quarta-feira, 2 de junho de 2010

Capítulo 16 - *Escolhas:

Eu não sei se eu fui levada pela situação ou se meu ciúme falou mais alto, mas eu havia aceitado. Eu havia aceitado o maldito acordo. Talvez isso não me levasse a nada ou talvez eu tenha feito o pacto com o demônio. O fato era que por mais que eu pensasse sobre isso eu não me sentia arrependida. Eu me sentia ate aliviada por isso. E não por causa da parte “operação ciúmes” e sim por que eu sentia um peso sendo tirado das minhas costas. Minhas memórias. As coisas seriam esclarecidas da que em diante, eu não sabia como e nem quando, eu só sabia que eu queria que isso passasse rápido. O meu maior medo eram as conseqüências disso. Eu já tinha feito minhas escolhas, agora era esperar para ver onde elas me levariam. E por mais otimista que eu tentasse ser, no fundo, eu sabia que não me levariam para onde eu desejava.
Eu passei o domingo inteiro pensando no que eu havia feito. Depois que eu aceitei o que Victor me propôs, ele foi embora com um sorriso satisfeito e poderoso. Eu sabia o que aquilo significava. Que ele tinha conseguido o que ele queria e da forma mais fácil. Eu também sabia que tinha facilitado às coisas, mas eu não me importei.
Outra coisa que não saía da minha cabeça era minha irmã. Havia sombras nela. O que aquilo significava? Eu não consegui pensar em nada mais do que o pior. Então eu tentava não pensar mais nisso. Eu não podia tirar conclusões precipitadas. Ela é minha irmã e por mais que nós não nos víssemos, eu a amava. Pelo o que ela era para mim e pelas lembranças que eu tinha dela. Eu necessitava conversar com ela, o que me levava a pensar outra coisa. Depois que eu saí do ginásio e voltei com o Victor, eu não a vi mais. Na hora eu não prestei atenção, mas no outro dia isso me atingiu como um mau presságio.
Felizmente eu passei mais tempo no domingo dormindo do que acordada. Eu não sei se as meninas me procuraram no outro dia, mas eu não tinha muito cabeça para isso. Lucius passou o dia fora, mas não fez muita diferença para mim. Se ele tinha decidido me evitar, eu não dificultaria as coisas, não dessa vez. Já Victor, para minha surpresa, não foi me ver. Eu realmente esperava que ele fosse me ver depois do que aconteceu, mas ele me surpreendeu mais uma vez e esperou o outro dia para me fazer uma pequena visita.




- Você vai almoçar com a gente? – Moira me perguntou enquanto guardava os materiais na sua mochila xadrez.

- Não. Eu vou almoçar no meu dormitório mesmo. – eu peguei minha mochila e coloquei sua alça sobre meu ombro.

- Você já esta fazendo disso um habito senhorita Bauer. – Moira me disse com um ar autoritário.

- Me desculpa senhorita Moira, mas eu preciso de um descanso antes do treino – eu retruquei.

- Me deixa adivinhar: Aula com o Lucius? – Celina já estava ao lado de Moira esperando ela terminar de arrumar suas coisas.

- É Céu. Mas isso se ele aparecer – eu disse mais zangada do que eu queria.

- Por quê? – Moira tirou a atenção da sua mochila e olhou para mim.

- Eu não o vejo desde ontem e quando acordei hoje de manha não tinha nenhum vestígio que ele tenha passado à noite no seu quarto. – eu disse um pouco chateada.

- Eu vi o que aconteceu no salão Claire – Moira me surpreendeu vindo em minha direção já com sua mochila nas costas – E eu sei muito bem como você se sente.

Ela me encarou por alguns segundos, com um humor triste e angustiado. Eu conhecia Moira. Se ela estava assim é porque realmente ela estava magoada. E eu sabia muito bem o porquê. Irial. Ele mal tinha falado com ela e, pior, tinha ficado o maior tempo com a Luisa. Por mais que Moira brincasse com isso eu sabia que alimentava uma doce ilusão de que ficaria com o Irial. Mas eu não a culpava por isso. Irial sabia tão bem quanto eu e a Celina que Moira tinha expectativas em relação a ele e em compensação ele não recusa suas investidas e nem a evitava. Uma garota apaixonada vê sinais a onde não existe, pode ser um simples sorriso ou um carinho involuntário ou apenas um olhar, e para ela será como se ele tivesse dito que a amava ou que se sente da mesma maneira que ela. Eu sabia que Moira não era esse tipo de garota, mas isso bastava para que ela tivesse esperança.

- É. Eu sei – eu só consegui dizer isso.

Vendo que a situação se tornou um pouco intima Moira tentou desconversar – Você faz um favor para mim?

- Faço. – eu respondi finalmente.

- Quando você ver o Victor diz pra ele que eu fiquei muito agradecida pelo que ele fez e que ele pode derrubar sangue na Luisa quando ele quiser.

- Eu planejo fazer coisas piores do que isso, se você não se importar – uma voz proferiu ao fundo, perto da porta. Eu me virei e deu de cara com Victor – Mas isso vai depender da forma que você ira me recompensar.

Um sorriso presunçoso apareceu lentamente em seu rosto. Ele estava respondendo a Moira, mas seus olhos estavam em mim. Eu entendi a indireta e mesmo não querendo eu senti um pequeno arrepio na nuca. Ele usava calças de moletom cinza, um tênis azul anil e uma regata preta. E como eu imaginava, seus braços eram contornados por músculos. Seus cabelos estavam presos em um coque desleixado e seus braços estavam cruzados em seu peito.

- Victor? – foi à única palavra que eu consegui falar.

As meninas pareciam mais surpresas do que eu. O sorriso dele aumentou vendo a reação que ele queria provocar em mim. Ele se desfez dos braços cruzados e andou ate a mim. Com um pequeno aceno de cabeça ele as cumprimentou. Mas ele tinha guardado o melhor para o final.

- Oi Claire – ele disse a poucos centímetros de mim.

E antes que eu pudesse responder, ele se inclinou em minha direção. Foi em questão de segundos, sua mão foi para minha nuca, seus lábios foram aos meus rapidamente e depositou um leve beijo sobre minha boca. Ele acariciou seu nariz com o meu e se distanciou, sorrindo da mesma forma de antes. Ele riu ainda mais, provavelmente por ver meus olhos arregalados ou pela minha postura desajeitada. Por um minuto eu fiquei o olhando, sem saber o que fazer.

- O que... O que você pensa que esta fazendo? – eu esbravejei para ele.

- Eu acho melhor a gente ir indo – Celina disse rapidamente se despedindo. Moira também concordou e saiu junto com ela, me deixando sozinha com ele.

- Não finja que não gostou – ele disse todo convencido.

Para ele talvez não tivesse significado nada, mas era para mim. Talvez eu estivesse exagerando, porém eu tinha beijado apenas um homem na minha vida. E na minha cabecinha romântica ele seria o único. Esse beijo não fazia repertório dos meus planos, não ainda. Mesmo que eu tivesse concordado com o acordo eu esperava que as coisas fossem um pouco mais devagar, pelo menos nessa parte do acordo. E a postura convencida e machista do Victor só serviu para que minha raiva aumentasse.

- Eu posso ter concordado com o acordo, mas isso não significa que as coisas vão ser do jeito que você quer Victor – eu me vi mais alterada do que eu queria – Pra que esse beijo? O Lucius não esta aqui para ver...

- Eu sei disso, garotinha. Mas alguns passos têm que ser precipitados para que todo o plano dê certo. Se você realmente quer que o Lucius acredite que isso... – ele apontou para mim e depois para ele mesmo – é verdade, então todo o resto também tem que acreditar.

Ele tinha um ponto nisso. Mesmo aborrecida e sabendo que ele ia aproveitar da situação, eu não contestei suas palavras. Vendo que tinha vencido minhas resistências Victor se aproximou e me abraçou. Sua boca foi ate meu ouvido e eu senti seu hálito quente pairando sobre minha pele.

- Garota é melhor você se acostumar com minha presença, porque eu estarei presente na sua vida mais do que você gostaria – eu senti um arrepio frio se alastrar pelo meu corpo. Deus. No que eu tinha me metido.

E como se nada tivesse acontecido ele se afastou, ainda com as suas mãos na minha cintura, o sorriso gentil e exagerado se formando em seu rosto e um sentimento de que ele faria tudo para ter o que quer, mesmo que isso me incluísse no pacote. Eu desci meus olhos para sua regata preta, um pouco envergonhada. Eu saí dos seus braços, um pouco desajeitada, ainda sem olhá-lo. Eu voltei meus olhos aos deles rapidamente e pude ver que ele ria.

- Idiota – ele inclinou sua cabeça compreendendo minhas palavras ditas em tom baixo – É melhor você parar com isso, se não eu vou perder meu horário de almoço.

Eu tentei andar em um ritmo acelerado, mas não deu muito certo. Ele me acompanhou com esforço nenhum. Pelo canto de olho eu poderia dizer que ele ainda ria de algo, provavelmente de mim. Eu dei de ombros se ele me achava engraçada, ou melhor, se ele achava graça de mim o problema era dele. Ao chegarmos ao corredor principal, que dava acesso ao ginásio e ao refeitório, havia alguns principados andando, indo para seus treinos ou para o próprio refeitório.

- Você quer que eu segure sua mochila? – eu olhei para ele imediatamente, confusa e muito desconfiada – Ela só parece meio pesada.
Eu tive que concordar com ele. Na minha mochila tinha tudo - livros de filosofia, literatura barroca e renascentista, alguns livros fundamentalistas e uma bíblia – menos leveza.

- Acho que... Sim? – eu disse um pouco hesitante.

Ele parou e eu acompanhei o movimento. Enquanto eu tentava entregar minha mochila a ele seus olhos estavam na multidão. Furtivamente sua mão foi parar no ombro de um iniciante.

- Qual o seu nome? – ele disse a menina de cabelos castanhos lisos e com algumas sardas. Ela se assustou no começo, mas sorriu gradualmente ao ver o sorriso convidativo do Victor.

- Clarisse – ela disse ainda sorrindo. Eu nunca tinha visto esta garota, mas já não tinha ido muito com a cara dela.

- Clarisse você faz um favor pra mim? – ela assentiu voluntariamente – leva essa mochila pro ginásio e a deixe perto do vestiário.

Ele pegou a mochila da minha mão e a entregou a garota. Eu bufei revoltada com o gesto, mas ele me impediu de seguir a garota estranha e pegar minha mochila de volta.

- Pronto. Problema resolvido – ele se distanciou de mim e foi caminhando para o refeitório.

Eu fiquei atônita por alguns segundos, mas acabei indo atrás dele.

- Eu não sei se te agradeço ou bato na sua linda carinha de pau – nós dois atravessamos a porta do refeitório.

Eu sei que normal quando entramos em algum lugar as pessoas se viram para ver quem é, mas no meio caso foi um pouco mais exagerado. Talvez o pequeno beijo que Victor tinha me dado já tenha se arrastado por aí. Eu conhecia minhas amigas muito bem, elas não guardariam segredo por muito tempo, mas eu esperava que isso ainda não tivesse acontecido. Victor puxou minha mão em sinal de que não sentaria junto com meus amigos e continuou a segurá-la ate chegarmos à mesa. Eu tentei inutilmente tirar minha mão da dele, mas ele a manteve segura. Eu sentei na sua frente, ainda sem minha bandeja de comida.

- Eu vou pegar comida. Você vem também? – eu disse com um sorriso irônico.

- Eu já me alimentei. Alem do mais você esqueceu garotinha, eu não como comida humana – ele sorriu de volta.

- Não esqueci não. Só que você sempre tem o péssimo habito de me seguir. – eu me virei sem lhe dar a chance de responder.

Ainda na fila eu pude ver que Moira e Celina gesticulava para mim, me pedindo alguma explicação. Eu apenas revirei os olhos, sem saber o que responder. Eu também notei que Jeremi ainda não tinha voltado da sua viagem misteriosa para casa dos seus pais. É minha vida é envolta por mistérios. Fato.
De volta a minha mesa, já com minha bandeja, Victor olhava ao redor parecendo memorizar cada pessoa do Instituto. Eu me sentei novamente a sua frente e o olhei. Ele voltou seus olhos aos meus sem mudar de posição.

- Porque você não me visitou ontem?

Ele pareceu um pouco surpreso com minha pergunta inoportuna – Por que Claire? Já estava com saudades de mim?

Eu me segurei para não revirar os olhos.

- Não é por isso – eu peguei meu sanduíche de peito de peru e coloquei meus cotovelos sobre a mesa – É só porque eu não o vejo como uma pessoa que perde tempo quando quer algo.

Ele me olhou sério pela primeira vez no dia.

- É. Você esta certa – ele cruzou os braços e pela linguagem corporal, eu sabia que ele não gostava do rumo da nossa conversa.

- Eu estou certa e...

- Eu fui ver a Sura para ajustar minhas condições para ficar no Instituto – seus olhos me encaravam sem medo em desacordo com sua postura.

- A Sura já voltou? – eu perguntei surpresa.

- Voltou ontem – ele tentou cortar a conversa.

- Você sabe para onde ela foi? – eu olhei mais minuciosamente, vendo se algo o entregava.

- Eu sei – ele não mentiu para mim – Mas isso você vai ter que perguntar para ela.

- Eu já perguntei – eu falei e dei uma mordida no meu sanduíche.

- Então o problema é seu – ele foi rude e eu suspeitei que não foi por ter mordido meu sanduíche.

- Porque eu sempre tenho a sensação que as pessoas estão me escondendo algo?

- Porque elas estão Claire – ele simplesmente disse, como se isso fosse ajudar em algo.

- É – nós ficamos em silêncio por algum tempo, eu o encarando enquanto ele fazia o mesmo comigo.

- Eu só quero explicar uma coisa. Se eu sou tão importante para isso tudo, eu espero que você me esclareça as coisas, sejam elas o que forem.

- Eu vou fazer o que estiver ao meu alcance – ele se inclinou e pegou minha mão desocupada – Desde que você faça o mesmo por mim.

Ele estava se referindo as minhas memórias, eu sabia disso. Eu assenti e tirei suas mãos da minha. Se eu fosse mais fundo nisso seria da única forma que me foi oferecida. Victor.
Eu terminei de almoçar e fui ao ginásio. E é claro que Victor me acompanhou. Eu suspeitei que ele fosse tentar ir ate ao vestiário comigo, mas felizmente ele não o fez. Felizmente minha mochila estava onde Victor tinha mandado a tal Clarisse colocar. Depois de colocar meu uniforme para o treino, eu voltei para a quadra e percebi que as coisas estavam um pouco tensas. Lucius já tinha chegado para a sua aula e, mesmo que disfarçadamente, eu pude notar que seus olhos estavam em Victor. As coisas pareceram ficar mais claras para ele quando me aproximei do Victor.

- Eu acho melhor você ir indo – eu dei as costas para Lucius e me voltei para Victor.

- E perder o melhor da festa – seus olhos foram dos meus para onde estava Lucius, com o mesmo sorrisinho cafajeste de sempre.

Antes que pudesse evitar ele foi para onde estava Lucius e eu fiz o que podia fazer, fui atrás. Eu não merecia isso.

- Lucius – ele o cumprimentou formalmente.

Lucius não fez o mesmo.

- O que você esta fazendo aqui? – as palavras saíram atravessadas – Esse treino é restrito a alunos.

- A Claire não te falou – ele olhou do Lucius para mim fingindo surpresa – Eu sou novo parceiro de luta dela.

Eu pude ver uma veia pulsar no pescoço de Lucius. Ele parecia tão surpresa quanto eu, mas diferente de mim ele não pareceu tão feliz com a notícia. Seus olhos foram aos meus me perguntando silenciosamente se aquilo era verdade. Eu senti a situação moldar em minhas mãos, como se tudo dependesse da minha decisão. E como Victor tinha me dito, eu comecei a sentir o doce gosto de vingança, me revitalizando e me incentivando.

- É. Victor é meu novo parceiro – assim que as palavras foram ditas eu soube que as coisas iriam mudar daqui em diante.

Lucius nos deu as costas, se voltando para aos outros alunos e me deixando sozinha com Victor.

- Dava pelo menos pra ter me avisado antes? – eu perguntei indignada.

- É perder sua carinha de surpresa – ele se abaixou e pressionou um beijo em minha testa.

Eu tentei desvencilhar, mas suas mãos em meus cabelos me impediram.

- Não aqui! – eu exclamei mais baixo para que os demais não ouvissem.

- Aqui sim...

Suas mãos foram ate minha nuca em um simples gesto, sua respiração quente sobre meu rosto, seus olhos perfurando os meus, seus lábios próximos aos meus. Ele iria me beijar. Me beijar na frente de todo mundo. Na frente do Lucius. Eu senti meu coração retumbar sobre meu peito, minhas mãos suarem. Por um instante eu queria desaparecer e não estar mais ali. Então...

- AQUECIMENTO!

Eu pulei em susto. Meus olhos foram para boca de Victor, me trazendo de volta a realidade. Havia um pequeno sorriso em seus lábios, que começou a aumentar gradualmente.
- Eu sabia... – ele ainda me olhava nos olhos e sua boca ainda estava próxima.

Eu dei um passo para trás um pouco desconcertada com a situação. Eu deveria estar me aquecendo ou correndo junto com os outros, mas eu me mantive quieta, olhando os olhos daquele que proferiu as palavras tão rudemente. Seus olhos estavam em mim também, mas eu não via nada de agradável ali. Eu não deveria me sentir culpada, mas me senti. Ele foi o único que havia tocado meus lábios e deveria continuar assim, mas ele havia feitos as suas regras e eu estava seguindo as minhas próprias e ele não estava inquirido nelas. Ele deu passos duros ate mim com a expressão cólera.

- Eu espero que você não use a quadra pra se esfregar em qualquer um.

Eu senti um nó se formar na minha garganta. E eu ainda havia me sentido culpada. Senti que a postura de Victor tinha mudado com a ofensa, mas eu o impedi de tomar partido com o movimento da minha mão. Essa briga era minha, só minha e do Lucius.

- Mas ele não é qualquer um, Lucius. O que eu faço ou deixo de fazer com o MEU corpo é problema meu. E se eu quero me esfregar em alguém é de interesse só meu. Pelo menos da vez que eu me esfreguei em você, você não pareceu tão ofendido.

- Isso é diferente – ele disse entre os dentes.

- Foi você que me afastou – eu dei um passo em sua direção, sem pensar, seguindo meus instintos - Não vem dar um de machão em cima de mim. A única coisa que eu quero de você é o seu respeito. Se você não pode fazer pelo menos isso, então agüente a conseqüências dos seus atos calado.

Eu pude ver seu maxilar trincar. Minhas palavras causaram mais impacto do que eu imaginava. Seus olhos foram de mim para Victor, cheios de raiva, como um aviso prévio. Então ele se voltou para mim, destemido.

- Foi a melhor decisão que eu tomei.

Suas palavras arderam em mim, me deixando marcas, feridas. Desta vez, porém, foram minhas palavras que soaram mais frias e sinceras.

- Eu to começando acreditar que realmente foi a melhor decisão que você tomou.

Ele pareceu não esperar minha resposta. Esperando ou não eu vi em seu rosto que ele não tinha gostado. Eu não faria mais o papel da garota de coração cortado. Imbecil.

- Bravo!– Victor disse colocando suas mãos ao redor da minha cintura - Essa é minha garota.

Victor não precisou fazer ou falar nada depois desse pequeno gesto. Estava claro o que ele queria dizer. Essa é minha garota. Eu tive que rir com essa frase. Mas eu tinha coisas mais importantes para fazer agora do que ficar provocando Lucius. Notei que mesmo a aula seguindo seu curso, vários alunos prestavam mais atenção em nós do que no percurso da caminhada. ‘Hora de fingir que nada tinha começado’ – mode on.

- Você vem correr ou não? – eu me virei para Victor, sem dar atenção ao restante.


A aula foi até mais calma do que eu imaginava. Lucius, assim como eu e Victor, fingiu que nada tinha acontecido. O treino foi como sempre foi. Repetitivo e cansativo. Movimentos sendo copiados, caminhadas exaustivas e, por último, o treino em duplas. Foi aí que as coisas se complicaram um pouco. Victor mostrou durante o treino que era apto aos movimentos de luta e bem melhor que todo mundo na quadra. E deve ser por isso que ele se achou no direito de não revidar meus movimentos.

- Eu preciso que você se movimente para que ocorra uma luta, Victor! – eu disse baixo.

- E eu preciso que você me convença que realmente sabe lutar – ele revidou.

Eu o chutei diretamente no tórax, mas ele desviou facilmente.

- Então é isso que eles te ensinam no Instituto?

- O que mais você queria que eles me ensinassem? – eu disse um pouco mais brava.

- Você precisa de uma luta em campo e não em um ginásio! – ele parou de me olhar e olhou ao seu redor, fazendo uma citação do lugar.

Eu tentei atingi-lo com mais um chute. Ele desviou para minha direita. Me virei e o acertei com meu antebraço, mas isso não o afetou. Eu tentei novamente acertá-lo com o soco embaixo do tórax, no diafragma. Ele se afastou prontamente e ficou me encarando.

- Treinos fora do Instituto só para o quinto nível, Victor – eu disse um pouco cansada.

Ele pareceu confuso e depois indignado. Se ele não estava lutando antes, agora ele não fazia mais nada. Eu exalei em exaspero. Talvez colocar Victor como meu parceiro não foi minha melhor decisão.

- Espera! Você é de que nível?

- Eu sou do nível dois, Victor – eu desistir de lutar.

- O que? Você tinha que estar no nível cinco, Claire.

- Eu não sou tão boa assim, ta? – eu também cruzei os braços – Só tem três meses que eu to treinando e isso não me torna tão boa como o quinto nível.

- Você ta brincando, ne? – Vendo minha cara confusa, ele deve ter concluído que não – Você não sabe quanto poder e força que você tem nas mãos, garota – ele andou ate a mim com a expressão séria – Afinal você é uma Blind.

Os minutos perduraram enquanto eu o encarava, calada. Poder e força?

- Do que você esta falando Victor?

- Nada que tenha a ver com a aula! – Lucius esbravejou quase próximo a mim – Agora se vocês querem continuar na minha aula, eu sugiro que vocês lutem!

Não precisou de mais nada para Victor vir para cima de mim. Eu não sei se ele estava querendo tirar o foco da conversa ou só obedecer ao ‘pedido’ do Lucius, o que eu acho bem difícil, eu só sei que ele partiu em minha direção mais rápido do que ele agia a três minutos atrás. Eu cambaleei com o impacto e cai de costa sobre o chão. Victor fez o mesmo, só que eu vez de cair sobre o chão ele caiu sobre mim. Minhas costas doeram ao se chocar com o chão, mas eu não dei muita atenção. Meus olhos estavam em outra coisa, mais precisamente no rosto de Victor tão próximo ao meu.

- Eu vou te levar em um lugar sábado... – ele disse em sussurro – mas isso será nosso segredo.

Eu assenti sem me importar para onde ele me levaria. Depois de eu aceitar seu pedido, os olhos de Victor foram para nossos corpos colados. Um sorriso malicioso apareceu em seu rosto me dando total compreensão de como eu estava próxima a ele, o peso do seu corpo sobre o meu, uma mão estendida levemente sobre o lado externa da minha coxa. Ele aumentou seu sorriso ao voltar a me olhar.

- Agora... Lute!

Eu sabia muito bem o que aconteceria se eu me remexesse em baixo dele, mas isso não me impediu de rir da sua indireta. Idiota.




******



- O que você esta fazendo aqui? – eu disse encarando Victor sentado em um canto da minha cama.

Eu olhei desesperadamente para porta com medo de que alguém o visse ali.

- Não se preocupe. Lucius não esta aqui.

Eu suspirei, aliviada, e voltei a olhar o vampiro que estava sentado sobre minha cama.

- O que você esta fazendo aqui? – eu perguntei mais calma.

- Você esqueceu da nossa saída? – ele arqueou uma sobrancelha.

- Não, mas... – eu me sentei na cama e olhei o relógio sobre minha escrivaninha – cinco horas da manhã?

Minha voz saiu mais manhosa do que eu pretendia.

- Isso deve ser um segredo Claire – ele se levantou e foi até mim – e esse horário é o único disponível para nossa saída secreta.

Eu bufei sonolenta. Para ele talvez não significasse nada acordar nesse horário, mas para mim significava. A semana foi mais puxada que o normal. Ter Victor como meu parceiro foi mais complicado do que eu imaginava. Talvez ter um parceiro que estivesse mais interesse em me ensinar fosse melhor. Mas eu já tinha feito minha escolha. E isso não foi apenas na aula do Lucius. Ele fazia questão de me acompanhar em todas as aulas da tarde. Me explicando a melhor maneira de segurar uma espada na aula do Irial ou como intensificar meu treino na aula do Jace. Isso me fez ficar exausta e, pior, que eu não tivesse muito tempo para ficar com as meninas ou saber o que tinha acontecido com Jeremi, já que ele não apareceu durante a semana. E justamente hoje, que era um dos meus únicos dias de descanso, ele me acorda a cinco da manhã.

- Me dá mais cinco minutinhos – eu me revirei na cama.

- Levanta Claire!

- Ta bom. Já vou!




Nós estávamos em frente ao Instituto, em um lugar mais afastado, onde ninguém podia nos ver. A frente do Instituto era exatamente como eu imaginava. Torres se estendiam em sua fronte, com contornos antigos e janelas gigantescas. Ele lembrava muito ao estilo arquitetônico gótico. Mas não era isso que chamava a minha atenção.

- Onde você conseguiu isso? – eu disse olhando a moto a minha frente.

- Digamos que eu peguei emprestada de um amigo – sua voz suou sinuosa, mostrando que ele não tinha pegado emprestado.

Meus olhos ainda estavam sobre a moto. O sol ainda estava nascendo, mas os poucos raios refletiam sobre a moto a deixando mais brilhante e vermelha em alguns pontos. Eu não saberia dizer que moto que era se não fosse pelo a marca ao lado – Suzuki, e muito menos o ano. Mas pela sua aparência eu poderia dizer que ela era recente. Os detalhes pretos se fundiam com o vermelho cintilante no designer arrojado. Ainda mais com esse sol... Sol!?
Eu lancei um olhar agoniado para Victor. O sol estava nascendo e ele ainda estava ali. Eu podia ver alguns raios entrelaçarem entre seu cabelo loiro e sua pele branca. E definitivamente ele não estava queimando.

- O que foi agora? – ele me olhou rindo.

- Isso vai parecer meio estranho, mas você não deveria estar sendo consumido pelo sol ou algo assim?

- O que esse Instituto anda ensinando pra vocês? Que todos nós somos monstros?

Na verdade sim. Mas eu resolvi ficar calada e esperar sua explicação. Ele revirou os olhos, andou em minha direção e me entregou o capacete preto.

- Isso é só na fase inicial, quando ainda somos jovens e ligados à natureza original do nosso ‘pai’, mas com passar de alguns séculos isso vai se desvencilhando de nós. Eu posso andar no sol, entrar em Igrejas ou pegar em crucifixos. – ele levantou um colar que estava embaixo da sua camisa branca e me mostrou um crucifixo prata.

- Não é bem isso que a Helena e a Luisa me ensinou.

- Elas estavam se referindo a maioria. Não existi muitos vampiros nascidos e sim transformados. Eles sim nunca podem andar no sol ou pegar em símbolos sagradas.

Eu ajeitei o capacete na minha mão.

- Qual a diferença?

- Os vampiros nascidos não tiveram muitas escolhas com a sua condição. São suas atitudes ao passar dos anos que vão determinar se eles merecem ou não voltar a uma vida ‘normal’. Já os transformados escolheram por isso, eles merecem as conseqüências da suas escolhas.

- Eu posso entender isso. Então enquanto os vampiros transformados convivem com a sua maldição, vocês, vampiros nascidos e velhos, convivem normalmente com os humanos, mas com uma força sobrenatural? – ele assentiu para mim – Isso não parece bem uma maldição!

Ele riu e se aproximou, colocando sua mão sobre meu pescoço.

- Você se esqueceu da maldição mais importante – seu dedo indicador deslizou suavemente sobre o topo do meu pescoço ate minha nuca – A sede por sangue humano.

Em sua voz eu pude notar consternação. Seus olhos estavam presos em meu pescoço e por um momento a única coisa que eu pude sentir foram seus dedos frios sobre a minha pele quente. Um arrepio se espalhou por meu corpo, me trazendo de volta a realidade.

- Certo – eu desviei meus olhos do seu.

- Então vamos? – sua voz saiu mais calma.

- Vamos!

O caminho para a cidade foi quieto e rápido. Eu pude ver a vegetação se fundir com o chão seco enquanto Victor dirigia silenciosamente em alta velocidade. Meus braços envoltos da sua cintura, o vento frio da manha em meu rosto e o desenho disforme da estrada me tranqüilizou. Pareceu que tudo que eu necessitava estava ali no silencio da viagem.
Victor estacionou a moto em um lugar remoto perto de uma casa meio antiga, no estilo colonial, mas que residia uma loja que artesanato. Eu estava deslumbrada. A cidade fazia o estilo de cidadezinha pequena, com a arquitetura colonial e antiga, o que me fez lembrar vagamente da minha cidade natal. A maioria das ruas eram feitas de pedra que dava um ar rústico. E eu amo cidades assim.

- Você já tinha vindo aqui? – Victor me perguntou enquanto nós íamos a uma praça.

- Não. É a primeira vez que eu venho a Pirenópolis.

Durante minha caminhada até a praça eu pude ver os olhos de Victor em mim, sorrindo da minha reação. Eu não me importei. Eu estava mais interessada em olhar as casas antigas, os degraus pequenos, as janelas abertas, o rosto dos poucos morados que tinham nesse horário. A cidade era linda, desde os pequenos detalhes ate a simplicidade dos moradores. Eu notei que os poucos que viram nossa presença estranharam. Não parecia que eles estavam acostumados a verem pessoas tão brancas ou com olhos coloridos. Eu tinha certeza que seriamos a fofoca dessa tarde.
Quando chegamos a praça Victor me levou para frente da Igreja.

- Você reconheci? – ele me olhou de escanteio.

- Eu deveria reconhecer? – eu perguntei confusa.

- Não desse jeito – ele riu como alguém ri de uma criança inocente - Dos noticiários, você reconhece?

- Se eu disser que não você ficaria chateado?

- Lógico que não!

- Mas do jeito que você falou parecia tão importante... – eu tentei explicar.

- Mas é importante, Claire, pelo menos para história da cidade.

- Então me explica, meu guia turístico.

Eu tentei ser engraçada, mas não surgiu o efeito que eu queria. Ele apenas revirou os olhos.

- Essa é a Igreja Matriz. Alguns anos atrás, em 2002, a igreja pegou fogo. Destruiu praticamente quase toda a igreja, mas eles conseguiram recuperar boa parte da arquitetura inicial durante a sua reconstrução.

- Ainda assim ela é linda – eu complementei.

- Sim. Linda. Mas o que nem todos sabem é que o fogo não foi acidental.

- Não foi? – eu vi um sorriso se formar diante minha reação – Foi você que ateou fogo na Igreja?

Ele franziu a testa – Não Claire.

- Ta desculpa.

- Foram os demônios.

- Demônios? – isso me tirou a atenção da minha piadinha sem graça.

- Quando as novas dominações ainda eram formadas no Instituto, a cidade foi atacada por umas das vertentes da Corte Negra. Vários anjos e principados morreram. Eles atearam fogo a Igreja em sinal de dominação a uma das áreas do Conselho. Mas as coisas mudaram depois que o Conselho mandou reforços para cá e executou o restante dos demônios e afins. Alguns anos depois foi decretado pelo Conselho que a cidade não era tão segura e mudou as dominações de lugar, deixando os principados no local.

Eu demorei uns dez minutos ate dissolver todas as informações. As dominações treinavam junto com os principados? Demônios já sabiam a nossa localização? E o pior, os principados foram deixados para trás? Por quê?

- Por que os principados foram deixados? – eu consegui dizer finalmente.

- A Corte já tinha conseguido o que eles queriam. Não tinha perigo de eles voltarem novamente, ate agora – seus olhos foram aos meus momentaneamente e voltaram à igreja.

- O que eles queriam? – a pergunta saiu antes de eu formulá-la.

- Isso você vai ter que perguntar a sua irmã – vendo minha postura revoltada, ele completou – Eu te disse que te diria tudo que estivesse a meu alcance. Esta informação não esta.

Eu entendia. O Conselho. Ele deveria estar sendo proibido de falar assim como todo mundo. Mas ele tinha me dado uma dica: minha irmã. As coisas começaram a clarear na minha cabeça. Se as dominações estavam aqui antes, era óbvio que minha irmã também estava. Era mais lógico que ela sabia dessa história. Eu precisava falar com ela urgentemente.

- Mas eu não vim aqui pra te mostrar isso – Victor me tirou dos meus pensamentos.

Ele pegou minha mão que estava desocupada, sem o capacete, e me levou para uma parte mais afastada, perto do cerrado. Nós atravessamos a mata fechada, desviando de alguns galhos e folhas.

- Onde você esta me levando?

- Você já ouviu falar da cachoeira do Lazaro?

Eu vi um sorriso formar em meu rosto ao ouvir a palavra ‘cachoeira’. Ele estava me levando em uma cachoeira. Era tudo que eu precisava. Ele tinha que saber que eu amava água, já que ele sabia praticamente tudo sobre minha vida.

- Obrigada. – eu disse realmente agradecida.

Mas eu não tive tempo de ouvi-lo responder.

9 comentários:

  1. aaaaaa, amando *-* quero mais viu?

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  2. Muito bom!!! A história crescendo e novos fatos sendo revelados. Acho que a irmã da Claire eh DUMAL.
    Agora eh só esperar...

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  3. Cap muito bom , to adorando o Victor com ele as coisas acho que vao ficar mais claras !!! Quero mais !!!!!!!!!!

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  4. victor beijou ela! VICTOR BEIJOU ELA!!!!!

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  5. VICTOR BEIJOU ELA!!!!![+1]

    Cap perfeito!! to surtando aqui

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  6. Muito bom mesmo esse capitulo! O Lucius precisava mesmo de um concorrente!

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