ver nitidamente. Então uma necessidade se instalou em mim. Eu precisava tocá-lo, senti-lo sob minha pele. Eu hesitei um pouco diante a sua visão, mas isso não me impediu de deitar a seu lado. A cama se mexeu levemente, minhas pernas se alinharam à dele, deitada de lado com o meu rosto, o encarando, encostado em seu travesseiro. Não pensei em meus atos, apenas segui meus instintos. Minhas mãos ganharam vontade própria e no próximo instante já estavam sobre ele. Eu passei meus dedos sobre o seu cabelo curto e áspero. A simples sensação de tocá-lo me incentivou. Mesmo assim minha mão tremulava. Eu desci minhas mãos até a sua nuca, suavemente, desenhando cada detalhe em minha mente. Depois subi ate chegar a sua sobrancelha, as delineei com meus dedos, uma por uma. A esquerda havia uma pequena falha, uma pequena cicatriz. Desci meus dedos e acariciei seu rosto enquanto ele dormia e eu sonhava acordada. Sublinhei seu lábio inferior lentamente, sentindo tudo que eu poderia sentir. Eu queria beijá-lo. Eu tinha que beijá-lo. Então eu o beijei, fechei meus olhos e o beijei.
Eu rocei meus lábios ao dele, tentando não aprofundar, não acordá-lo. Mas então as lembranças do seu beijo em meu sonho vieram à mente e como se entendesse minha necessidade, ele abriu seus lábios aos meus. Eu o beijei um pouco mais fugaz, em instinto o puxei um pouco para mim. Então sua língua roçou na minha, eu senti um pequeno calafrio em minhas costas. Ele estava acordado. Eu não podia enfrentá-lo, não assim depois daquele sonho, não agora. Eu soltei minhas mãos de seu rosto e comecei a me levantar, mas suas mãos me impediram. Ele segurou um dos meus pulsos e em seguida o outro. Eu arfei diante o susto. Ele estava mais acordado do que eu imaginava. Pressionou meus pulsos a cama, alinhados ao meu corpo, pressionou seu corpo contra o meu e eu pude sentir todo o seu peso. Ele não disse nada, apenas me olhava. Em retorno eu também não disse nada. Ele aproximou seu rosto do meu, encarando meus estranhos olhos. Ele apertou meus pulsos novamente e eu arfei. Então ele encarou meus lábios intensamente, eu pude ver sua boca se abrir também, respondendo ao que via. Naquele momento eu só poderia pensar em uma coisa. Me beija.

- Sai do meu quarto! AGORA! – Lucius vociferou para mim.

Eu senti uma dor imensa dentro de mim. Eu o amava tanto e não poderia negar isso. Mas ele não parecia se importar. Ele poderia me bater que essas palavras ainda sim me machucariam ainda mais. Meus olhos se encheram de magoa e eu senti uma lagrima escorrer. Não. Não. Eu me negava chorar na frente dele. Eu saí da sua cama e fui para minha cama. Mas essa noite eu não conseguiria dormir.


******




- Que olheiras são essas Claire? Ficando acordada até mais tarde? – Moira me disse maliciosamente.

Eu ri um sorriso forçado – Eu não dormi muito bem essa noite.

Moira percebeu meu desanimo e não comentou mais nada. Antes que ela ou a Celina tentassem perguntar mais alguma coisa, eu mudei de assunto.

- Então cadê a Minogue?

Era a nossa última aula de manhã e a Luisa ainda não tinha chegado. Eu poderia imaginar o porquê, mas não diria a ninguém. Eu sou do tipo que sofre sozinha, calada. A porta da sala se abriu e a Luisa entrou. Ela tinha os cabelos amarrados, usava um óculos de sol gigante no rosto e em uma de suas mãos havia uma sacola.

- Acabou de chegar – Moira respondeu espontaneamente.

Nós nos sentamos e ela puxou uma mesa para frente, bem no centro para que todos nos víssemos. Ela espalhou os objetos sobre a mesa: um vidro com água, uma cruz, uma bíblia e uma espada.

- Bem eu trouxe esses objetos, que devem ser comuns para você – ela começou.

- E os óculos também fazem parte – e esse era o Jeremi fazendo graça.

- Não. Isso – ela apontou para os óculos – é um acidente de trabalho, que pelo jeito você, iniciante, vai demorar a entender.

Todos riram instantaneamente, mas Luisa continuou sem dar tempo para mais piadas. Ela apontou para cada objeto enquanto identificava cada um.

- Eu trouxe água benta, uma cruz, uma bíblia e uma espada. Todos sabem que cada objeto tem um significado importante para se matar um demônio. Água benta não mata, mas pode queimar a pele de um. Uma cruz, se não estiver ungida e abençoada, não tem função nenhuma, mas ao contrario pode machucar seu oponente. A bíblia tem um papel mais importante, expulsar espectros ou exorcizar um humano dominado, que vocês devem se lembrar bem em ‘O exorcista’. Um pouco realista, mas não chega aos pés de um verdadeiro exorcismo. E o mais importante: a espada.

Ela levantou agilmente e encostou em sua mão, mostrando-a.

- A espada é um dos mais ‘novos’ instrumentos, utilizados na Idade Média e reutilizado atualmente. Mas não fomos nós que começamos essa moda. O livro de Enoque, que a Helena já deve ter citados para vocês, não mostra apenas a origem dos anjos caídos na terra ou sua história com a humanidade. Também mostra como matá-los. Com medo que o Livro caísse em maus erradas, o livro foi concedido ao alto conselho, constituídos pelos mais antigos anjos. Não se sabe muito como ou quando, mas o livro foi roubado e entregue a Corte Negra. Alguns suspeitam que foram os humanos que roubaram, mas a hipótese mais forte é que os anjos, as próprias Dominações, por motivos ocultos, roubaram o livro e deram a Corte. Depois disso foi apenas questão de raciocínio. Se os anjos caídos já foram anjos e a única forma de matá-los era a decapitação, não seria muito diferente para um anjo. Outra coisa que o livro revelava era que a força de uma dominação estava concentrada em um pequeno músculo involuntário, o coração. As coisas pioraram um pouco mais depois disso, muitos anjos foram mortos por decapitação e principalmente com seus corações arrancados. Em alguns lugares acreditasse que ao comer o coração de uma Dominação se ganha podres inimagináveis. Mais ta aí um mito que eu não estou disposta a comprovar.

Luisa parou por um momento para observar a reação de cada um, todos estavam suspensos e curiosos. Ela, então, continuou.

- Da mesma forma que se mata um anjo caído se mata um vampiro. Como eu disse na outra aula a cinco tipos de criaturas que se originaram dos anjos, o vampiro é um deles. Diferentes dos vampiros de hoje em dia, que se transformam com transfusão de sangue entre o humano e o vampiro, os vampiros se originaram de uma forma um pouco diferente. Não foi por Caim ter matado seu irmão ou por ser sétimo filho entre seis mulheres, é sim um filho entre um anjo caído e um humano. Muitos anjos caíram devido ao amor que referiam ter por um humano, amaldiçoados por sua escolha, eles eram destinados a terra e os humanos que se entregassem a um anjo caído, também eram amaldiçoados. Nesse caso, a humana que tivesse um filho com um anjo caído estaria destinada a morrer no parto, enquanto isso seu filho andaria apenas nas trevas, se alimentaria do sangue de seus iguais, sua pele seria tão branca como um morto - vivo. Em compensação eles herdariam a força do papai. Seriam tão rápidos e fortes como eles, eram imortais, e para melhorar, com o passar dos anos desenvolveram poderes que poderiam subjugar um humano facilmente, apenas com a força da mente. Essas criaturas se tornaram até mais perigosas que a própria Corte Negra, mas diferentes deles, o Alto Conselho fez um acordo com os vampiros de neutralidade, em que um não atacaria o outro. Só em alguns casos, é claro, quando um vampiro ou anjo desobedece a esse tratado, nós executadores entramos em ação.

Ela sorriu amistosamente e continuou.

- Agora matar um demônio é um pouco mais complicado, mas isso eu vou falar só nas próximas aulas. Agora vocês estão dispensados. – Luisa começou a devolver seus objetos à sacola enquanto os alunos foram se levantando gradualmente.

Eu só queria sair dali e não ver mais sua cara. Queria que o dia passasse rapidamente e que eu pudesse deitar em minha cama e dessa vez dormir.



Eu mal consegui comer no refeitório, também não conversei muito. Minha mente estava vagando entre o que eu tinha sonhado ontem e o que ocorreu comigo e com Lucius. O pior foi enfrentar uma aula dupla com Jace e Lucius a tarde. Mas Lucius tinha preparado uma surpresinha pra mim no final do treino.

- Aonde você vai? – Lucius me inquiriu.

- Eu vou pro meu quarto – eu apontei para o lado das piscinas, fazendo menção ao dormitório.

- Treino extra hoje – ele me explicou.

- Sério? – eu o olhei com os braços cruzados e vi sua expressão dura – Eu to cansada demais pra isso.

Eu dei as costas para ele e comecei a andar em direção ao vão na parede de vidro, mas em segundos ele já estava na minha frente.

- Eu não estou brincando Claire – ele soou ameaçador.

- Nem eu – respondi sem hesitar.

Eu tentei passá-lo, mas ele me impediu pondo seu corpo em frente ao meu.

- Saí da minha frente Lucius – eu disse ainda um pouco calma, mas ele não se movei – Saí!

Eu bati em seus ombros com minhas mãos espalmadas. Ele riu da minha tentativa. Isso só me fez piorar.

- Saí! Saí! SAÍ! – eu ia bater novamente em seu ombro, mas ele segurou meu pulso.

Eu o encarei, com raiva, ódio, magoa – Eu te odeio Lucius.

Eu soletrei cada palavra. Ele apenas sorriu ainda mais, me provocando.

- Me odeia?! – ele inclinou sua cabeça em minha direção, se aproximando lentamente, me dando tempo de reagir.

Então eu o fiz. Virei minha cabeça em outra direção, mas ele não parou. Seu nariz roçou minha pele, do meu maxilar até as têmporas do meu rosto. Ele parou momentaneamente, cheirando minha essência. Eu me senti arrepiar em seu contato, queimar. Meus olhos teimavam em se fechar por um momento. Eu tentei puxar minha mão das suas, mas ele ainda me segurava. Sua mão se espalmou sobre minha cintura, em baixo da minha regata, fazendo minha respiração acelerar. Ele se aproximou da minha orelha e sussurrou:

- Claire você não me odeia. Você pode odiar essa situação, mas definitivamente você não me odeia. – ele ficou ali por um tempo, eu me aproveitei e encostei minha boca próxima a sua orelha.

-Não, eu não te odeio - sussurrei calmamente - Eu me odeio... Por te amar tanto – admitindo a mim mesma a pura verdade. Ele se separou de mim como se eu tivesse o esbofeteado. Eu o encarei por alguns segundos.

- Eu vou pro meu quarto agora – dessa vez ele não disse nada.

Eu dei as costas para ele e fui embora a passos rápidos. Eu sabia, tanto quanto ele, que as coisas não seriam mais como antes.