quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo 17 - *Revelações:

Foram segundos ou quase isso. Eu estava segurando fortemente a mão de Victor, então não mais. Mãos frias e deformadas agarraram meus ombros, me levando ao chão. Minhas costas bateram contra o chão duro e arqueei meu corpo ao atingir a raiz de uma árvore. Eu gritei. Gritei de dor. Desespero. Medo. E mais dor. Eu pude ouvir a voz de Victor ao fundo. NÃO! Então dor, simples e pura. Uma dor imensa se alojou em meus ombros e eu senti um peso sobre mim. Meus pulmões inflaram e eu gritei, sem entender o que estava acontecendo ao meu redor. Eu abri os olhos ainda sentindo o sangue quente e fresco escorrer dos meus ombros ao chão. E lá estavam aqueles olhos negros me encarando. Sua boca com dentes finos e cerrados. Eu não saberia dizer com exatidão, mas ele parecia sorrir. Eu pude ver a descrição negra por sua pele azulada. Elas contornavam todo o seu rosto ate a extensão do pescoço e iam se espalhando por seu corpo, com diferentes tamanhos e variadas formas. Eu não sabia o que elas falavam, mas eu tinha certeza que eram escritas em hebraico. Seus lábios brancos com rajadas negras se abriram mais me mostrando todos os dentes. Eu sabia o que ele era. Sua pele azulada, as escritas delineadas pelo corpo, seus dentes em formas de pregos afiados, suas unhas negras que ainda persistiam em perfurar minha pele e seus olhos negros. Ele era um Djin. Mas não era qualquer Djin. Ele era o dos piores. Os Ifrits. A maioria dos Djins tinha formas indeterminadas, podendo ser um humano ou um animal. Na maioria dos casos eles incorporavam em formas dos elementos. Ar, fogo, terra ou água. Mas os Ifrits eram diferentes. Eram criaturas infernais que viviam na terra através de trocas de favores. Procuram humanos tolos o suficiente para conceder desejos a eles em troca de sua alma. Sua ligação com o mal era tão profunda quanto de um demônio. Por isso eles trabalhavam juntos. Os Dijins conseguiam seguidores a Corte Negra, em troca eles concediam mais poderes aos Ifrits. Acreditasse que os Djins eram tão poderosos como os anjos, mas foram expulsos ao se rebelarem e ambicionarem mais poder. Agora havia um bem a minha frente. Cada desejo concedido por ele forjado em sua pele. E eu poderia jurar que um desses desejos era minha própria morte. O Djin se curvou sobre mim, cravando mais suas unhas, me fazendo gritar enquanto ele proferia palavras indecifráveis. Eu pude ver por alguns segundos sua pele azulada ganhar uma cor alaranjada, começando com suas mãos, indo para seus pulsos, braços, então para todo seu corpo. Depois disso eu não vi mais nada. Meus olhos se fecharam em protesto, minhas mãos agarraram a primeira coisa que eu senti, meu corpo se contorceu em dor e eu gritei, pela décima vez, eu gritei. Sentindo queimar cada célula de meu corpo. Minhas pernas se debateram sob o corpo grande do Ifrit, mas eu já tinha perdido a consciência dos meus atos. Ele espalmou sua mão sobre meu peito, espalhando a dor daquele ponto para cada extensão do meu corpo. Meus gritos se fundiram a um som animalesco. As unhas foram arrancadas dos meus ombros dolorosamente. Então eu não senti mais nada. Corpo. Dor. Som. Vida. Eu não senti nada.



******




Um estrondo. Grande e alto. Eu só pude ouvir isso. Eu tentei abrir meus olhos, mas eu estava cansada de mais. Porém isso não evitou que eu ouvisse as próximas palavras.

- Eu te avisei, Victor. Se alguma coisa acontecesse a ela eu te faria sofrer em dobro.
Outro estrondo. Como se algo se chocasse.

- Da próxima vez eu não vou apenas te avisar – silêncio. Duro e tenso. – Eu vou matar você.

Os próximos segundos que se sucederam eu não ouvi mais nada, servindo apenas para confirmar que Lucius não blefava. Ele mataria Victor, sem dó ou arrependimentos, e o mataria da forma mais dolorosa possível. Então uma risada baixa, triste e debochada, encheu o ar.

- Não haverá próxima vez – eu reconheci a voz de Victor – Acredite, eu sei o quanto é doloroso ver a pessoa que se ama ser tirada de você.

- Essa não é a questão, Victor – sua voz soou mais intimidadora que antes - Não me julgue pelos seus próprios erros.

- Eu só tentei protegê-la. E por mais que eu tentasse, ela só se afastou de mim.

- Protegê-la? A única coisa que eu vi você fazer foi machucá-la.

- Da mesma forma que você esta machucando a Claire.

Um barulho forte. Eu não precisava abrir os olhos para saber que Lucius tinha batido em Victor.

- Não ouse me julgar, Victor. As minhas decisões só cabem a mim decidir.

- Ah! Eu sei disso – eu pude imaginar o sorriso irônico que Victor deu a Lucius – Da mesma forma que eu sei que algo esta acontecendo aqui. Eu não sei o que você ou a Sura estão planejando, mas eu vou descobrir e não haverá nada que me impeça de fazer isso.

- Você tem certeza disso? – uma voz feminina soou mais ao fundo – Eu espero que vocês parem com isso, porque eu não quero acabar com vocês bem em frente à Claire. E eu também tenho certeza que ela não gosta de ser citada na 3ª pessoa.

Bem se eles não sabiam que eu estava consciente, agora eles sabiam. Sura tinha acabado de contar a eles. Eu me forcei a abrir meus olhos. O processo foi um pouco doloroso, mas eu consegui. As coisas foram tomando forma e eu pude reconhecer as pessoas. Então eu reconheci o quarto tão familiar para mim. Eu estava novamente na enfermaria. Tentei me sentar para ver melhor as pessoas que me encaravam, mas não deu muito certo. Meu ombro estralou e eu senti uma dor se alastrar pelo meu corpo. Eu arfei de dor. Quando eu abri meus olhos novamente pude ver Lucius me segurando e me apoiando. Eu olhei para ele enquanto seus olhos ainda estavam na cama tentando me ajustar a ela. Eu sei o quanto é doloroso ver a pessoa que se ama ser tirada de você. Ele me amava e era isso que fazia me sentir pior. Afastei meus olhos dele tentando não mostrar minha fraqueza. As memórias vieram a minha mente vagarosamente. Eu lembrava de Victor. A mata fechada. Os Ifrits. Senti um frio arrepiar os pêlos da minha nuca. Eu havia sido atacada, mais uma vez.

- Você esta se sentindo bem? – Lucius perguntou com a voz baixa e sentida.

Eu apenas assenti sem olhar em seus olhos. Victor andou ate mim, quase se agachando ao meu lado para chegar ao mesmo nível dos meus olhos. Ele se dobrou sobre mim e depositou um pequeno beijo em minha testa. Lucius que estava ao meu lado não disse nada, mas eu pude sentir sua hesitação diante ao gesto de Victor.

- Você sabe que eu não fiz isso, não sabe Claire? – Victor perguntou um pouco nervoso.

Eu assenti já sabendo a resposta. Ele não tinha feito nada. Eu tinha uma lembrança vaga do que tinha acontecido. Victor, antes de eu desmaiar, tinha tentado deter o Djin, mas não tinha conseguido. Eu ainda podia ouvir seu grito ecoar na floresta. Ele tinha tentando me salvar e quase não tinha conseguido. Os olhos de Victor foram de mim para Sura, mais sério.

- Eles não estavam tentando matá-la. – Victor tentou explicar algo que não fazia nenhum sentindo para mim.

- Não estavam? – minha voz saiu baixa e falha, mas ele me ouviu assim como todos na sala.

- Ele tentou te marcou Claire – isso soou mais ameaçador do que uma tentativa de assassinato.

Eu olhei para onde o Ifrit tinha me segurado e vi ataduras circundando meu ombro e meu peito, não me deixado ver o estrago que ele tinha feito em mim. Sem entender o que aquelas palavras significavam, eu olhei para cada um que estava na sala pedindo uma explicação. Eles não pareciam muito dispostos a responder.

- Eu preciso saber o que aconteceu – minha voz saiu mais forte – Ele tentou me matar ou não?

E como sempre o único que respondeu minhas perguntas foi Victor.

- Pelos sinais que ficaram em seu peito, ele estava te marcando em nome de seu líder, colocando em você uma parte dele para que pudesse te localizar a onde e quando quisesse – ele se virou para Lucius e Sura – Além do mais nós não fomos atacados por apenas um Ifrit e sim dois. Alguém sabia que você tinha saído e que não estava sozinha. Um Ifrit me atacou diretamente tentando evitar que eu te protegesse.

Eu engoli em seco. Alguém sabia que você não estava sozinha. Então tinha que ser alguém do Instituto. As lembranças passaram rapidamente por minha cabeça. As sombras em minha irmã. O desaparecimento repentino do Jeremi. A obsessão de Victor em saber o que tinha acontecido. A saída da Sura do Instituto. A atitude bipolar de Lucius. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Por que tudo parecia tão confuso? As informações eram jogadas em mim sem nenhuma explicação satisfatória. E por mais que eu tentasse, eu não consegui tirar da minha cabeça que algo de ruim estava para acontecer.

- Me marcar em nome do seu líder? Qual líder?

Todos hesitaram. Olhares perdidos e silêncio. Isso me indicou que eles sabiam a resposta.

- Me deixa adivinhar! – eu disse debochadamente – Vocês não podem me dizer?

- Claire... – Sura tentou se explicar.

- Obrigada, mas eu não quero mais desculpas. Por favor, me deixem sozinha.

Eu pude ver o olhar perdido de Sura. Ela parecia se sentir culpada. Mas sinceramente eu não me importava. Se eles tinham o direito de me privar da verdade, eu tinha todo o direito de me privar deles.
- Eu preciso falar com você antes, Claire – Victor me disse segurando minha mão.

O olhei e assenti, deixando que ele continuasse a conversa.

- O quanto disposta você estaria para tentar evitar que isso acontecesse novamente?

Diferente de mim, que não entendeu a que Victor se referia, Lucius pareceu entender bem. Tudo foi um borrão. Lucius foi para Victor, mas foi impedido no último momento por Sura, que o segurou pelo braço. Mas isso não impediu que ele gritasse com Victor ou tentasse se separar de Sura.

- Eu não vou permitir que isso aconteça, Victor. Você entendeu? – ele proferiu as palavras o suficiente para que todo o colégio ouvisse – Ela poderia morrer por isso!

Victor que parecia calmo há algum tempo atrás, não estava mais. Ele andou ate Lucius em passos duros, recebendo um olhar desaprovador de Sura. Ela ficou entre eles tentando evitar uma briga. Entre eles havia suas asas negras, abertas, mostrando sua força e determinação. Ela não deixaria que eles brigassem, pelo menos era isso que esperava.

- Era isso que você fazia com a Minogue quando eu não estava aqui, Lucius? Tentava evitar que eles a atacassem? – Lucius não respondeu, mas suas mãos estavam em punhos – Quantos demônios você matou para que isso não acontecesse? - um sorriso demoníaco apareceu no rosto de Victor – Mas deixa eu te informar. Isso não deu certo. Você não conseguiu fazer seu trabalho e ela quase morreu por isso.

A mão de Lucius foi parar no rosto de Victor, tirando sangue do canto de sua boca, enquanto Sura, ainda entre eles, agarrava a blusa de Lucius tentando afastá-lo. Eu vi suas asas abrirem em exaspero, o impedindo de atravessar o pequeno espaço entre eles. Eles iam acabar matando um ao outro. Então eu fiz o que uma menina mimada e chata faria.

- PAAAAAAAAAAAAAREEEEEM! - Gritei. Gritei alto.

Os olhos assustados e nervosos de Lucius foram parar em mim. Victor voltou a sua postura, mas um pouco hesitante. E Sura finalmente conseguiu uma folga. Bem pelo menos tinha dado certo. Eu olhei para Lucius, ainda recuperando meu fôlego.

- Eu não o culpo pelo o que aconteceu, a única culpada aqui sou eu – ele pareceu querer falar alguma coisa, mas eu não deixei – Mas se eu tenho a chance de impedir que isso aconteça novamente, eu tenho o direito de saber como. E essa decisão é somente minha.

- Não é tão simples assim Claire – Sura disse mais calma.

- Mas eu pelo menos poderia saber o que é, não posso? – eu a enfrentei pela segunda vez no dia.

Ela assentiu e olhou para Victor, pedindo que ele me explicasse, mas em seus olhos havia um aviso perigoso e taciturno. Victor demorou um pouco a falar.

- Eu poderia treinar você – havia certo entusiasmo quando ele falava – Você, Claire, tem habilidades que poderiam acabar com qualquer pessoa que quisesse e se fosse treinada da forma correta, você poderia se tornar mais poderosa que seus inimigos. Porém, para isso, você teria que treinar fora do Instituto junto com o quinto ano.

Então eu entendi o porquê de ele me levar para cachoeira. Ele iria me treinar. Você poderia se tornar mais poderosa que seus inimigos. Essa idéia me parecia melhor do que continuar trancado no Instituto junto com meus vários mistérios.

- O Conselho não aprovaria essa ação – Sura completou diante meu silêncio repentino.

- E nem eu – Lucius disse entre dentes.

Eu me forcei a não rolar os olhos com essa declaração e falar o que ele merecia ouvir. Eu apenas me contentei a concordar com eles enquanto em minha cabeça eu já arquitetava um plano.

- Eu entendo – eu disse baixo e com uma entonação triste, tentando ser o mais convincente possível.

Eles não se convenceram muito, então tentei mudar de assunto.

- Quando as meninas vão poder me visitar?

- Elas não sabem que você esta aqui – Lucius respondeu em tom duro.

- Não sabem? – eu disse um pouco indignada.

- Não podemos alertar os alunos sem ter certeza do que aconteceu, Claire – Sura disse mais autoritária – Infelizmente o Conselho não me autorizou a fazer isso.

- É claro que não. Mas eu tenho certeza que vocês podem mentir pra elas que eu sofri um acidente de moto ou algo assim. Uma mentira a mais não vai fazer diferença.

- Não uso esse tom de voz com a Sura – Lucius me avisou.

Eu entrecerrei meus olhos para ele – Eu quero que vocês saiam do quarto, por favor.

Eles pareceram duvidar no começo, mas com meu silêncio viram que eu estava falando a sério. Victor começou a levantar ao meu lado e eu segurei seu pulso com algum esforço

- Não você – eu disse baixo.

Com esse gesto Lucius não precisou de mais nada para sair da enfermaria. Ele me olhou com desgosto antes de virar e sair do quarto. Sura fez o mesmo, se despedindo de mim de longe e se distanciando com uma expressão magoada. Eu olhei um pouco indignada a cena. Era eu que quase morri há pouco tempo atrás, não eles! Quando a porta se fechou, eu olhei para Victor e coloquei meu dedo sobre a minha boca, pedindo que ele fizesse silêncio. Ele obedeceu. Eu o chamei com minha mão e ele se inclinou para mim. Com algum esforço eu consegui alcançar os lábios deles com os meus. Ele pareceu surpreso no começo, mas cedeu. Lucius poderia estar bravo, mas não era tão bobo. Ele estaria perto dali, em algum lugar próximo para poder ouvir nossa conversa. Eu o conhecia bem e tinha certeza que ele faria isso. Então eu tentei distraí-lo com algo. Um beijo, por exemplo. Ainda com o corpo debilitado eu consegui por minhas mãos no braço de Victor, aprofundando o beijo. Ele colocou sua mão em meu pescoço e me puxou para ele suavemente. Meus ombros estavam enfaixados e uma camisola cobria meu corpo, mas, além disso, não havia mais nada. Então quando ele passou uma mão levemente sobre meu seio eu arfei, sem hesitar. Ele sabia o que fazia, mas não era isso que importava agora, eu já tinha me distraído bastante. Eu tirei minha boca da dele e a deslizei ate seu ouvido.

- Eu concordo com você – eu disse quase inaudível – Mas para que isso dê certo você precisa me fazer um favor. Antes que eu saía daqui, eu preciso que você traga a Moira pra cá.

Ele não disse nada e eu soube que ele estava confuso. Ainda em seu ouvido eu sussurrei “Confie em mim”. Ele assentiu e antes de sair de perto, mordeu o lóbulo da minha orelha, me provocando. Eu não resisti e fechei meus olhos.

- Pode me usar como desculpa quantas vezes quiser – ele sussurrou tão baixo quanto eu.

Eu assenti rindo. Ele não perdia tempo. E por incrível que pareça eu gostei.

- Pode ir indo agora – eu dei um último selinho sobre seus lábios, dessa vez para que Lucius ouvisse – eu preciso descansar, amor.

Ele riu quando eu disse a última palavra. Amor. Brega o suficiente para soar convincente.

- Você tem certeza disso? – ele se inclinou fazendo menção que me beijaria de novo.

Eu o empurrei com as mãos e balancei a cabeça em negativo.

- Tenho. Mas se você trouxer meu presente, eu posso te dar algo em troca.

- Oh! Garotinha, não me prometa o que não pode cumprir.

- Eu não blefo Victor. Eu posso te dar o que você mais deseja de mim.

Ele saiu do quarto um pouco desconcertado, tentando entender do que falava. Mas eu sabia muito bem o que ele queria de mim. Minhas lembranças.




- Camille! – eu disse vendo a porta se abrir – Trouxe meu bolo de brigadeiro?

Eu me virei para colocar o copo de água sobre a cômoda ao meu lado e quando voltei a olhar em direção a porta percebi que não era Camille. Já tinha passado três dias desde a visita não tão agradável do Lucius, Sura e Victor. Felizmente minhas feridas não foram tão graves, então logo eu estaria fora daqui. Logo eu esperava ver Moira o mais rápido possível. Mas nunca a pessoa tinha acabado de adentrar ao quarto.

- Bianca? – eu disse em um sussurro baixo.

- Oi irmã – ela fechou a porta atrás de si.

- O que você esta fazendo aqui? – soou um pouco desesperado, mas eu ainda não estava preparada para falar com ela.

- Vim ver você – ela andou ate a cadeira do meu lado e sentou – Como você esta?

- Melhor – eu não consegui olhar em seus olhos.

- Tem certeza? – ela passou seus dedos sobre o meu tórax – Eu não acreditei quando me disseram que você tinha sido atacada.

As palavras de Sura vieram a minha mente. Não podemos alertar os alunos sem ter certeza do que aconteceu, Claire. Infelizmente o Conselho não me autorizou a fazer isso. Talvez fosse só com os alunos do Instituto, não as dominações. Ou talvez por ela ser minha irmã. Eu não sabia, mas precisava perguntar.

- Como você sabe disso?

Ela sentiu a desconfiança em meu olhar e me olhou igualmente.

- E por que eu não deveria saber? – ela não me respondeu.

Ficamos em silêncio. Eu não sabia o que responder.

- Por nada. Eu só pensei que receberia visitas quando me recuperasse.

Ela sorriu.

- Você é minha irmã, Claire, não a nada que eu não faça para te ver.

- Eu também – eu assenti, deixando meu corpo relaxar aos poucos.

- Já tomou café? – eu neguei com a cabeça – Se você quiser eu posso pegar alguma coisa para você...

Ela começou a se levantar, mas eu a puxei pelo braço, chamando sua atenção.

- Não. Eu só preciso... Preciso que você me diga o que aconteceu em 2002! – as palavras saíram antes de eu poder evitar.

Ela franziu sua testa e me olhou com mais atenção – Quem te disse sobre isso?

- Foi Victor. Ele disse...

- É claro que foi o Victor – ela me interrompeu – E desde quando você anda conversando com Victor Lefroy?

- Ele é o investigador do Conselho, Bianca – eu disse mais séria.

- Eu sei disse. Ele não me deixou esquecer disso da última vez que apareceu aqui.

- Então você o conhece?
- Sim – ela soltou uma risada de deboche – Todo seu charme, aquela atitude atrevida, a promessa de que ele resolveria tudo. Mas diferente de você eu não me deixei ser levada por essa conversa fiada.

- Eu só estou tentando conversar com você, Bianca!

- E eu sou estou te avisando, Claire, do que ele é capaz!

- Da mesma forma que você me avisou sobre o Lucius?

- É. Mas como sempre você parece não querer me ouvir, como a menina mimada e fraca que é!

Eu calei, magoada com as palavras. Ela se abaixou e apertou meu rosto entre sua mão – Se eu fosse você não acreditaria em tudo que te dizem.

- Mas se eles não me disseram nada – eu cuspi de volta.

- Então esta na hora de traçar suas próprias verdades – ela tirou a mão do meu rosto arrastando suas unhas no processo.

Ela me deu uma última olhada antes de se despedir – Ate mais irmã.

Sua alta confiança e sua frieza nas últimas palavras confirmaram o que tentava negar para mim mesma. Ela tinha mudado. Mudado de uma forma que eu temia não ter mais volta.



Eu passei a tarde inteira remoendo as palavras que Bianca tinha me dito. Então esta na hora de traçar suas próprias verdades. Ela queria dizer algo com aquilo, mas o que? Eu parecia mais cheia de perguntas do que antes. E nada disso fazia sentido para mim. Isso só fez com que minha decisão ganhasse mais força. Quando Victor veio me visitar novamente, meu ombro estava praticamente curado. Felizmente ele trouxe Moira antes que isso acontecesse. Vê-la fez me sentir mais feliz depois de tudo. Ela ainda estava com o uniforme de treino, o que indicava que ela tinha acabado de sair do último treino. Ela me abraçou rapidamente antes de me avaliar. O rosto dela me mostrou que talvez eu tenha me machucado mais do que eu imaginava.

- Que merda aconteceu com você? – ela demonstrou, da sua forma, sua preocupação.

- Eu pensei que nunca diria isso, mas como eu senti sua falta Moira. – eu senti as lágrimas se formarem, as mesmas que eu tinha segurado durante todos esses dias.

- Oh amiga! Eu também senti saudades – ela segurou minha mão e acariciou com seu polegar – eu nunca pensei que um acidente de moto poderia causar tantos danos.

Então Victor tinha usado minha desculpa. Eu ri da mentira – Nem eu!

- Não querendo estragar o momento, mas nós temos pouco tempo aqui – Victor disse atrás de Moira.

- Claro, desculpa – eu contive as lágrimas e me voltei para Moira – Eu preciso da sua ajuda Moira!

- Tudo que você pedir amiga! – ela disse séria, o que era bem raro no caso dela.

Eu tive que rir. Não era como se fosse algo tão difícil.

- Eu preciso que você me empreste suas roupas. As roupas que mais lembrem você.

- Minhas roupas?

- É. Suas roupas – vendo sua testa franzida eu tentei explicar – Eu não posso te contar agora, mas é por uma boa causa... Eu acho.

- Ta. Eu vou pegar minhas roupas, mas como eu faço pra te entregar?

- Você entrega para o Victor e ele traz pra mim, mas eu preciso disso para amanhã!

- Amanhã? – foi à vez de Victor protestar.

- Eu não sei quanto tempo mais eu vou ficar na enfermaria e para que eu vou fazer, eu preciso usar isso como desculpa, se algo der errado – vendo os olhares desconfiados, eu completei – Mas nada vai dar errado.

- Eu espero que nada de errado!

- Eu também – Victor concordou – mas agora nós precisamos ir.

- Victor espere. Eu quero te dar seu presente.

- Agora? Na frente da Moira? – ele perguntou rindo. Eu rolei os olhos.

- Não é disso que eu estou falando. Eu quero que você me ajude a lembrar de algo. Algo sobre minha irmã.

- Eu acho que agora não é o melhor momento.

- Se eu vou fazer isso, eu preciso saber de algo agora.

- Não é tão simples assim Claire. Eu não posso traçar um caminho na sua cabeça e apontar a lembrança que eu quero ver. E também tem o fato de você ser uma Blind.

- O que isso tem a ver?

- Você tem proteções naturais que me impedem de fazer isso, sendo mentais ou físicas.

- Você não poderia pelo menos tentar?

- Agora não seria a melhor hora.

- Por Favor... Só... Só tente!

Ele arfou e andou ate a mim.

- Isso não será nada agradável – ele me avisou.

- Obrigada.

Moira nos assistia sem entender nada, mas continuou ali.

- Então como você quer fazer?

- Tem várias formas? – eu perguntei incrédula

- É. Eu posso usar a compulsão em você, poderia fazer uma sessão oficial com o Conselho ou, a minha favorita, beber seu sangue. Qual você prefere?

Moira começou abrir a boca, mas eu a interrompi – Nada de beber meu sangue!

Eu poderia querer saber sobre meu passado, mas não assim. Uma mordida de vampiro podia significar muito mais que sangue e endorfina no Instituto. Eles não aceitariam um membro dos principados sendo usado como milkshake de vampiro. Havia formas de uma mordida não ser perceptível, ficando em outro lugar alem do pescoço, mas nada que eu considerasse. E falar com o Conselho seria a última coisa que eu faria por agora. Então só me sobrou uma opção.

- Compulsão. – eu finalmente respondi.

- Chato e previsível, mas eu concordo com você – ele saiu de atrás da Moira e foi ate a mim – Moira segura as pernas dela, com força.

Ele deu ênfase nas últimas palavras. Talvez não fosse tão fácil como eu imaginava.

- Eu preciso que você se concentre nas minhas palavras e olhe em meus olhos – ele segurou meus pulsos na cama, um de cada lado, me dando uma melhor visão dos seus olhos – e por último tente pensar na pessoa que você quer lembrar. Pronta?

Eu olhei aqueles olhos azuis a minha frente, me passando segurança e assenti. Eu precisava saber. Eu tinha que saber.

- E por último, se algo der errado, se a mínima coisa te atrapalhar, você vai chamar meu nome, entendeu? – eu assenti novamente – Assim eu posso te tirar do transe e voltar ao presente. Agora olhe em meus olhos.

Então eu olhei. Sua pupila foi dilatando gradualmente tornando sua íris praticamente preta, se não fosse a linha fina azul que ainda estava ali. Claire me mostre. A imagem da minha irmã quando ainda éramos criança, quando ela ainda vivia comigo, sentada a minha frente, com suas pequenas asas, formaram em minha mente. Na época eu não entendia o porquê das asas, mas eu ainda assim as achava lindas. O que você vê? Seu rosto pequeno marcado com pequenas sardas, seu cabelo loiro claro com cachinhos nas pontas, seus olhos azuis que sorriam para mim, suas mãozinhas pequenas juntas as minhas. O que mais? Suas mãos foram tiradas das minhas, alguém a segurava deixando apenas seu rosto a mostra, ele também tinha asas, maiores e negras. Bem negras, se fundindo as delas, que eram brancas. Quem é ele? Eu não sei. Não via seu rosto, apenas suas roupas negras. Ele estava de costas. Por um instante ele olhou para mim. Sua feição magra. Seus olhos azuis. Sua boca em uma linha fina. Suas bochechas altas. A pequena cicatriz em sua sobrancelha. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. Lucius. E seus olhos extremos. Lucius. Sua boca na minha. Lucius. E suas palavras certas. Lucius. E sua atitude terna. Lucius. E seu amor. Seu amor por mim. Lucius. Meu Lucius.

Seus olhos azuis me olhavam fixamente. Suas mãos desenhavam o contorno do meu rosto e seus olhos me pediam, não, rogavam por mim. Eu não estava entendendo nada, mas ele precisava que eu entendesse. Ele beijou ternamente meus lábios, tirou uma parte de mim. Daqui para frente não haveria mais volta. Ele roçou seus lábios novamente aos meus, como uma pequena prece, um pedido delicado para que eu me entregasse a ele.

- Você tem fé em mim Claire? – Suas mãos ainda seguravam meu rosto carinhosamente e seus olhos transmitiam toda sinceridade e dor que eu nunca tinha visto nele – Você acredita em mim?

- Eu acredito. – eu disse em um sussurro, as palavras ditas em tom baixo refletiam sua dor e a minha fé nele, em nós.

Eu ainda encarava seus olhos azuis. Minhas mãos foram para seu rosto pedindo que ele me explicasse o porquê daquilo.

- Você não precisa fazer isso. Você entende o que isso pode te causar Lucius?

Ele me puxou para um abraço, apoiou seu queixo em meu ombro, respirou profundamente o perfume dos meus cabelos, massageou minhas costas com seus dedos, me tirou do chão e sussurrou em meus ouvidos.

- Você não sabe o que seria capaz para te salvar? Para te ter Claire? – eu senti a doce e cautelosa dor se mesclando com uma felicidade morna e terna – Eu faria de tudo por você. Eu cairia por você. Eu perderia minhas asas. Porque eu não posso voar se eu não tenho pra onde ir. Eu não posso viver se eu não tenho motivos. Eu não posso te deixar se você é a única que me faz feliz. Eu não posso te perder se eu acabei de encontrar... Encontrar a pessoa que eu amo.

Então ele caiu. Ele caiu por mim.

claire. claire. claire. claire. claire. Claire.CLaire. CLAire. CLAIre. CLAIRE! CLAIRE! CLAIRE!



- Não! Não! Não! Por favor, Não! – eu me debati tentando sair do aperto de algo, não, de alguém. Se a mínima coisa te atrapalhar, você vai chamar meu nome. Qual era o nome? Meu Deus, qual era o nome? O nome? Victor.

- Victor... Victor!

- Eu estou aqui... Estou aqui. Calma Claire. Calma – ele me abraçou e eu me entreguei a esse abraço.Mas não chorei. Guardei a magoa em mim. Eu não podia contar. Não. Eu precisava saber se aquilo era verdade. Então ele caiu. Ele caiu por mim. Eu me negava a acreditar. Eu não podia ser a causa disso. Eu me separei dos braços de Victor e baixei meus olhos à cama.

- O que aconteceu comigo?

- Você não se lembra? – Victor levantou minha cabeça com suas mãos.

- Eu... Eu não me lembro – eu menti.

- Você tem certeza?

- Você não viu?

- Não. Depois que você começou a se debater foi meio difícil prestar atenção em alguma coisa – um meio sorriso apareceu em seu rosto, tentando me confortar.

- Onde esta a Moira?

- Eu to aqui. – ela me chamou em frente à cama – eu nunca pensei que você poderia ser tão forte!

- Desculpa – eu disse um pouco desconcertada.

Depois de alguns minutos de silêncio, eu consegui colocar meus pensamentos em ordem.

– Vocês poderiam me deixar um pouco sozinha?

Moira assentiu. Victor não pareceu concordar muito, mas também acabou cedendo.

- Tchau Claire – Moira se aproximou e beijou minha testa.

Victor selou minha boca com a sua por poucos segundos e me deixou sozinha. Eu sei que não deveria ter mentido, mas agora a única coisa que eu queria era ficar sozinha com minha dor e culpa.


******


Droga. Droga. Droga! Onde eu estava com a cabeça quando pensei em invadir o quarto do Lucius? Uma hora atrás o plano parecia infalível. Eu me vestia como a Moira, tentando não chamar tanto atenção, entraria no quarto de Lucius quando ele não estivesse lá e pegava a chave do meu quarto sem que ninguém me visse. A outra parte do plano ainda estava sendo elaborada, mas isso não importava agora. O que importava era que eu estava em baixo da sua cama, me escondendo, enquanto os pés de Lucius e da Luisa me davam o aviso que eles não sairiam tão cedo do quarto.

- Eu consegui o que você me pediu – eu vi os pés de Luisa se aproximar dos pés de Lucius.

Provavelmente ela entregou a ele o tal pedido.

- Original? – ele perguntou com ar superior.

- Sim. Delineada pelo Arcanjo Miguel, ungida em Israel e a descrição é em hebraico – ela disse como se fosse à coisa mais normal do mundo – Você mais do que ninguém deveria saber que é original.

- Certo – ele continuou em silêncio. Do que eles estavam falando?

- Eu não sei por que você ainda se importa – ela andou ate a cama, sentou e cruzou as pernas – A garota não passou nem meia hora sem você e no outro minuto já estava nos braços de Victor.

Agora eu sabia do que ela falava. Ela falava de mim.

- Não a julgue – a voz de Lucius soou ameaçadora. Toma vadia!

- Eu sei! Eu sei! Ela já sofreu de mais e nada do que esta acontecendo é culpa dela – ela se levantou da cama e foi ate Lucius, em passos lentos – Eu me pergunto é quando você vai parar de se culpar depois de tantos sacrifícios que você já fez por essa garota.

- Não começa Luisa... – ele falou mais calmo, mas impaciente de qualquer forma.

- É só que eu não entendo Lucius. Você já se sacrificou tanto e ainda tem esse plano maluco que não faz sentido algum. E isso tudo por ela – eu pude ver suas pernas aproximarem com as do Lucius – Tem tantas formas de fazer isso.

- Você não entende? – ele disse sarcástico – Ela nunca me perdoaria se soubesse o que aconteceu. Essa é a única forma de me redimir...

As últimas palavras soaram tristes e desesperançadas.

- Se redimir? Aquela garota faria qualquer coisa para te ter Lucius. É você que não entende! A única que deveria se desculpar é ela por te fazer sofrer assim – um silêncio estalou no quarto durante alguns segundos – As coisas poderiam ser diferentes se você quisesse.

- Não daria certo, Luisa – ele a cortou.

- Você tem certeza? – ela fez o impossível e ficou mais perto dele – Já deu certo antes. Antes de ela aparecer. Antes de isso tudo acontecer no Instituto. Quando havia somente eu e você.

Então eu vi seus pés se levantarem e soube o que ela tinha feito. Ela tinha o beijado. O ar em meus pulmões se foi. Eu me segurei para não sair de baixo da cama e acabar com aquilo tudo, mas isso só pioraria as coisas. Os segundos se passaram. Os minutos. Então ela voltou à posição de antes.

- Não faça isso Lu – ele pareceu rogar para ela.

- Eu só quero que pense a respeito, só isso – as palavras soaram mais doces do que eu queria admitir – Mas, pelo menos, você poderia me levar ate meu quarto. Não poderia?

- Claro.

Eles saíram com os passos contados, juntos, me deixando sozinha no quarto. Eu ouvi a porta se fechar e suspirei em alívio. Ainda bem que eu já tinha encontrado a chave, se não teria que passar mais algum tempo naquele quarto. Eu me arrastei ate a beirada da cama e me levantei, ainda com medo de ser pega. Dei uma última olhada no quarto e encontrei sobre o que eles estavam discutindo. Uma adaga prata estava sobre a mesinha perto da cama. Eu fui ate lá e a peguei. Ela tinha o cabo feito de aço e a lamina de prata. Havia pequeno espirais em seu cabo e alguns pequenos rubis dentro dos espirais. Em sua lamina havia as descrições que Luisa tinha falado, em hebraico, mas eu não sabia do que falavam. Então era isso. Eu coloquei a pequena adaga sobre a cômoda novamente, com cuidado, para que ele não notasse. Respirei fundo me preparando para sair do quarto. Dei uma última olhada na cama. Foi ali que eu havia me deitado fazia alguns meses. Sai do quarto deixando a porta na mesma posição, entreaberta. Ainda no pequeno corredor, eu encarei a cozinha. Eu havia o abraçado ali. O peso das palavras veio à tona. A única que deveria se desculpar é ela por te fazer sofrer assim. Atravessei o corredor lateral apressada. Olhei para a porta que dava para o jardim. Eu havia o beijado lá. Ele caiu por mim. Minha visão embargou antes de chegar à piscina. Você já se sacrificou tanto. As lagrimas escorreram, sem que eu percebesse. Eu não sei por que você ainda se importa. Minhas pernas cederam e eu caí sentada em frente à piscina. Você não sabe o que seria capaz para te salvar? Para te ter Claire? Talvez eu não seja a vítima nessa história e sim a causadora de tudo. Quando havia somente eu e você. Era a hora de traçar minhas próprias verdades.

4 comentários: