terça-feira, 13 de abril de 2010

Capítulo 2 - *Sentidos:

Lucius. Ele parecia o mesmo que eu vi há sete anos. Com uma única diferença: suas asas.
Elas não estavam mais no mesmo lugar, atrás da suas costas. Depois de vários anos vendo-as, não vê-las mais me fazia sentir agoniada e triste. Elas tinham um esplendor que eu nunca poderia descrever inteiramente, era como se tivesse vida e de uma forma diferente das outras. Desde que eu cheguei ao Instituto às únicas asas negras que tinha visto eram as da Sura e mesmo assim não eram como as do Lucius. Agora eu nunca mais poderia ver elas novamente.
As únicas explicações que eu tive sobre isso era que ele havia desistido da sua divindade para ficar e treinar no mundo humano. Treinar de uma forma ‘igual e justa’ entre humanos não me parecia à desculpa certa para o que ele tinha feito. Ele tinha desistido da sua forma angelical fazia três anos, o que me fez pensar que, indiretamente, eu estava ligada a sua escolha.
Eu encarei o chão tentando me livrar desses pensamentos, agora não era uma boa hora pra me lembrar do meu incidente. Eu ainda estava parada em frente à porta do ginásio esperando que ele me chamasse. Ele não me chamou.
Eu ouvi a porta atrás de mim ser aberta. Olhei para trás e encontrei Moira e Celina me encarando. Celina estava me olhando como se me incentivasse a seguir em frente. Eu sorri pra ela. Já Moira parecia impaciente, com seus olhos marrom-escuros me olhando e uma sobrancelha erguida. Foi nesse momento que eu percebi que talvez, eu estivesse muito tempo parada na frente da porta tendo meus devaneios. Eu ri sem graça e amaldiçoei aquela porta dupla por ter uma janela de observação.

- Pensa pelo lado positivo, Claire. Pelo menos você vai ter oportunidade de ter um ‘corpo-a-corpo’ com o Lucius. - Provavelmente a Moira percebeu no que eu estive pensando durante aquele tempo e me disse aquilo.
Eu senti meu rosto esquentar e a raiva se alojar em mim. Eu ainda vi Moira segurando o riso enquanto a Celina a cotovelava sem graça. Eu meditei seriamente em ir lá e socar ela, mas ai já era tarde de mais, elas já tinham fechado a porta. E mesmo assim eu ainda ouvia os risos da Moira atrás da porta. Aquela...

Eu apertei minhas mãos em punhos e fechei os olhos. Talvez ele não...
Eu me voltei para o centro do ginásio e o olhei. E lá estava ele. Ele usava uma calça de moletom cinza com rajadas negras na lateral, uma regata preta – que incondicionalmente deixava seus contornos mais visíveis sob a pele branca, principalmente seus braços – e como sempre estava descalço. Ele parecia mais alto e até mais presente nessa quadra vazia. Eu olhei em seu rosto e pude perceber o meio sorriso que ele direcionou pra mim. Eu apertei meus lábios.

Ta, como se ele realmente não pudesse ouvir o que a Moira tinha dito. Droga.


Mesmo desistindo da sua divindade, o ‘bônus’ que vinha com ela não tinham desaparecido. Ele ainda era tão rápido e tão forte quando ele tinha asas. Ainda tinha sua super audição e sabia lidar com uma espada como ninguém. Havia vários treinadores com as mesmas habilidades, como Irial, mas isso não os fazia como Lucius. Ele era o melhor entre eles, talvez por ser o mais velho ou talvez por ser igual a mim. Ou os dois.
Eu andei em sua direção sem desviar meu olhar do dele. Eu podia ver a pequena mancha marrom em seu olho esquerdo. Diferente de mim que tinha cada olho de uma cor, ele tinha apenas aquela pequena mancha marrom-avermelhada em seu olho azul. O que os humanos chamavam de heterocromia, o Instituto chamava nós de Blind.
O seu pequeno sorriso se desmanchou quando cheguei mais perto. Ele tinha os braços cruzados em suas costas e o olhar sério. Eu sabia o que ele estava tentando fazer aqui, me intimidar, mas isso não daria certo. Eu ergui minha cabeça mais um pouco e parei em frente a ele. O encarei, mostrando que não estava insegura ou com medo. Eu não daria esse gostinho a ele.
Ele arqueou uma das sobrancelhas quando percebeu minha intenção, mas não riu de mim ou tentou mostrar quão ingênua eu era. Apenas me encarou com indiferença. E era esse gesto que sempre me matava por dentro. Era como se tudo que eu vivenciei, o quanto tudo aquilo significava pra mim, não fizesse a menor diferença para ele. A raiva que eu senti quando Moira brincou comigo não era o triplo da que eu sentia agora.
Seus olhos se desviaram dos meus e eu o senti olhando toda a dimensão do meu corpo, me avaliando. Nesse momento eu não agüentei e olhei para o lado, envergonhada. Mesmo sabendo que ele estava olhando minhas roupas e não a mim, como eu sempre fazia com ele.
Eu me xinguei mentalmente por não ter tido tempo de pegar a roupa de treinamento. Invés disso eu estava vestida com a única roupa da Moira que servia em mim. Infelizmente as roupas da Celina não cabiam em mim. Eu vestia um short de malha preto, que para o padrão do treinamento poderia ser considerado curto, tendo em vista que todos os membros sempre treinavam com calças de poliéster. Usava uma bata bege, meus cabelos ainda estavam soltos até minha cintura e eu usava um sneaker verde e azul que eu peguei emprestado com o Jeremi, que impressionantemente usava o mesmo número que o meu, 36. Nesse momento eu era a discrição em pessoa.

- Preparada? – ele voltou a olhar em meus olhos.
Eu cogitei em dar à mesma resposta que eu dei pra Celina, mas eu pensei melhor. Eu apenas assenti com a cabeça. Ele, então, me deu um sorriso claramente forçado. Idiota.

- Pelo o avanço da sua recuperação, eu projetei um teste baseado no modo ataque-defesa. Eu espero que você esteja de acordo comigo. – ele me falou isso mais como uma ordem e não uma pergunta. Logo eu fiz o que estava no meu alcance e assenti novamente.

Depois de assentir eu tentei lembrar o que a Moira tinha me dito sobre os treinos e o que ‘modo ataque-defesa’ deveria significar para mim. Foi aí que a ficha caiu.

Droga, droga, DROGA!

Diferente de todos os novos membros que passavam pelo teste inicial, em que o novato atacava e demonstrava suas habilidades, preferencialmente em um boneco de luta e raramente com um treinador, eu teria que lutar com o Lucius. Simplificando, ele me atacava e eu tentava me defender e contra-atacar. Bom isso era literalmente um ‘corpo-a-corpo’ com o Lucius, o que me fez pensar se a brincadeirinha da Moira não tinha interferido na suas decisões.

Eu vou matar a Moira quando eu sair daqui, isso se eu sair. AH!


Eu me forcei a me acalmar. Não era como se eu esperasse menos do Lucius, era por isso que ele era sempre o mais temido nos testes iniciais. Ele sempre exigia mais do novato, pra falar a verdade de qualquer um. Mas isso era diferente. Ele sempre preferiu que o aluno demonstrasse suas habilidades nele ao invés do boneco, mas ele nunca revidava. O que seria diferente do que aconteceria comigo agora.

-Podemos começar? – ele me perguntou com toda arrogância do mundo.

- Claro. – eu respondi no mesmo tom.

Eu prendi meu cabelo, com a liguinha que estava em meu braço, em um rabo-de-cavalo e tirei meu tênis e meias enquanto Lucius apenas observava meu ritual de preparamento. Coloquei meu tênis no canto do segundo circulo que ficava no centro da quadra e voltei ao meu posicionamento inicial. Separei meus pés a uma certa distancia e posicionei meus punhos perto do meu rosto, em modo de defesa.E fiquei esperando que ele me atacasse.
Ele apenas me olhava com divertimento.
Esse filho da p... O primeiro golpe veio sem avisar. Ele tinha vindo rapidamente a minha frente e tentado me acertar na parte esquerda com a perna. Eu me esquivei e impedi o chute com o braço esquerdo. Prontamente ele me socou com o braço direito e eu me desvencilhei abaixando. Aproveitando minha posição eu tentei dar uma rasteira, mas ele pulou facilmente e me acertou com o pé. Eu caí, porém levantei e tentei acertar sua barriga com um soco, o que ele impediu segurando minha mão e me puxando para ele. Nossos corpos se encaixaram e então ele tentou torcer meu braço e atá-lo as minhas costas. Eu desviei em um giro e o chutei na parte esquerda do tórax. Eu o acertei,
mas isso não o afetou. De repente ele estava do meu lado e então... Eu senti meu couro cabeludo queimar e meu pescoço arquear de dor, eu soltei um gemido e caí no chão. O próximo golpe foi para me mobilizar. Ele segurou minha duas mãos acima da minha cabeça e atou minhas pernas com o peso das suas. Ele me encarou e sorriu. Eu me mexi debaixo dele tentando escapar, mas não deu muito certo.

- Um... - Ele estava contando?! – Dois... Três... – Imbecil. Eu me debati mais tentando afrouxar seu aperto, mas isso só piorou - quatro... – Ele apertou mais minhas mãos – cinco.

Ele soltou minhas mãos e saiu de cima de mim. Eu senti algo queimar dentro de mim: humilhação e raiva. Eu me levantei rapidamente tentando disfarçar minha raiva, o que não foi fácil. Dessa vez eu cruzei meus braços atrás das minhas costas e esperei sua avaliação. Ele ainda me olhava com um sorriso no rosto, indiferente. Eu podia ver que ele estava contando o ritmo da minha respiração e avaliando meu autocontrole. Mais uma vez eu me forcei a me conter e parecer tão indiferente quanto ele. Lucius deu dois passos em minha direção e se aproximou. O que me fez levantar mais o rosto, comprovando o quanto mais alto que ele era de mim. Ele sibilou um sorriso maior.

- Nível dois. – ele se virou e se afastou. Eu o vi abaixando em um lado do circulo e pegando sua garrafa de água. Ele poderia não ser tão humano, mas ainda tinha suas desvantagens.

Eu o olhei fixamente e demonstrei meu descontentamento com sua decisão. Minha boca abriu e minhas mãos se ergueram lhe mostrando que eu não havia entendido sua conclusão. Eu esperava no mínimo o nível três.

Eu não tinha acertado ele?Isso não conta?

- Nível dois?! – eu perguntei incrédula.

- Talvez você tenha razão, Claire. Eu acho que me precipitei. Talvez o nível um seja a melhor opção.

Ele estava diminuindo meu nível? Dentro do Instituto havia cinco níveis de treinamento, o que demonstrava o quanto cada um estava apto para proteger sua Dominação, ou no termo mais usual, anjo. Indiferentemente de cada nível, uma pessoa poderia passar alguns meses ou anos em cada nível, isso só dependeria do desenvolvimento de cada. Em alguns casos, mesmo se chegando ao ultimo nível a pessoa não era destinado a proteger um anjo, isso só ocorria pela falta de aptidão ou comprometimento ou ate mesmo pela própria escolha do Principado, o que raramente acontecia.

- Não, nível dois esta ótimo – eu disse sarcasticamente.

- Claro que esta. – ele disse sério e então se virou e andou em direção a porta do ginásio.

Mas antes de sair da quadra, ele se virou e disse:

- Da próxima vez, Claire, prenda seu cabelo em um coque. É mais seguro.
Ele se virou e me deixou sozinha na quadra.

3 comentários:

  1. hmm, Lucius me deu saudades do Dimitri! adoreei, tá indo muito bem! :DD

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  2. Adoreiii !!!
    continue escrevendo a história parece ser otima !!
    E o mundo que vc está criando tmb!! hewhew

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  3. Leitora nova!!!
    Estou adorando a historia, inclivel esse Lucios é tudo de bom. Amei

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