domingo, 18 de abril de 2010

Capítulo 5 - *Medos:

Eu olhei o relógio pela décima quinta vez. Seis horas. Bom, passar quatro horas em cima da minha cama não estava me fazendo muito bem. Eu me revirei em meu colchão e encarei a parede branca do dormitório. Eu revivi as imagens que ocorreram na quadra. Ele havia apertado meu braço como se eu tivesse realmente feito algo errado, olhou nos meus olhos e tentou me ferir intencionalmente, me humilhar. Você não! – ele tinha me dito em alto e bom som, para que todos ouvissem, todos me olhassem, então me julgou na frente de todos.
Eu fechei os olhos pesadamente e respirei profundamente. Ele realmente pensava que mandava em mim. Eu passei sete anos da minha vida dependendo dele, mas isso não significava que ele era dono dela. Durante minha vida no orfanato eu aprendi a conviver com tudo o que eu via e fingir que não estava ali, por mais difícil que aquilo fosse. Principalmente depois que minha irmã foi ‘adotada’, eu fiquei mais sozinha do que o normal. O peso das coisas ao meu redor tombaram sobre mim duplamente. Então ele apareceu. Eu posso relembrar essa lembrança perfeitamente: o parque coberto de neve, o banco de madeira branco, a inanimada gangorra vermelha e ele. Ele foi uma das visões mais bonitas que eu tive desde que eu pude ver além das outras pessoas, se não foi a única. As asas negras em destaque com a neve branca, suas unhas afiadas e, principalmente, seus olhos azuis. Foi a partir desse momento que ele entrou na minha vida e eu, incondicionalmente, deixei isso acontecer.
Olhei o relógio novamente. Seis horas e dez minutos. Eu calculei quantos minutos até eu trocar de roupa e chegar ao ginásio. Talvez mais dez minutos, no máximo quinze. Hora de colocar plano irritar-Lucius em ação.
Eu me levantei da cama rapidamente e me direcionei até o quarda-roupa que eu dividia com a Celina e com a Moira. Fiz uma anotação mental de fazer uma arrumação, mas isso, provavelmente, eu só faria semana que vem. Abri a porta lateral do quarda-roupa e abri a gaveta de calcinhas e sutiã, que nesse caso era só minha. E lá estava à parte essencial do plano, meu maiô. Cara, eu podia esquecer diariamente de pegar minha roupa de uniforme, mas nunca esqueceria de um maiô ou biquíni.
Desde que eu cheguei aqui e estive consciente de onde eu estava, a piscina era parte mais preciosa para mim, tanto fisicamente e mentalmente. Era o único lugar que eu podia colocar meus pensamentos em ordem. Agora fazia parte do um plano maléfico. Eu ri baixinho diante da minha infantilidade, mas, bem, se ele me tratava como uma criança, era uma criança que ele teria.
Eu tirei meu ‘lindo’ short preto e minha bata. Depois de tirar minha calcinha e meu sutiã eu vesti meu maiô preto. Ele era tomara-que-caia e sua parte inferior lembrava um shortizinho. Coloquei um vestido preto com detalhes florais brancos na barra e uma sandália rasteirinha. Penteei meus cabelos e o prendi em um rabo-de-cavalo. Me olhei no espelho. Eu acho que já é suficiente.
O relógio apitou atrás de mim. Seis e meia. Eu me olhei de novo no espelho. Bem, já estava na hora. Eu peguei minha bolsa que estava pendurada na cabeceira da minha cama e sai do quarto. Pude sentir o vento frio que bateu nas minhas pernas quando atravessei o jardim externo e entrei pela porta lateral do refeitório. Verifiquei se alguém havia saído da aula e já estivesse no salão, mesmo sabendo que a aula só terminaria às sete da noite e que Lucius nunca deixaria alguém sair antes disso. Avaliei o salão novamente só para ter certeza, a mesa de refeição ainda estava vazia, tendo se em vista que o jantar só seria servido as oito, as mesas de granito estavam mais negras já que as luzes ainda estavam apagadas e a porta que dava pro corredor do ginásio estava fechada.
Contei os ladrilhos marrom-acobreados ate chegar à porta, abri-a e a fechei rapidamente sem fazer barulho, continuei contando ate chegar à porta dupla. A encarei duramente. Não podia ficar pior do que... Bem, podia, mas foda-se!
Escancarei a porta lentamente e encarei a os alunos do treino. Alguns ainda estavam centrados em suas lutas e não perceberam que eu tinha aberto a porta, mas a maioria percebeu. Eu pude perceber que as duplas de treino pararam e me olharam abertamente. Alguns minutos depois todos já me olhavam. Alguns sussurros e risos á parte, eu vi como Celina e Moira me olhavam confusas, elas treinavam juntas então eu pude perceber o quanto cansadas e suadas elas estavam. Sam me olhava sério avaliando a situação. Jeremi se afastou de Juliana, que provavelmente era sua parceira nessa aula, e começou a andar em minha direção. Eu ergui minha mão esquerda e fiz sinal para que ele parasse. Ele obedeceu. Uma sombra escura se movimentou entre os alunos e então lá estava Lucius. Ele tinha passadas lentas e pesadas. Um canto de sua boca ergueu, mostrando um meio sorriso.

- Claire – ele disse enquanto caminhava em minha direção – Veio nos mostrar novamente como não se vestir para uma aula?

Uma das suas sobrancelhas se ergueu e seu sorriso aumentou. Eu tentei responder sua pergunta, mas ele me interrompeu.

- Infelizmente a aula já esta terminando, Claire. – Ele parou em minha frente e ficou sério. Eu senti toda a imensidão do seu corpo quando ele se aproximou, seu olhar duro e uma de suas mãos fechadas em punho. – Mas eu acho que você pode mostrar seu novo modelito lá no refeitório depois da aula.

Eu repensei em tudo em que eu estava fazendo e cheguei à conclusão que isso sim valeria a pena.

- Eu não sei o que você esta fazendo parado na minha frente, mas. . . – eu olhei em seus olhos e dei um passo à frente – eu estou indo pra piscina.
E como se ele não estivesse ali eu passei ao seu lado e... Ele segurou meu braço novamente, me relembrando a cena que vivenciamos mais cedo. Ele me puxou em sua direção e ficamos lado a lado. Eu o encarei e vi sua respiração ficar mais pesada.

- Eu acho que isso não é uma opção – Ele disse baixo para que só eu ouvisse.

- Infelizmente pra sua informação algum professor idiota me dispensou mais cedo da aula. E o que eu faço do meu tempo livre não é da sua conta. – eu puxei meu braço das suas mãos mais forte do que a última vez, mas não surtiu o efeito que eu queria.

- Eu discordo de você – ele apertou mais as mãos envolta do meu braço.

- Já eu acho que uma pessoa discordaria de você. A Sura não gostaria nem um pouco de saber que os treinadores estão interferindo no livre arbítrio dos alunos – eu puxei meu braço e lentamente me desfiz do seu aperto. Eu sabia que dessa vez, eu só consegui sair do perto dele por que ele deixou, mas eu havia tocado em um ponto delicado aqui, Sura. Ela havia sido resignada pra essa área, pra tomar conta do Instituto, por ordem do conselho. E, indiretamente, mexer com a Sura era mexer com o conselho.

Eu avancei diretamente em direção a parede de vidro que dava acesso às piscinas. Enquanto eu caminhava ate lá todos me olhavam, eu simplesmente aproveitei e andei lentamente até o vão que dava na piscina menor. Antes de eu chegar definitivamente à parede eu ouvi um assovio longo e uma salva de palmas. Eu sabia bem quem tinha sido o louco que fez isso. Moira.

Lá estava a imensa piscina. Eu a olhei e percebi, como toda às vezes eu percebia, que ela estava num azul anil-claro e que as divisórias que dividiam as raias não estavam lá. Felizmente eu também percebi que o aquecedor ainda estava ligado. Caminhei ate a borda e tirei minhas sandálias. Depois coloquei minha bolsa ao lado e tirei meu vestido. O frio me fez arrepiar, logo cruzei meus braços e tentei me esquentar. Olhei para trás, em direção ao vidro embaçado, e pude perceber que a aula havia acabado e que os alunos já estavam saindo da quadra. Celina e Moira possivelmente perceberam que nesse momento eu não estava muito a fim de conversar e não foram me ver. Fechei meus olhos e respirei fundo o ar frio que envolvia o local. Abri os olhos novamente e ajustei a escuridão que me cercava, tirando a luz que vinha da quadra ao lado. Sentei na beira da piscina e molhei meus pés na água morna. Como eu adorava este lugar. No próximo segundo eu me joguei na piscina e mergulhei, deixando tudo e todos para trás.


******


Eu absorvi a escuridão ao meu redor. A luz do ginásio ainda estava ligada, mas já havia escurecido muito pra eu ver alguma coisa além da água da piscina e a parede que separava o ginásio das piscinas. Eu mergulhei novamente e me recostei no fundo da piscina, contei os segundos segurando minha respiração e tentei me desligar de tudo que me cercava. Moira, Celina, Sam, Jeremi, Sura. . . Bianca e Lucius. Eu senti algo dentro de mim estremecer. Os pêlos da minha nuca se arrepiaram. E então uma agonia crescente se abrigou em mim. Eu senti essa sensação gélida continuar crescendo e me consumindo. Mau pressentimento. Eu abri os olhos ainda dentro da água. Um clarão me cegou e eu senti uma dor queimar meu pulso esquerdo. Eu submergi em busca de ar ainda sem poder enxergar nada. Uma pontada de medo começou a aparecer enquanto eu esperava desesperadamente que minha visão voltasse. Eu já tinha vivenciado isso e sabia que não era algo bom.
O desespero aumentou. Eu encarei a imagem que se formava a minha frente. Um espectro. Minha respiração ficou pesada e lenta. Eu pude sentir o medo afundar em mim e trazer varias sensações agonizantes. Eu busquei ar para meus pulmões, mas simplesmente nada vinha.
Eu observei novamente a criatura que estava a minha frente. Eu não precisava das aulas de filosofia pra saber como era um espectro. Ele estava vindo em minha direção com sua pele extremamente empalidecida e quebradiça, suas feições magras e mórbidas. Eu poderia contar as veias azuladas que surgiam em sua pele. Em suas mãos tinham unhas imensas e negras. Sangue, havia sangue nelas. Traços negros saiam de suas unhas e se uniam ate a parte inferior do seu pescoço, dali elas se perdiam e formavam mais veias azuis e pretas, que iam do seu pescoço ate sua cabeça calva. Seus olhos eram totalmente negros, sem pupila, íris, cílios ou pálpebras. Não havia nariz, apenas dois furos mal formados. E bem abaixo havia sua boca costurada com fios negros e pútridos. O voto de silêncio.
Espectros eram criaturas demoníacas que ficavam na terra como punição. Normalmente ninguém pode vê-los ou tocá-los. Em troca eles não poderiam nos machucar. Em alguns casos, dependendo da força demoníaca que os cercam, eles poderiam possuir um corpo humano, isso era o máximo que eles conseguiam. Mas isso era diferente com um Blind. Nós podíamos os ver, então, como penalidade, eles poderiam nós tocar, conseqüentemente, nos ferir.
A criatura deformada vinha em minha direção rapidamente, se arrastando sobre chão e se contorcendo em seu próprio eixo. Suas unhas negras agarravam o chão fortemente enquanto sua cabeça pendia em seu pescoço. Ele encarou meus olhos. Eu me senti tonta e débil. Não era hora para isso. Eu me debati na água tentando nadar ate a borda da piscina, mas sua dimensão era muito grande e ele era mais rápido que eu. Eu cheguei à beirada da piscina e tentei reunir forças em meus braços enquanto eu a subia. Mas não foi suficiente.
Uma dor inimaginável se alojou em minhas panturrilhas. Eu soltei um grito rouco e abafado. Algo me puxou para baixo e em questões de segundos eu estava em baixo da água novamente. Eu encarei o que estava me segurando. A criatura havia cravado suas unhas em minhas panturrilhas e estava me segurando ali. Eu vi seus olhos negros me observando e engolindo. Ele estava imóvel e me puxando mais e mais para o fundo da piscina. Ele enfiou mais suas unhas em mim. Eu soltei um grito agonizante e senti a água entrar em meus pulmões. Meu pulso queimou fortemente desta vez. A tatuagem.
Eu abri meus olhos e pude ver sangue se dissolver na água. Nesse instante eu soube que aquele era o meu sangue e que se eu não fizesse nada eu morreria.
Eu me debati sob seu aperto, mas nada aconteceu. Eu tentei subir a superfície, porém minhas forças estavam esvaindo. Eu engoli mais água durante esse processo. Meu corpo estava se cansando diante a dor e meu desespero. Eu senti algo ganhar espaço dentro de mim: desesperança. Eu fechei meus olhos e me deixei ir. Meus pensamentos estavam em um turbilhão até agora, mas então eu só consegui pensar em uma pessoa neste momento. Lucius.
Eu escutei um barulho fraco vindo de fora da piscina. Eu tentei abrir meus olhos e ver o que era, mas eu estava tão cansada. Outro barulho e então . . .
Eu senti minha pele sendo rasgada, mas não consegui reagir. Aquela sensação gélida foi diminuindo e pude sentir meus membros se entorpecerem. Algo puxou minha mão e eu me senti sendo levada por algo. Água bateu em meus calcanhares enquanto eu era retirada da piscina. O frio ar me acobertou e eu senti o chão enquanto eu era deitada nele. Algo apertou meu peito fortemente e então ar encheu meus pulmões. O procedimento foi repetido três vezes e água subiu em minha garganta. Eu tossia enquanto eu cuspia a água que estava nos meus pulmões no chão. Mas eu ainda não tinha forças para me sustentar naquela posição, logo eu me deitei novamente no chão frio.
Depois de voltar, à única coisa em que eu conseguia pensar era a dor que a minha panturrilha me causava e como meu pulso estava dolorido. Mãos envolveram meu corpo e eu me contorci diante a dor que golpeava meus sentidos. Meu pescoço e pernas foram sustentados, conseqüentemente eu envolvi meus braços em volta do pescoço dessa pessoa e a apertei em reprovação. Cada movimento que ele fazia enquanto me carregava fazia minha dor aumentar e afundar ainda mais minhas unhas em seu pescoço. Ele beijou minha testa rapidamente, mas suave.

- Shhh, Claire. Eu vou cuidar de você. – ele disso carinhosamente. Eu reconheci quem era antes mesmo de ele me falar isso. Ele havia me feito essa promessa várias vezes antes, e era sempre assim que eu me iludia. Ele era quem consumia meus pensamentos, até na hora em que eu estava a um passo de morrer.

5 comentários:

  1. Adorei o capítulo, principalmente no fim, quando o Lucius salva ela!!
    "- Shhh, Claire. Eu vou cuidar de você."
    Curiosa pro próximo capítulo!
    ;)

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  2. Adorei o capítulo, principalmente no fim, quando o Lucius salva ela!!(2)
    Esperando o próximo !hewhew

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Adorei o capítulo, principalmente no fim, quando o Lucius salva ela!!(3)

    Own... ele é um cachorro ignorante, mas eu amo ele! *-*

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  5. Adorei o capítulo, principalmente no fim, quando o Lucius salva ela!!(3)

    Quando vem o próximoooo?? *-*
    Ansiosa pelo proximo cap ♥

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