quarta-feira, 21 de abril de 2010

Capítulo 6 - *Sangue:

- Você quase a matou! – a voz era grossa e estrondosa.

- Não foi minha culpa. – as palavras escorriam magoa e ódio.

- Não é isso que Gabriel ira pensar... – a voz variou mostrando seu total entendimento sobre o assunto.

- Ele que se foda! – a voz fina e feminina estava cheia de raiva – eu não mudarei minha decisão por causa dele. Ela ira morrer, independente que ele queira ou não.



******


- Aaaaah! – Eu senti meu coração acelerar e minhas mãos suarem. Eu me levantei pelo sobressalto e pelo medo. Me debate sobre a cama e tentei sair dali, mas mãos me seguraram e me impediram. Eu tentei me desvencilhar de suas mãos desesperadamente e me lançar fora da cama.

- Me solta! – meu grito ecoou pelo quarto – Me solta... – minha voz mudou e pude ver as lágrimas voltarem. – Não! Por Favor, não!


- Claire! – a voz soou forte e controlada – Olha pra mim – Mãos circundaram meu rosto e eu senti tudo dentro de mim se acalmar. Eu encarei seus olhos e o reconheci.

- Lucius – eu soletrei cada letra tentando me convencer de que ele realmente estava ali. Minhas expectativas estavam certas, logo eu o abracei e o apertei intensamente. Eu senti suas mãos se espalharem sobre minhas costas e me abraçar com a mesma intensidade que eu o abraçava. Ele respirou entre meus cabelos, mas não disse nada.




Eu senti um leve formigamento em meu braço esquerdo. Lentamente eu abri meus olhos tentando ajustá-los a fraca luz do quarto. A enfermaria. Eu poderia reconhecer aquele lugar em qualquer situação, afinal eu passei quase dois anos vivendo aqui. Suas paredes brancas e tons pastel eram inconfundíveis. Esse quarto era apenas uma parte da grande enfermaria. A parte inferior do Instituto era dividida em três partes: o ginásio, o pátio – que se interligava ao jardim externo – e a enfermaria. Ali tinha toda a parafernália que um hospital precisa, mas de um jeito mais compacto. Eu me lembro perfeitamente de todos os tubos e fios que se ligavam em mim quando eu acordei do coma, nesse exato lugar. Aquilo foi à coisa mais assustadora que eu já tinha visto e não pelo fato de me ver internada, sim pelo simples fato de eu me sentir tão perdida como agora.
Mas agora, para piorar, eu tinha sonhado com o Lucius, com uma época que tudo parecia se encaixar por mais que tudo estivesse errado. Era quando eu ainda vivia no orfanato e tudo em que eu poderia me segurar era na surreal idéia que um anjo cuidava de mim. Mas isso fazia parte do passado.
Dedos rolaram sobre meu antebraço. Eu encarei a figura que os faziam.

- Bianca!? O que você ta fazendo aqui? - minha voz soou acusadora.

- Bom dia pra você também! – Ela me disse calmamente.

Eu vi um lento sorriso surgir em seu rosto enquanto ela passava sua mão em meu rosto. Seus cabelos loiros brilhavam mesmo com a pouca luz do quarto, seus olhos tinham uma beleza diferente, eles eram de um azul-marinho e circundados por uma grossa linha negra. Por mais tempo que eu não a visse, eu podia reconhecer cada pequeno detalhe dela. Principalmente suas asas. Eu pude vê-las nitidamente do mesmo jeito que eu podia ver qualquer uma. Elas eram extremamente brancas, as penas se desvencilhavam pouco a pouco. Eu poderia tocá-las se elas fossem tão reais como eu as via, mas elas não eram. Esse era um dos males de ser um anjo na terra, elas estavam ali, mas não poderiam ser usadas. Uma fraca luz roxa se destacava em sua pele branca. Eu ri das lembranças que aquela fraca luz arroxeada me trazia.
Eu sempre pude vê-la, desde quando ainda vivíamos em São Joaquim em Santa Catarina. Foi ainda no orfanato que eu vi suas asas desabrocharem, elas eram tão pequenas quanto ela. Eu havia dito para madre superiora que minha irmã tinha se tornado um anjo, mas ela apenas me disse que todas nós éramos pequenos anjos. Ela não acreditou em mim da mesma forma que ela não acreditou quando eu disse que via monstros.
Eu vivi com Bianca por sete anos até ela ser ‘adotada’ e traga para o Instituto. Eu não poderia entender o porquê de sermos separadas na época, mas hoje eu entendia perfeitamente. Ela era um anjo e ainda por cima minha irmã.

- Eu pensei que você estaria ocupada com seu treinamento! – eu disse um pouco magoada.

- Eu tive que fazer uma exceção quando soube que minha irmã gêmea tinha quase morrido. – ela disse rindo. Eu apenas a encarei emburrada.

- Se isso é uma maneira de falar que você esta preocupada, você ta cinco meses atrasada.

Ela revirou os olhos e cruzou os braços.
- Claire, se é pra você fazer drama eu vou embora.

- Ta, desculpa. Eu fico um pouco mal humorada depois que alguém tenta me matar – eu disse sarcasticamente. Bianca balançou a cabeça e deu um riso abafado.

- Eu senti saudades de você – ela disse finalmente depois alguns minutos.

- Eu também – eu disse em resposta.

Toc Toc – A porta soou a nossa frente e foi aberta cuidadosamente. No pequeno vão que se formou entre a porta e a parede eu pude ver o rosto da Sura. Eu sorri involuntariamente.

- Eu posso entrar? – eu assenti em resposta.

Então ela abriu a porta rapidamente e entrou. Seus cabelos ruivos estavam volumosos e encaracolados. Seus olhos eram de um verde bem claro e ainda havia suas sardas. Ela representava ter no máximo uns 22 anos, mas eu sabia que ela tinha vivido muito mais que isso. Ela usava um vestido mula-manca comprido azul com detalhes verdes e uma sandália rasteira. E como sempre sem nenhum brinco ou maquiagem.
Ela sorriu para mim e então olhou para minha irmã.

- Bom dia Bianca – ela disse brevemente.

- Bom dia Sura – disse secamente.

- Eu espero não estar atrapalhando, mas eu gostaria de falar com a Claire a sós.

- Claro que não, fique a vontade. – Bianca se levantou de sua cadeira e então... Ela olhou para a pessoa que acabara de entrar no quarto e eu pude ver seu semblante se enrijecer. Houve uma pequena troca de olhares entre Bianca e Lucius.

- Bianca – ele disse ríspido.

- Lucius – ela disse no mesmo tom.

Eu olhei para as duas figuras que se confrontavam e pude notar que havia algo ali. Mas o quê?
Antes que pudesse perceber algo a mais ou falar qualquer coisa a respeito, Bianca se virou para mim.

- Minha hora de partir – ela me disse rindo se desvencilhando de toda aquela situação estranha – Semana que vem eu volto, Claire.

- Semana que vem?

- Eu sou uma pessoa ocupada, o que mais eu posso te dizer – ela disse enquanto me abraçava calorosamente. Alguns segundos depois ela beijou minha bochecha e desvencilhou do meu abraço.

- Então até semana que vem – eu disse com pouco animo.

- Até. – ela me disse isso e saiu do quarto se despedindo rapidamente de Sura e Lucius. Nesse exato momento eu pude ver a diferenciação de cores entre as asas da Bianca e da Sura. Bianca tinha suas asas brancas enquanto Sura tinha as suas negras. As asas eram tão diferentes que o contraste entra elas se tornou algo mais bonito. Anjos de nascimento e da morte. Cores que se diferenciavam e se completavam.

Bianca saiu do quarto, logo eu encarei as duas pessoas a minha frente. Sura ainda estava sorrindo enquanto caminhou em minha direção e sentou onde Bianca acabara de sentar. Já Lucius estava como sempre esteve. Misterioso, arrogante e definitivamente gostoso. Ele saiu do meio da sala e se recostou no batente da porta com os braços cruzados. Ele usava uma calça jeans azul um pouco surrada, uma camiseta cinza e um tênis. Eu voltei meus olhos para Sura.

- Posso ver que você já melhorou – ela me sorriu com segundas intenções. Se tinha uma pessoa que me conhecia tão bem era a Sura. E bem, não era tão difícil perceber porque eu olhava Lucius tão fixamente, mas eu não me culpava nem um pouco por isso.

-É. Acho que sim – disse um pouco sem graça. Lucius bufou ainda no batente da porta. Eu o encarei irritada. Cadê o cara que me salvou e disse que ia cuidar de mim? Idiota!

Sura olhou de mim para Lucius e riu.
- Eu acho que a notícia que eu vou dar vai ser bem interessante. – ela disse ainda sorrindo. Eu a encarei confusa.

- Eu acho que você se lembra que Lucius te salvou na piscina.

Eu assenti para ela. Logo ela continuou.

- Bem, eu também sei que você foi atacada por um espectro dentro do Instituto, Claire.

- Aham – eu confirmei.

- Se há algo indiscutível aqui é que você só sobreviveu devido a Lucius e a tatuagem – ela disse vagarosamente como se me preparasse para algo.

Eu não podia discordar dela. Pela décima vez Lucius tinha me salvado e isso me fazia me sentir pior, como se eu sempre estivesse em dívida com ele, como se sempre houvesse algo que nos interligasse. Já a tatuagem era outra história. Eu a havia recebido poucos dias depois de eu sofrer o acidente e entrar em coma. Ela foi à única coisa que manteve ligada nesse plano. Ela era linda com contornos grossos e espiralados. Um trisquel. Os principados só a recebiam no dia da sua formação, quando o seu treinamento tinha definitivamente terminado e fosse resignado a proteger seu anjo ou anjos. O trisquel é um símbolo com três braços girando em sentido contrário que simboliza a continuidade da vida e do crescimento espiritual, o fluir constante do físico, o mental e o espiritual. Era essa pequena tatuagem no pulso que faz os principados sobreviver pelo mesmo tempo que um anjo na terra, eternamente. Isso se não ocorresse algo, é claro. No meu caso era um pouco diferente. Ela não foi inteiramente impressa no meu pulso, o que significava que eu ainda não tinha vida eterna, mas também significava que eu era mais resistente que o resto.

Eu vi a Sura ficar mais séria e sua respiração ficar mais lenta. Agora eu tinha certeza que não era algo bom.

- Eu não posso mais negar que a situação piorou de alguns anos para cá e que por isso você foi traga para o Instituto, para sua segurança e pelo seu dom – ela disse segurando uma de minhas mãos – E eu não vou ser hipócrita com você, Claire. O seu dom é muito importante para o Instituto para ser perdido tão facilmente.

Ela apertou mais minha mão. E aí vinha a bomba!

- E é por isso que você vai ser protegida, o máximo de tempo possível, pelo Lucius e treinada por ele. E mais, você vai se mudar do seu dormitório para o dormitório do Lucius. – ela terminou me olhando fixamente, esperando minha reação.

Como assim eu vou me mudar pro dormitório do Lucius?! Eu encarei Lucius que ainda estava no batente da porta. Ele estava tão calmo e indiferente como antes. Pelo o jeito ele já sabia da notícia e estava adorando.

- Eu acho que essa não é uma boa decisão, Sura. – eu disse indignada.

- Isso não é um pedido, Claire. Isso é uma ordem minha e do conselho. – ela deu ênfase no conselho.

Colocando desse jeito não tinha muita coisa que eu pudesse fazer. Eu pensei como seria ótimo acordar com todo aquele bom humor do Lucius, a sua arrogância iria triplicar e eu poderia dizer que ele arranjaria formas diferentes e divertidas pra infernizar minha vida. Que maravilha!
Eu afundei minha cabeça mais um pouco no travesseiro e assenti.

- Eu acho que essa decisão é a mais sensata a se tomar mesmo, Sura – eu disse ironicamente. Ela riu, mas não comentou.

- As providências serão tomadas quando você sair da enfermaria e voltar a sua rotina – Sura riu divertida.

Eu olhei as fachas de gaze que estavam enrolados em volta do meu pulso e das minhas panturrilhas. Pela minha experiência eu sairia daqui no final da semana. Ótimo dia pra fazer uma mudança – eu pensei sarcasticamente.

- Acho melhor te deixar sozinha para você descansar e digerir as novas notícias – Sura me disse soltando minha mão e se levantando da cadeira. Eu sorri para ela com um sorriso forçado.

Fácil dizer! Eu não conseguiria descansar depois disso, não mesmo.

Sura beijou minha testa e se despediu. Eu vi seu calmo caminhar ate a porta e seu olhar para o Lucius, se despedindo silenciosamente. Ele olhou para Sura ate ela sair do quarto e sumir pelo corredor. Ele voltou seu olhar para mim e me encarou. Nesse instante meu coração acelerou e eu sabia muito bem que ele tinha percebido. Ele sorriu brevemente. Seus olhos desencontraram com os meus e logo ele começou a olhar todo o meu corpo que ainda estava sob o lençol, analisando. Eu senti algo dentro do meu corpo se esquentar. Ele sorriu abertamente e me encarou novamente. Eu ouvi um sussurro de um sorriso sair dos seus lábios.

- Eu não vejo à hora de ser seu colega de quarto, Claire.

E antes que eu pudesse dizer algo, ele saiu do quarto.

3 comentários:

  1. Adorei essa parte...
    - Eu não vejo à hora de ser seu colega de quarto, Claire.

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  2. Ah ,Deus! Só quero ver o que vai acontecer com esses dois frenquentando o emso dormitório....

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