terça-feira, 17 de agosto de 2010

Capítulo 23 - *Mudanças:

Eu olhei novamente para porta fechada do meu quarto ouvindo o que vinha por de trás dela. Ele tinha voltado para o dormitório apenas uma semana depois, o pior de tudo, tinha voltado depois que Luisa tinha vindo aqui. Já era noite e a última coisa que eu esperava era vê-lo entrar por aquela porta, mas nada foi como eu imaginava. Depois da recepção nada agradável na quadra e depois de Luisa ter dito que ele estava dormindo em seu dormitório, eu nunca pensei que ele voltaria hoje. Eu ainda estava deitada no sofá tentando abafar toda raiva e desespero que eu sentia quando ele simplesmente abriu a porta. Eu o encarei por um tempo, sem esconder minha surpresa, enquanto ele adentrava ao quarto e ia para cozinha. Ainda usava a roupa do treino, sua fisionomia indicava que ele tinha acabado de acordar – o que confirmava o que Luisa tinha dito – e, como sempre, estava descalço. Abriu a geladeira e bebeu água da própria garrafa. Pude ver um traço de água descer por sua boca e escorrer por seu pescoço chegando ate seu colo, descendo ao ponto de não enxergar mais por causa da camisa preta. Isso chamou minha atenção mais do que deveria. Tentei não rir de mim mesma. Eu sabia que sentiria saudades dele, mas nunca pensei que chegaria a esse ponto. Talvez pela raiva ou pelo ódio por saber que ele tinha fodido a Minogue, a única coisa que eu queria fazer era agarrá-lo, mostrar quem realmente ele queria, mostrar quem eu queria. Desviei meus olhos quando percebi que ele me olhava de canto de olho. Mas eu não podia. Ele colocou a garrafa novamente dentro da geladeira e a fechou, andou para o seu quarto e fechou a porta. Não disse nada ou demonstrou algo em relação ao que tinha acontecido ontem ou mesmo ao que tinha acontecido hoje. Eu sentei e coloquei minha cabeça entre minhas mãos. Eu tenho que me segurar, focar no que eu quero agora, agora que ele tinha voltado, as coisas ficariam mais difíceis de se lidar. Visitas constantes da Luisa, minhas saídas com Victor, os encontros inesperados com ele ou simples fato de estarmos no mesmo lugar, mesmo sem se falar ou sem se ver, seria difícil para mim.

- Claire?

Eu olhei para cima e encontrei Lucius me olhando. Minha respiração cessou por um tempo. Ele estava sem camisa, cada pedaço de pele do seu peitoral amostra, com a calça meio baixa mostrando o elástico preto da sua boxer. Eu me detive nesse pequeno detalhe por mais tempo do que o necessário. Flashes de pequenas coisas que aconteceram vieram a minha mente. Na cozinha – Minha respiração parou enquanto suas mãos deslizavam da minha cintura até a base do meu seio, ainda sob a toalha, e minhas pernas tremeram quando ele beijou novamente o vão do meu pescoço onde meu sangue pulsava. Na sala – Colocou sua testa sobre a minha, fechou os olhos e me beijou. Um beijo curto, dura, seco, cheio de sentimentos e seco pelo que ele tinha ouvido. No jardim – Sua boca foi gentil no começo, lento e doce. Depois se tornou mais intenso, duro. Despejando todo ódio, raiva, desejo que ele sentia por mim. Eu correspondi com a mesma intensidade. Na piscina – Desci beijos sobre seu colo e continuei a descer. Beijei demoradamente seu tórax. Desci mais e deslizei minha língua sobre seu corpo quente, o fazendo tremer.

- Claire? – Lucius chamou minha atenção.

- Na?

- Você sabe onde ta minha toalha?

Eu olhei sem entender. Ele tinha vindo aqui pra perguntar onde estava a toalha?

- Não, Lucius. Não sei – eu disse me levantando.

Tentei sair, mas seu corpo me impedia.

- Talvez eu tenha esquecido no dormitório da Luiza – ele disse um pouco pensativo, mais para ele do que para mim.

Ele ainda estava na minha frente, impedindo que eu passasse. Eu cruzei os braços e esperei que ele percebesse minha intenção.

- Eu não queria ir lá agora, então... não teria como você me emprestar umas das suas?

- Claro. Porque não? – disse irônica.

Eu dei um passo à frente, esperando que ele se afastasse, mas ao invés disse ele apenas virou seu corpo um pouco, me dando pouco espaço para que eu passasse, já que a mesinha de centro me impedia de passar mais longe de seu corpo. Eu cogitei a idéia de passar pelo outro lado, mas já que era isso que ele queria. Passei de lado, com a costa voltada para ele, e imperceptível, fiz com que roçasse meu corpo ao dele, por poucos segundos. Não significaria nada se fosse com qualquer um, mas com ele não era bem assim. Ele não disse nada quando fui ate meu quarto, apenas me seguiu ate a porta, para que eu pegasse a toalha. Abri a porta esquerda e encontrei a toalha maior azul lá. Peguei e voltei para a porta, o encontrando com os braços cruzados e com os olhos avaliativos de sempre. Ele olhou rapidamente minhas pernas, cobertas com o pequeno short do meu pijama e voltou a olhar minhas mãos, aonde se encontrava a toalha. Ele a pegou.

- Obrigado.

Focou seus olhos no meu, com um sorriso atravessado e saiu indo ao banheiro. Eu tive que parar um pouco, respirar melhor, dissolver o que tinha acabado de acontecer. O mau pressentimento me rodeou. Ele estava diferente, mudado. E deveria ter acontecido alguma coisa para que isso acontecesse. Eu relembrei de cada detalhe que tinha acabado de ocorrer. Não pareceu acontecer por acaso, só por que ele tinha esquecido uma toalha. Eu conhecia Lucius, se ele não quisesse falar comigo, ele arranjaria um jeito de conseguir a toalha. Então isso devia ser algo que ele queria fazer, mas o que isso deveria significar? Eu tinha lido aquele sorriso que ele me deu, havia cinismo, maldade, algo que eu não sabia definir. Parecia que ele queria me provocar, como se soubesse de alguma coisa. Mas ele não podia saber. Se ele soubesse, ele já teria me dito isso. Lucius era protetor demais para que o seu orgulho o impedisse de me dizer algo. Mas se ele não sabia, provavelmente ele estava desconfiando. Talvez Luisa tenha dito algo, mas eu duvidava muito. Ele deve ter tirado algumas conclusões depois do treino de hoje. Me amaldiçoei por isso. Eu não deveria ter enfrentado Paulo, não mesmo. Se Lucius descobrisse, ele nunca deixaria que eu continuasse com os treinos noturnos com o Victor e eu definitivamente não queria isso. Fiquei deitada na minha cama, absorta pelos meus pensamentos, ate que alguém bateu na porta. E só poderia ser uma pessoa.

- O que foi? – gritei em resposta.

- Tem visita pra você. – Lucius disse baixo, mas audível.

Eu sentei na cama e ouvi um barulho próximo da porta ao lado ser fechada, indicando que Lucius tinha entrado em seu quarto. Quem seria nessa hora? Deveria ser a Celina ou a Moira, ou as duas. Levantei-me e fui ate a sala sem me preocupar de estar com pijama. Não era quem eu esperava ver. Victor estava em pé, de costa para mim, me esperando.

- Victor? O que você ta fazendo aqui?

- É assim que você trata o amor da sua vida? – ele se virou e mostrou um sorriso cínico, mas dessa vez eu notei que estava diferente.

- Desculpa, só to um pouco estressada.

- Isso deve ser porque sentiu minha falta – ele arqueou a sobrancelha, como se me perguntasse, mas sua voz foi determinada como uma afirmação.

Eu abafei um riso descrente. Victor, ao contrario de Lucius, nunca mudaria.

- É,senti saudades.

Vendo o sorriso em meu rosto, ele avançou em minha direção e parou a centímetros de mim.

- Agora você deveria me beijar pra matar suas saudades, você não acha?

Ele levantou sua mão e acariciou meu rosto com as pontas dos dedos, de forma lenta e compassada. Eu neguei com a cabeça, não querendo dizer nada. Eu estava confusa e cansada demais para isso e principalmente o que mais me incomodava era o fato de Lucius estar a poucos metros de distancia. Victor inclinou um pouco sua cabeça, como se lesse meus pensamentos, em advertência. O sorriso em seu rosto se desmanchou por alguns segundos dando o lugar para um olhar serio. Eu entendi a indireta. Levantei nas pontas do pé e depositei minha mão em seu ombro. Tomei sua boca com a minha por pouco tempo, em um beijo curto e sem demora. Victor apertou meus ombros em desaprovação, mas deixou que eu me afastasse. Continuei a olhá-lo, com a pouca distancia que nos separavam, e notei algo em seus olhos que não tinha notado antes, mas antes que eu detectasse algo ele se afastou.

- Eu preciso falar com você – eu disse depois de algum tempo de silêncio.

Ele concordou e completou – Mas não aqui.

- Não aqui – eu fui ate a porta e a abri – É melhor irmos pra outro lugar.

Eu e ele saímos sem dizer nada, indo para o jardim externo. Abracei-me, passando as mãos em meu braço, desvanecendo o frio. Victor me olhou melhor e deve ter notado que eu estava só de pijama.

- É melhor irmos ao meu quarto.

- Eu acho melhor não.

- Você esta só de pijama, no meio do jardim externo, ás nove da noite. E não é só isso, alguém pode nos ouvir aqui, Claire. No meu quarto é mais seguro.

- Certo.

Quando passei ao seu lado, ele envolveu seu braço em meu ombro, me guiando no caminho. Eu estranhei o gesto, mas deixei que ele me levasse. O seu dormitório não era tão longe, então chegamos lá rapidamente. O quarto estava praticamente do mesmo jeito que eu o tinha visto pela primeira vez, tirando o fato que tinha algumas roupas espelhadas pela sala. Sentei-me na mesa perto da bancada da cozinha e esperei que Victor fizesse o mesmo, mas ele apenas me olhou, com as mãos no bolso e o rosto intransigente.

- O que aconteceu?
- Lucius voltou ao dormitório hoje à tarde.
- Eu notei isso. O que eu quero dizer é o porquê dessa agitação. Quando ele me viu na porta, não disse nada, apenas te chamou. O que é estranho já que ele não costuma agir assim. Algo deve ter acontecido, mudado. Então... - Victor continuou sério – o que aconteceu?
- Eu acho que ele deve ter notado algo no treino.
- No treino?
- É. Eu tava treinando com um aluno do quinto nível, já que você não foi, o Paulo Vitor. Eu não sei o que aconteceu direito. Durante a luta aconteceu exatamente o que você tinha me dito nos treinos, eu consegui prever os golpes dele e o derrubei.
- Você derrubou o Paulo Vitor? – no fundo da sua voz eu pude notar um pouco de descrença.
- Derrubei. Mas não é só isso. Eu tava perdendo, perdendo mesmo, então, do nada, eu consegui desviar do golpe e o acertei. Isso chamou a atenção de muita gente, principalmente da Luisa.
- O que a Luisa fez com você? – eu notei sua postura ficar mais dura, preocupada.
- Nada que ela não tenha feito antes. Ela foi ao dormitório, antes do Lucius chegar, pra perguntar o que eu e você estamos fazendo realmente depois da meia-noite.
- O que você disse pra ela?
- Que eu tava fazendo o mesmo que ela.
- E é claro ela não acreditou.
- Não, não acreditou. Eu acho que talvez ela tenha dito algo pro Lucius.
- Não, ela não ia permitir perder a chance de te afastar do Lucius. Ele deve ter tirado algumas conclusões sozinhas. Ele disse algo que te indicasse isso?
- Dizer, diretamente, não. Mas ele veio com um papo de que tinha esquecido a toalha no quarto da Luisa e que precisava da minha emprestada.
- Só isso? Nada que te provocasse?
- Acho que sim. Ele ficou me olhando daquele jeito intenso, me provocando, andando sem camisa perto de mim. Isso é estranho, sabe. Se ele quisesse me evitar, ele nunca faria isso.
- Como você reagiu?
- Isso é importante?
- Eu não perguntaria se não fosse.
- Como sempre. Nervosa, sem jeito, um pouco com raiva...eu acho que também o provoquei um pouco, mas nada sério.
Victor balançou a cabeça, negando, me julgando com um sorriso idiota, como se lidasse como uma criança.
- O que? O que eu fiz? – perguntei com um pouco de raiva.
- Ele tava testando você.
- Me testando? - eu olhei incrédula – O que isso deveria significar?
- Ele tem a mesma sensibilidade que a minha, pode perceber o que você sente, como você sente, se suas mãos suam, se o batimento cardíaco aumenta, se suas pupilas dilatam ou se você sente algum desejo. Ele deve ter notado o que você sentia quando o olhei sem camisa.
Eu fiquei sem fala depois disso. Me testando? Como uma droga de rato de laboratório?
- Eu não acredito nisso! – eu disse mais alterada.
- Isso pode não significar nada agora. Sentir algo por ele não é problema, afinal você já o amou antes de me amar, certo? – ele disso com desgosto crescente e cinicamente – Mas isso não pode acontecer mais. Se um dia ele acreditou nessa sua mentirinha, não vai demorar muito pra descobrir a verdade se você sempre reagir da mesma maneira.
- Eu não acredito que ele me usou como teste.
- Esse não é o ponto, Claire! O ponto é como você vai agir daqui pra frente. Você tem que se afastar dele, não ficar muito próxima. Mesmo que ele esteja desconfiado, ele é muito orgulhoso pra admitir que cometeu um erro acreditando em você. Ele vai esperar que você cometa o erro, ele vai te forçar a isso. Então você não pode continuar assim se você quer continuar com o treino.
- É tão fácil dizer – eu disse baixo, mas sabia que ele tinha ouvido.
- Eu sei. Mas você não pode continuar a jogar esse joguinho mais, Claire. Você precisa se afastar.
- Eu já to fazendo isso. Não é o Lucius que me preocupa mais, é a Luisa. Ela vai fazer de tudo pra descobrir.
- Eu sei disso. Ela veio falar comigo sexta-feira.
- Ela também falou com você?
- Ela não acreditou na nossa farsa desde antes, principalmente depois da nossa discussão. Mas eu já resolvi isso.
- Já resolveu isso? – eu o olhei indagando – Por acaso você não ameaçou ela, Victor, ameaçou?
Ele riu do que eu disse.
- Não, não ameacei, Claire. Você me julga tão mal?
Não respondi, cansada do jeito arrogante que ele quase sempre falava comigo.
- Então o que você fez Victor?
- Eu conversei com a Sura...
- Conversou com a Sura!? – não me contive e levantei da cadeira – Você não contou pra ela, contou?
- Sim, contei.
- Eu não acredito – eu disse passando a mão no me cabelo – Você é louco? É lógico que ela vai contar pro Lucius!
- Não. Ela me prometeu que não vai contar.
- Você não conhece como eu a conheço, ela não vai mentir pro Lucius, nem mesmo pro Conselho.
- Eu sei que ela vai cumprir com o que me disse, Claire. Confie em mim.
- Isso não vai dar certo.
- Já deu certo.
Ele andou ate mim, sentou na cadeira mais próxima e me encarou. Eu cruzei os braços.
- E porque você acha isso?
- Ela concorda comigo. Também acha que você tem que saber se defender. Não é como você fosse uma criança, Claire, você já tem dezenove anos.
- Eu sei, mas às vezes eu acho que nem todo mundo vê isso.
- Isso não aconteceu ontem à noite. Você se impôs...
- Eu vivi isolada por muito tempo no orfanato, Victor, eu não gosto de agir assim, eu só queria que fosse mais fácil.
- Mas não é – ele se levantou e só deu dois passos para chegar ate a mim – Você não pode ser fraca, você não é – todo que ele dizia refletia em seus olhos azuis com sinceridade – Você só precisa acreditar em si mesma.
- É isso que eu venho tentando fazer.
Eu tentei sorrir, mas eu senti o riso demolir no meu rosto. Mesmo assim Victor sorriu de volta, cúmplice. Descruzei meus braços.
- Você disse a ela, mas isso não muda o fato de que o Lucius e a Luisa podem descobrir.
Eu voltei ao assunto, pressentindo que não podia continuar desse jeito com Victor. Ele pareceu perceber e se afastou, de maneira disfarçada.
- Sura me disse que vai nos acobertar ate o seu treinamento terminar.
- Mas, como?
- Ela vai deixar que nós saiamos durante a noite com a sua permissão como se fossemos a encontros e te dispensar de algumas aulas pra proceder com o treinamento.
- Encontros? Eu não sei se eles vão acreditar nisso.
- É melhor que nada. Alem do mais, Sura estará nos apoiando, será a palavra dela que estará em jogo, eles não vão poder ir contra isso, não diretamente.
- Certo. Se essa é a melhor solução, eu não posso falar nada.
- Falando nisso, eu ainda não te convidei...
- Não me convidou?
- Aceita sair comigo amanha a tarde?
Eu soltei um riso desprevenido, e um pouco alegre.
- Me convidando pra sair, Victor Lefroy?
Ele apenas assentiu, se curvando diante a mim, brincando com o fato de ser apenas mais um treino.
- Sendo assim eu aceito.
- Eu sabia que você não resistiria – ele me ofereceu aquele sorriso arrogante mais uma vez, mas eu pude ver uma sinceridade que eu não esperava.
- A que horas?
- Às duas.
- Então ate amanha.
Eu fui andando para porta, não esperando que tivéssemos algo a mais a dizer, mas Victor me interceptou. Com o corpo cruzado com o meu, próximo ao tato, de sentir sua respiração pairar sobre mim. Eu encarei aquele rosto, os cabelos circundando suas feições, seus olhos ferozes.
- Apenas isso? – ele colocou a mão sobre meu pescoço como um aviso.
- Não Victor – eu disse mais séria e apreensiva.
- Você já fez isso antes – ele disse calmo, mas eu senti a pressão por detrás das palavras.
- Você sabe o porquê. E eu não me sinto tão confortável agora.
Ele continuou a me segurar pela nuca, com os olhos em mim, talvez esperando que eu mudasse de opinião. No final eu desviei meus olhos do dele e o senti regredir. Deu me espaço para que eu passasse e assim eu o fiz. Quando comecei a sair pela porta, ele chamou meu nome.
- Claire?
- Que?
- Leve seu biquíni amanha – eu o olhei sem entender – Afinal ainda temos que fingir que vamos a um encontro, certo?
Eu assenti rindo e fechei a porta com a sensação de que várias coisas haviam mudado hoje.

******

- Pontual como sempre! - eu não consegui conter o riso.
O abracei rapidamente e o senti rir também entre meus cabelos. Ele pareceu um pouco surpreso com o abraço, mas apenas me abraçou de volta.
- Eu não costumo acordar tão cedo – ele respondeu com a voz embargada.
- Duas e meia é cedo? – eu ri o vendo arquear a sobrancelha como se a resposta fosse obvia.
- Espera que eu ainda tenho que pegar minha bolsa no quarto – eu comecei a entrar no dormitório ate lembrar – Não quer entrar?
Ele formou um sorriso pretensioso e negou a cabeça percebendo minha tática.
- Tentador, mas não.
- Então espera um pouco.
Eu saí em direção ao meu quarto sentindo o vestido branco brincar entre minhas pernas. Eu tinha vestido o meu biquíni azul marinho que Jeremi tanto gostava e por cima tinha colocado um vestido branco justo no torço e um pouco folgado na parte inferior, um pouco acima do meu joelho. Senti o olhar de Lucius demorar em mim por segundos, mas naturalmente ele voltou a mexer no seu leite na bancada da cozinha. Eu sorri vendo a situação em que eu estava. Muito propícia por acaso. Não haveria nada melhor que afastar Lucius do que mostrando que estava com Victor, mesmo que isso o machucasse, eu não me importava. Ele tinha feito o mesmo com a Luisa, agora era a minha vez. Abri a porta do meu quarto encontrando a minha bolsa aonde eu tinha a deixado. Olhei novamente o que eu levava. Uma toalha, minha roupa de treino, um creme e um conjunto de lingerie. Era tudo o que eu precisava. Abri a porta do meu quarto e percebi que Lucius não estava perto da bancada e sim sentado no sofá, tomando seu leite e assistindo televisão. Assim que eu adentrei a sala, senti seus olhos me seguindo, me perfurando, me julgando. Eu não desviei, indo a porta onde Victor me esperava. Palavras não ditas, sentimentos escondidos, ações não feitas, tudo transmitido em apenas nesse olhar. Eu me perdurei nesse momento ate ficar frente a frente com Victor. Ele já não tinha mais o sorriso, apenas um esboço de um, com o olhar perdido no que acabara de acontecer. Eu puxei sua atenção para mim, entrelacei minha mão com a dele e ofereci um sorriso tímido, como se pedisse desculpa pelo que eu tinha acabado de fazer.
- Vamos? - eu abri meus lábios em um sorriso grande – Eu to ansiosa pra ver aonde você vai me levar!
Ele apertou mais minha mão e me puxou para ele, segurando minha cintura com seus braços cruzados em minhas costas. Selou sua boca a minha por poucos segundos e se afastou, ainda com as mãos em mim e próximo a minha boca.
- Vamos.
Afastou-se e segurou minha mão me levando para fora do quarto e para fora da vista de Lucius.
- Fingiu bem – ele comentou, suspenso, como um comentário qualquer.
Atravessamos o salão principal e chegamos a entrando, dando de cara com a moto vermelha de Victor. Ele pegou o seu capacete preto, que estava presa a moto, e entregou o meu. Senti seu o olhar no meu antes de sentar na sua moto e esperasse que eu também sentasse. Eu sabia o que ele esperava, ele esperava uma resposta. Vendo que ele ainda não tinha colocado o capacete, aproveitei e me sentei atrás dele. Segurei seu braço que estava com o capacete e o vi virar seu rosto parcialmente.
- E quem disse que eu estava fingindo? – sussurrei em seu ouvido.
Coloquei meu capacete sem esperar por uma resposta. Ele esboçou um sorriso sincero, grande e colocou seu capacete também. O abracei, envolvendo seu torço com meus braços, ouvindo apenas o ronco do motor enquanto nós avançávamos novamente para cidade. A mata cerrada e os poucos carros que passavam pela estrada me distraíram ate chegar lá. Fomos para o mesmo lugar que íamos durante essa semana, mas desta vez não foi pela floresta e sim pela trilha. Eu percebi que ninguém passou por nós, mesmo não sendo o período de temporada, eu tinha quase certeza que mesmo assim haveria turistas ou mesmo os moradores. Eu entrei na área aberta da cachoeira e avistei a paisagem novamente. Mas estava diferente. Com o sol a vista, iluminando cada parte. Eu me vi sorrir voluntariamente. A água corria sobre as pedras intercaladas, o sol refletia a água cristalina, as árvores se balançavam um pouco devido a brisa fresca e a areia quente sob meus pés. Era tudo tão...

- Perfeito. Tudo parece tão perfeito – concretizei meus pensamentos – Toda vez que eu venho aqui eu me surpreendo.
- Eu sei, há belezas que não podem ser descritas.
Quando eu olhei para ele percebi que ele não olhava a cachoeira e sim a mim. Eu ri, meio tímida, mas não deixei de comentar.
- Eu já te vi ser cafajeste, imbecil, arrogante e ate meio carente, mas brega é a primeira vez.
Eu ri ainda mais vendo a cara que Victor fazia, um pouco ofendido e um pouco risonho.
- É isso que as garotas gostam, certo? – eu pude notar um pouco de sarcasmo na sua voz.
- Não, pelo menos não eu – eu coloquei a mão sobre meus olhos tentando cessar a luz do sol – Mas é ate bonitinho vindo de você!
Victor se lançou rápido ate mim, sem aviso algum, e me segurou entre seus braços, prevendo que eu me assustaria e tentaria me afastar.

- Não você – ele repetiu minhas palavras e eu tentei conter meu riso novamente – Você parece diferente... Por quê?
- Eu pensei muito depois que eu voltei para o dormitório – eu continuei em seus braços sem me importar – e cheguei à conclusão que não podia continuar assim, cheia de raiva. Eu só acho que tenho que aproveitar mais o que eu me propus a fazer, sabe?
- Eu acho que vou gostar disso...
Ele disse calmamente, saboreando cada palavra, saboreando também a vista privilegiada. Seus olhos foram do meu rosto para o nosso corpo colado, onde os meus seios ganharam uma maior proporção sob o vestido branco e devido à pressão de seu corpo. Eu revirei os olhos.
- Você realmente sabe estragar o momento – eu tentei me afastar dele, mas ele ainda forçava seu braço em minhas costas – Me solta! – eu tentei falar a sério, mas ri um pouco ao final.
- Me dê um motivo pra eu fazer isso – ele sorriu de lado, com os cabelos em seu rosto e seus olhos azuis marcantes.
- Eu vou tirar meu vestido se você me deixar ir – entrei na brincadeira.
- Se esse é o motivo, eu mesmo poderia fazer isso por você – ele passou os dedos por minhas costas, em um movimento de vai-e-vem, lentamente, me fazendo arrepiar inteiramente. Baixou-se próximo ao meu ouvido e sussurrou – Me dê um verdadeiro motivo...
Eu tremi com o som da sua voz, rouca, viva, fugaz. Acariciou a curva do meu pescoço com seus lábios frios. Não me contive e apertei seus braços enquanto fechava os olhos.
- Porque eu quero – eu disse com a voz tremula, nem um pouco convincente.
- Você realmente quer? – ele subiu os beijos sobre meu queixo, beijou minha orelha e sussurrou novamente – Um motivo...
Engoli em seco tentando encontrar as palavras, mas nada vinha a minha mente. Victor voltou a beijar meu pescoço, descendo um pouco ao colo, enquanto suas mãos me apertavam mais, bem mais. Eu abafei um som, tentando não parecer tão vulnerável como eu estava. Ele deslizou sua mão sobre minhas costas ate chegar a meus cabelos e entrelaçá-los. Ele começou a beijar minha bochecha, perto da minha boca e balbuciar:
- Só um...
“Porque você me ama” a voz de Lucius apareceu vagamente na minha cabeça, como um sussurro, quase inaudível para minha razão, mas bem presente para mim. Eu virei meu rosto subitamente e afastei meu rosto. Victor me encarou, com os olhos em chama, ainda com a pergunta impregnando suas feições.
- Não Victor. Não agora – eu disse séria desta vez, sem nenhuma dúvida estampada em minha voz.
Vi seu maxilar travar, parecendo um pouco mais impaciente do que a última vez que eu tinha dito não, mas ele me liberou. Deu dois passos para trás me encarando, me avaliando, tentando entender. Eu me virei de costas e andei ate a beira da água, não querendo ver mais seus olhos.
- Eu posso entrar antes de treinarmos, certo? – me referi a cachoeira.
Não esperei que ele respondesse, apenas tirei meu vestido branco e o joguei um pouco longe, aonde a água não chegaria. Deixei a água fria lavar meus pés, senti a leve brisa passar pelos meus cabelos e deixei descarregar tudo o que acabara de sentir com Victor. Eu pude sentir Victor se movimentar atrás de mim, mas não sabia o que ele estava fazendo. Os próximos passos na areia foram deles, chegando perto de mim, por trás. Ele encostou sua mão na minha cintura de leve, mal me tocando.
- Você sabe que eu ainda o amo.
- Eu sei... – ele deixou as palavras escorrerem junto ao vento – Mas isso não significa que você deva se manter a isso.
- Não? - Victor poderia me julgar, mas não era tão diferente de mim – Como era ela? Como você a deixou ir, Victor? – deixei as palavras saírem sem pensar muito.
O silêncio que sucedeu me mostrou que eu estava certa. Victor ainda se afetava com isso. Eu sabia que ele não responderia, então eu entrei na água. Água fria, gelada, calma, tranqüila, a única coisa que parecia realmente me acalmar. Eu me virei para olhar Victor, ver se ele ainda continuava ali enquanto eu flutuava. Ele já estava sem sua camisa azul clara e sua calça jeans, apenas com uma sunga preta larga com rajadas cinza, estilo um short. Eu podia ver sua pele branca, bem branca, suas pernas bem torneadas sob sua altura grande e afilada, seu peitoral definido destacando com seu cabelo loiro que chegava ate seus ombros. Eu não poderia fazer nada para evitar o que eu senti. Ele era lindo. Victor não desviou a atenção em nenhum momento, continuou a me olhar, enquanto entrava na água para tomar lugar perto de mim, tornando as coisas mais difíceis. Meus pés encostavam-se ao solo, mesmo que com as pontas, já Victor, por ser maior, se mantinha em pé, com a água encostando um pouco abaixo a seus ombros. Ele sustentou meus braços, me ajudando a continuar a seu lado. Senti quando sua barriga encostou-se à minha, mas não disse nada.

- Você me lembra um pouco ela – ele disse, me pegando de surpresa.
- Lembro? – um pouco decepcionada com a comparação que ele fez.
- Quando você brigou com a Luisa, anteontem, eu pude vê-la em você. Ela não é tão agressiva assim – eu vi um sorriso soldar sua boca enquanto ele lembrava – Mas ela não deixava que ninguém a rebaixasse. Ela tinha sua forma de fazer isso. Ela sabia ser doce e ao mesmo tempo amarga quando precisava, nada parecia atingir ela. Nada. Então eu a conhecia. – eu vi a inquietação aflorar em Victor enquanto ele despejava as lembranças – Ela era diferente comigo, não no começo, é claro, mas depois, quando ela me deixou entrar na vida dela – ele voltou os olhos para mim – Mas isso não importa, ela enterrou isso tudo quando se foi. Isso tudo morreu para mim.
- Ela era parecida comigo? – eu perguntei, um pouco incomoda com a comparação.
- Depois de tudo que eu digo, você só quer saber se é parecida com ela? – eu sabia que era egoísta, mas eu assenti – Não, não é. Só o jeito, se é que eu posso comparar vocês.
- Como você superou? Como você a deixou ir?
- Não teve muita coisa que pude fazer na época, Claire. Eu simplesmente a deixei ir. Doeu, mas não a nada a se fazer quando alguém é tirado da sua vida, principalmente quando você é imortal.
Ele acariciou meu rosto com as costas da sua mão e começou a se baixar.
- Deixe o ir, Claire...
Eu assenti sentindo sua respiração bater com a minha. Ele encontrou minha boca com a dele em poucos segundos, minha boca foi desenhada com a sua língua enquanto suas mãos moldavam minhas costas e me abraçavam, subi minha mão ate sua nuca e o beijei mais intensamente. Sua língua calma, fluente se contradizia com suas mãos rápidas e impacientes. Sentimentos começaram a se fundir em mim, sentimentos novos. Tudo era tão novo. Suas mãos frias se tornaram quentes ao toque enquanto a água gelada nos embalava. Cruzei minhas mãos em sua nuca, sentindo como cada proporção do meu corpo reagir com a aproximação. Incentivei que Victor continuasse a me beijar, tão profundo, tão quente, tão diferente. Ele colocou sua mão sobre minha bunda e me puxou, fazendo me senti-lo debaixo da sunga, pulsante. Eu arfei e afastei minhas mãos da sua nuca.
- Não, Victor. Eu não to pronta pra isso – cortei o beijo, arfando, e disse.
- Eu sei, mas é difícil com você agindo assim.
- Assim como? – eu abri os olhos e pude ver seus olhos vibrantes.
- Como se também quisesse isso tanto quanto eu.
Eu tirei seus braços da minha cintura e me afastei nadando.
- Então é melhor começarmos a treinar, certo?
Nadei um pouco ate chegar a um lugar onde meus pés alcançavam e andei ate a borda. Victor fez o mesmo minutos depois.
- Na próxima vez que você me deixar falando sozinho, eu não vou deixar você escapar...
Eu baixei e peguei meu vestido, depois fui aonde deixei minha bolsa. Olhei para Victor antes de guardar o vestido. Ele já tinha colocado a calça jeans novamente, sem que nada tivesse molhado, apenas as pontas do seu cabelo. Cheguei à conclusão que ele deveria ter tirado a sunga antes de colocar a calça, mas eu não tinha visto. Eu não sabia se ficava feliz ou triste por isso.
- Na próxima vez eu não vou deixar você escapar! – eu pisquei e voltei a olhar para bolsa enquanto Victor ria baixo.
Coloquei meu vestido dentro da bolsa e tirei minha roupa de treino junto com a minha lingerie.
- Agora onde eu posso trocar de roupa? - olhei em volta e não encontrei nenhum lugar propicio.
Victor soltou uma risada maior ainda quando olhei para uma parte afastada da mata.
- Você não espera que eu fique aqui esperando você trocar, melhor dizendo, tirar a roupa depois de tudo que aconteceu, espera? – ele cruzou os braços.
- Eu sei que você não faria nada, Victor – soei desafiadora.
- Talvez não fazer, mas olhar... – ele deixou as palavras se perderem enquanto eu bufava de raiva.
Estendi minha toalha na areia e me deitei sobre ela, esperando que o sol secasse minhas roupas. Diferente dele, eu não podia tirar meu biquíni e ficar sem nada por baixo. O tempo foi passando enquanto o sol me esquentava e secava meu biquíni. Victor não disse nada, apenas me observava. Eu olhei ao redor e notei o que me incomodava antes.
- Não tem ninguém aqui.
- Você só percebeu agora?
- Então era para eu perceber?
Ele não respondeu a minha pergunta
- Eu fechei as cachoeiras ontem.
- Fechou as cachoeiras?
- Eu não poderia treinar com você com pessoas nos olhando, podia?
- Como?
- Eu sou um vampiro, Claire, eu dei meu jeito. O que você pensou que eu estava fazendo ontem à tarde?
- Eu não sei. Eu não pensei sobre isso.
- É. Tem varias coisas que você não pensa a respeito – senti sua voz escorrer escárnio.
- Isso foi uma indireta, Victor Lefroy?
- O que você acha?
- Indiretas e cinismo é com o Lucius, Victor – eu virei de costas dando a chance da parte de trás absorver o sol – Se você quer me dizer alguma coisa, me diz na cara.
- Eu não te vi se esforçando muito depois da nossa conversa na enfermaria.
- Me esforçando? Eu já ouvi isso do Lucius, mas não pretendo escutar isso de você...
Levantei-me e puxei a toalha do chão, a sacudi tirando a areia e comecei a passar no meu corpo tentando secar as partes que ainda estavam molhadas. Eu queria começar o treino logo.
- O que você fez a respeito ao que te disse sobre o ataque na igreja, en Claire? Eu acho que nada. – eu vi o sorriso idiota ganhar suas faces. E, sim, o Victor estava de volta.
- Eu já perguntei a minha irmã, Victor, e ela não me disse nada.
Joguei a toalha para o lado e comecei a vestir minha roupa.
- Só para sua irmã? Tem mais pessoas que sabem sobre isso, Claire.
- Nenhuma que queira me contar – disse vestindo minha blusa.
- Você tem certeza disso?
Virei-me para ele já cansada de todo esse discurso. As pessoas sempre pareciam esperar algo de mim, com Victor, principalmente com Victor, não seria diferente.
- Você não se importa de começar o treino, certo? – eu disse cinicamente – Pelo menos pra mim, foi isso que eu vim fazer aqui.
- Você quem sabe – ele deu de ombros, mas pude notar em sua postura que ele estava cansado, cansado de mim.
Comecei o treino pela milésima vez, sentindo a raiva latejar em mim. Mas hoje seria diferente do restante da semana e como seria.
- Onde eu estou? – uma voz, afobada pelas árvores, disse.
Eu visualizei a figura de Victor na minha mente, de olhos fechados. Ele usava a blusa azul novamente mais sua calça jeans azul clara, um pouco surrada, desta vez tinha prendido seu cabelo em um coque e usava um tênis preto, simples, mas eficaz. Eu o via nitidamente, mas não sabia localizá-lo e nem prever seus movimentos.
- Onde eu estou? – sua voz suou mais forte, mas eu pude pressentir que estava mais longe.
Não respondi, ainda centrada, tentando encontrá-lo, identificar onde estava. Pude ver suas feições centradas, a testa um pouco franzida, a boca tensa, os ombros contraídos. Pela postura que ele portava eu poderia dizer que ele estava planejando algo.
- Onde eu estou? – sua voz saiu mais baixa, compenetrada.
No próximo momento eu pude ver seu corpo movimentar pela mata fechada, os galhos se quebrando, roçando em sua pele, as folhas se partindo, as pedras colidirem com seus pés. Ele estava se movimentando rápido, rápido, muito rápido, em minha direção. Pude pressentir seu corpo se aproximar ao meu nitidamente. Na minha frente.
- ONDE EU ESTOU?
Eu desviei, para o lado, do primeiro golpe e seguidamente, sem nem ao menos pensar direito, levei a minha mão a frente com rapidez e alcancei a primeira coisa que encontrei, o braço de Victor. Abri os olhos e vi Victor com olhar intacto, parado sobre seu braço, como estivesse surpreso. Apertei mais, tirando atenção dele do braço para mim. Sorri vitoriosa, abertamente, mostrando cada dente meu, feliz por conseguir e pretensiosa por mostrar a Victor que não foi em vão tanto treinamento, mesmo que só em uma semana. Ele riu de volta, da mesma forma, feliz por mim.
- De novo – ele disse baixo.
Tirou seu braço do meu aperto e correu novamente para floresta, se perdendo nela e da minha vista, para que o que acabou de acontecer se repetisse de novo, de novo e de novo.




- Pense a respeito ao que eu te disse hoje a tarde, Claire...
- Ta Victor, eu vou pensar.
Ergui-me sobre os pés e beijei rapidamente sua boca, não dando espaço para que prosseguisse. Eu estava cansada, depois de todo o treino que passamos hoje a tarde a única coisa que eu queria fazer era deitar na minha cama e dormir. Chegamos ao Instituto por volta da nove horas da noite, eu pude ver alguns alunos ainda circulando pelo refeitório ou mesmo no jardim, mas ninguém que eu conhecesse. Agora eu queria deitar e Victor, mesmo não estando tão cansado quanto eu, pareceu entender, mas ele ainda insistia na idéia de que eu deveria lembrar o meu passado. Eu não discordava dele, mas, nesse momento, eu não queria pensar nisso.
- Ate amanha?
- Eu te vejo amanha.
Passou a mão pela minha nuca e beijou minha testa. Saí em direção a meu dormitório e ele ao dele. Atravessei o jardim, cheguei às piscinas e fui para o dormitório. Quando abri a porta não encontrei ninguém, apenas silêncio. Agradeci mentalmente por Lucius não estar ali. Não queria vê-lo. Fui ao meu quarto depositei minha bolsa em qualquer lugar e fui ao banheiro tomar meu banho. Depois de tudo voltei ao meu quarto, me sequei, vesti minha camisola e deitei na cama sob os lençóis, esperando o sono. Ele não demorou tanto a chegar.

O quarto continuava o mesmo. O guarda-roupa, a escrivaninha branca, a minha cama, tudo. Mas no fundo eu sabia que tinha algo diferente. Estava mais escuro, eu mal podia enxergar à porta do meu quarto, apenas a sombra do que ela costumava ser. Deitei-me novamente achando que era apenas um mau pressentimento da minha parte. “Não há nada de errado, nada. É só sua imaginação” – eu disse a mim mesma deitando novamente na cama. Foi quando percebi que meu lençol não estava mais sobre mim, eu estava apenas de camisola, sentindo frio, muito frio. Peguei a barra do lençol e comecei a descê-lo, ainda sob minhas costas, mas uma mão me impediu. Eu encarei a mão em meu pulso e senti o medo avançar sobre mim, me congelar, arrepiar minha nuca. Eu tentei me soltar, mas não adiantava, então senti uma mão subir minha perna, do meu tornozelo ate minha coxa, lentamente, mantendo contato, com sua mão espalmada, intimamente, com o polegar na parte interna da minha coxa. Minha respiração acelerou a encarar o dono desse movimento tão agonizante. Então o que parecia ruim, assustador se tornou bom, prazeroso. Olhei aqueles profundos azuis anil, sentindo a respiração me faltar. Ele mexeu a mão em minha coxa, se movendo mais para cima, na lateral da minha calcinha e agarrou meu quadril. Ele deslizou sobre mim, colocou sua mão a meu lado, com o braço sustentando, tentando não encostar nossos corpos. Seus olhos me diziam tudo e ao mesmo tempo nada. Enigmático, como sempre fora, sem a menor pista do que ele faria depois. Senti seu peso sobre meu corpo, quente, grande, presente. Abri mais minhas pernas para que ele se acomodasse melhor, sentindo sua respiração em meu rosto, meu pulso acelerado, o seu quadril encaixando ao meu. Com o antebraço encostado a cama, ele acariciou meus cabelos e rosto com as pontas do dedo. Um movimento que poderia ser tão doce, mas com ele não. Eu podia sentir em cada centímetro de pele a sua possessividade, seu egoísmo, sua marca. Ele pressionou mais seu quadril ao meu, me fazendo arfar baixo. Um sorriso zombador apareceu em seu rosto. Enrolei mais minha perna a dele, querendo mais. Passei minhas mãos dos seus braços a sua nuca e ele me obedeceu. Encostou sues lábios aos meus e o sugou, ferozmente, sem que nossas línguas se encostassem inteiramente. Protestei e envolvi meu braço a sua nuca, mas ele me deteve. Passou sua mão do meu quadril e do meu rosto, ate meus braços, sustentando minhas mãos em cima, atadas a cama. Olhei para seus olhos, sem entender. Eu queria tanto aquilo, mais tanto. Deslizou seu rosto no meu, podia sentir a barba rala roçar em minha bochecha, ate chegar ao meu ouvido. A respiração quente resplandeceu quando abriu sua boca tão perto de mim.

- Você pertence a mim. Só a mim – beijou o ponto a baixou do lóbulo da minha orelha, como uma caricia – Não esqueça disso...

Então não estava mais ali. Não havia nada sobre mim. Só a lembrança do que havia acontecido continuou ali. Se isso realmente tiver acontecido.


Acordei ainda com as palavras em minha cabeça. Só a mim. Fora só um sonho, um sonho que parecia real de mais. O quarto estava exatamente como antes, quando pensei que ele estava aqui, escuro. Eu sentia o seu cheiro ainda ali, invadindo meus pulmões, acabando com qualquer paz que tinha. Virei-me na cama, tentando voltar a dormir. Afinal foi apenas um sonho.




Eu tentei dormir depois do maldito sonho, mas não consegui. Variando entre o que Lucius tinha me dito e o que Victor me falou. Victor havia me dito que eu precisava saber mais sobre meu passado, procurar saber a verdade, me esforçar mais. Tanto nisso quanto a Lucius. Ele havia dito que eu deveria deixá-lo ir. Mas ele não me deixava ir. E eu achava que nunca deixaria. Eu removi aquele sonho em minha memória varias vezes, era tudo tão vivo, tão presente, que eu não conseguiria esquecê-lo. Porque eu pertencia a ele, só a ele. Eu ri irônica, já cansada de tudo isso. Se eu não podia lidar com esse sonho agora, eu poderia lidar com outra coisa. Levantei-me da cadeira, indo em direção a Sam, sem nem falar com Moira ou Celina. Já era final da aula e eu precisava falar com ele antes de começar o treino. As meninas não me seguiram, elas devem ter percebido meu mau humor de hoje de manha e não falaram nada. Cheguei perto de Sam, que conversava algo com o Jerimi, e chamei a sua atenção.

- Sam, eu preciso conversar – olhei para Jeremi que me olhava com um sorriso – Sozinha.
- Ok! Eu acho que entendi a indireta, senhorita Bauer – Jeremi se despediu de mim e de Sam com aceno de cabeça – Ate mais, então.
Eu esperei que Jeremi saísse da sala para que eu pudesse continuar a falar com Sam. Ele já estava sentado novamente, provavelmente sabendo que eu não queria apenas jogar conversa fora.
- O que foi, Claire? – ele olhou com o rosto mais sério.
- Não é nada sério Sam. Eu só quero te perguntar uma coisa...
Peguei à cadeira próxima a mim e a virei para frente, me sentando em seguida. Olhei para Sam não sabendo como começar.
- Pode falar, Claire.
- Certo! Eu sei que você nasceu fora do Brasil e veio para cá ainda novo junto com os seus pais.
- Aham...
- E que também seus pais são bem ligados ao Conselho e tudo que envolve o nosso mundo.
- É. Meus pais podem ser humanos, mas a nossa família sempre foi ligada ao Conselho, há muitos anos atrás, foi por causa disso que vim parar nesse Instituto.
- Ótimo! Porque o que eu tenho que perguntar tem haver com o Instituto.
- Eu não sei se vou poder responder tudo, mas vou falar o que eu sei.
- Brigada! – eu sorri agradecida – Sam, o que você sabe sobre o ataque em 2002, o que ocorreu na igreja?
- Sobre isso? Eu pensei que você soubesse... O Conselho limita e desvia muita informação sobre isso, só por isso eu sei pouco, mas o necessário. O Instituto foi atacado em uma época em que não havia praticamente quase nenhum principado aqui, por causa das férias. Eles sabiam disso, é claro, o que dificultou um pouco as coisas. Na época eu não estava na cidade, por isso não soube muito sobre o atentado. Mas com o passar do tempo, por causa da minha família, eu fiquei sabendo que não foi um mero ataque, que isso tinha se iniciado de dentro, por uma pessoa de confiança.
- Pessoa de confiança?
- É. Ele era um professor muito graduado aqui no Instituto e também no Conselho, já fez coisas grandiosas pelo Conselho. Sem contar que ele era um dos mais velhos dominação daqui ou mesmo do mundo. Eu não sei o que aconteceu ou como, mas ele entregou a nossa localização pra Corte Negra. Ele traiu o Conselho. Muita gente morreu na época, é por isso que quase ninguém fala disso.
- O que aconteceu?
- Eu não sei direito. Parece que ele se tornou o líder de uma parte da Corte. Ele foi procurado por muito tempo na época, mas ninguém o encontrou. O Conselho não fala sobre isso, escondem o erro que cometeram, mas as conseqüências ainda continuam.
- Você acha que é ele que anda causando os ataques recentes?
- Eu ouvi falar sobre os ataques. Não sei se pode ser ele, mas eu acho que sim. Ele deixou muitas coisas pendentes aqui.
- Quem é ele?
- Não sei aparência, só seu nome. Parece que ele tem vários nomes, mas aqui ele ficou conhecido como Gabriel.
- Gabriel... – eu repeti as palavras sem pressa.
- Você não sabia sobre isso? – neguei com a cabeça - Eu pensei que como sua irmã já tinha treinado com ele ou mesmo o Lucius e a Sura tinham te contado, mas parece que não.
- Não, eles não me contaram sobre isso.
E sobre mais nada. Eu pensei, mas não disse.


******



- Moira, eu preciso ir. Você sabe – eu repeti pela terceira vez.
- Claro! Você tem aula com a Sophia, e pela décima terceira vez nessa semana você vai matar a aula da Luisa e da Helena.
- Eu sei que não tenho passado tanto tempo com vocês, mas eu preciso ir. São ordens da Sura.
- Certo! Você precisa desenvolver seu dom como blind e não sei o que, blábláblá – Moira gesticulou com a mão fazendo eu e Celina rirmos – Mas eu preciso te contar o que aconteceu ontem com o Irial!
- Eu sei que é importante, mas você pode me contar depois, não pode? – arqueei a sobrancelha vendo Moira bufar – A Celina já me entendeu, porque você não entende?
- A Celina é uma chata, não tem nada de mais pra contar. Já eu...
- A ta bom, Moira – Celina se manifestou – Tenho certeza que você vai contar as mesmas coisas de sempre. Nossa ele me colocou na parede e, Deus, como foi bom... – Celina a imitou.
Falei antes que Moira reclamasse de algo.
- A Celina tem razão Moira. Depois a gente conversa. Agora eu preciso ir... – peguei minha mochila que já tinha minhas roupas e coloquei sobre o ombro – Ate mais meninas.
Andei apressadamente ate a entrada, onde provavelmente Victor me esperava em sua moto. Depois de todo esse tempo eu não acreditava que já tinha se passado dois meses. Várias coisas tinham acontecido depois do meu sonho e da conversa com o Sam. Eu decidi focar no meu treino, sem pensar em nada alem disso. Sem Lucius ou Victor na minha vida. Às vezes eu e Victor nos beijávamos, mas eu não deixei mais nada acontecer. Eu tinha muita coisa na cabeça para ficar pensando com quem eu deveria ficar ou não. Então eu foquei nas lutas, desenvolvi golpes, estendi meu dom. E, cara, eu era boa. Boa pra caralho. Eu não chegava a ser melhor que Victor, mas estava chegando lá. Eu podia dizer com certeza que eu era melhor que quase todo mundo do Instituto. O que me estimulava a treinar mais e mais. Agora era hora em que eu enganava mais uma vez as meninas dizendo que tinha aula particular com a Sophia e ia treinar na floresta. Não era na cachoeira e sim mais perto do Instituto onde ninguém poderia nos ver. Saí pela porta lateral, sabendo que não haveria ninguém por ali, já que Sura havia fechado aquele local só para que eu pudesse passar na hora que eu quisesse sem ser percebida. Mas ao invés de encontrar a moto tão usual de Victor e ele em cima, eu encontrei um carro. E não era um carro qualquer, era uma BMW 6 coupé. Os vidros pretos não me deixaram ver quem era por dentro. Eu olhei o carro novamente e hesitei. Na hora eu pensei que só poderia ser Victor, mostrando seus gostos por carros. Dei a volta, sabendo que já estava muito atrasada, e abri a porta, me sentando no banco de couro.
- Desculpa a demora, Victor, eu ta... – deixei as palavras morrerem quando me virei e vi quem estava ao meu lado.
- Nenhum problema... – Lucius sorriu cínico, atravessado – eu também não esperava te ver tão cedo.

4 comentários:

  1. Por favor, posta mais, eu comecei ler hoje e ja amei.adorei blind:)
    Estou anciosa pra ver o que vai acontecer, é simplesmente perfeito.
    bjjs

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  2. pelo amor de Deus ! quase infarto aqui...
    esse capitulo ficou perfeito. a cada capitulo fico mais indecisa entre quem é mais maravihoso: Lucius ou Victor ... ♥_♥
    vou esperar ansiosa pelo próximo capítulo, posta logo, por favor .! n_n'

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  3. Misericordia quase tive um treco!!!
    Tipo acho que vc podia da uma de jorge amado e e colocar a claire como "A dona flor e seus dois maridos" pq siceramente não consigo decidi entre o Lucios e o Victo vo te falar o mulher de sorte eimm!!!
    Agora o final foi de mata quarquer um do coração entao por favor posta logo pq a historia ta demais.

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  4. oi meu nome é monique
    queria saber se vc pode pf me mandar os capitulkos anteriores no meu e-mail
    monique_sm@hotmail.com
    bjs obg pela atenção

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